Júlio Pinto, um camarada que fez a Guerra do Ultramar em Angola 1967/69, como 2º Sargento Miliciano, na CArt. 1769 do BArt. 1926, (batalhão com 3 companhias, formado no RAP 2 - Monte da Virgem - Vila Nova de Gaia), conta-nos mais uma das suas histórias.
Chamei o Andrade, o cabo da secção, comuniquei-lhe a ordem para preparar o pessoal a fim de avançar naquela noite.
Contactados os outros dois Furriéis Mil, o Ernesto da Cart 1770 (Quicua) e o Nascimento da CART 1771 (Massau), foi-lhes perguntado quem era o Alferes que ia comandar o GC. Ao saber, fiz um comentário do género “ele é tolo mas nós somos três tolos”.
Sem eu saber o porquê, o Alferes foi ter com o Comandante do BART comunicando-lhe que não ia connosco porque não nos conhecia pelo que foi buscar o seu GC, que estava em Santa Cruz.
Assim nos deslocamos para Santa Cruz, onde se iniciou o martírio de sete meses.O Destacamento era comandado por um 2º Sargento do QP, que nunca tinha comandado nada. Melhor eu tivesse ido para o Leste!...
II – Permanência no Destacamento de Sta Cruz – CART 1770 (Quicua)
Santa Cruz era um destacamento da CART 1770 que estava sediada na Quicua a duas horas de viagem, por uma picada perigosa, muita mata e capim e muito pantanosa em ambos os lados. Ficava, igualmente, de duas horas a três da sede do Batalhão, Sanza Pombo, por outra picada perigosíssima.
Chegados, procedemos á nossa instalação em casas alugadas ou cedidas por civis. Havia 5 a seis famílias em Stº Cruz, sede de Administração.
O meu martírio:O Sargento Comandante, começou a por os cornos de fora (salvo seja). Durante a minha vida militar (48 meses) conheci muitos sargentos, mas nenhum tão mau (em todos os aspectos) como este.
Diáriamente, durante as refeições, enchia-me os ouvidos com ditos contra os soldados. Pacientemente ouvia e dizia: olhe que não é bem assim isto é tudo boa rapaziada. Mas ele não aceitava nada.
Para ele, os soldados eram o piorio que podia existir à face da terra. Isto, todos os dias. O saco ia enchendo.
Mas há atitudes que me marcaram. Relato algumas:
Jogar a Bola
- Um dia depois de almoço, formou o pessoal e nós furriéis também estávamos presentes. O homem dirigiu-se-me e perguntou se queria eu jogar futebol.
Respondi-lhe que sim e ele dirigiu-se à formatura e perguntando “Quem quer ir jogar futebol com o Furriel Pinto?”. Toda a gente disse que sim e o “comandante” disse “1º vai toda a gente à água”.
Ora como eu disse que sim saltei logo para o Unimog e ele, então, disse que eu não precisava de ir.
Claro, cheguei-me ao ouvido dele e disse-lhe, que fosse brincar com… outra pessoa mas comigo não.
Azares
-Uma tarde, ordenou-me fosse de imediato à Quicua para tratar de diversos assuntos (já não lembro se seria também para trazer a dinheiro para pagamento ao pessoal).
Quando regressávamos, já começava a ser noite e em determinado ponto do trajecto o condutor descuidou-se e nós ficamos atolados com os dois diferenciais assentes no chão.
Tínhamos guincho, mas era noite escura e não havia arvores que aguentassem o guincho. Ali ficamos toda a noite em que choveu sempre, como só chove em África.
Ficámos molhados até aos ossos. Com o nascer do dia lá conseguimos uns arbustos mais fortes e a muito custo lá conseguimos fazer chegar o guincho.
Seguimos viagem e á vista do destacamento o pessoal começou a cantar de contentamento por não ter acontecido nada. Fomos tomar o nosso banho, fazer a barba etc e não é que lá pelas 10h00 eu vejo o pessoal, que tinha ido comigo, de catana na mão a capinar?
Fui-lhes perguntar o que aconteceu e disseram-me que tinha sido o Sargento que os mandou de castigo por termos entrado, a cantar, no destacamento. Fiquei furioso e fui saber o motivo.
Resposta do individuo: “Que lindo os militares com um comportamento destes!”
Disse-lhe que as divisas que tinha nos ombros eram para ter a responsabilidade sobre alguns jovens e por isso se eles tinham entrado a cantar foi com minha autorização, e perguntei-lhe se era necessário eu ir capinar. Respondeu-me: “Lá está você”.
- Vou contar a última para não ser maçador.
A determinada altura, um qualquer iluminado lembrou-se que fizéssemos umas lagoas para a criação de um peixe, salvo erro de nome tilápias, (estava na moda) e nós estávamos a executar este projecto.
Natal de 1968. Para comemorar o Natal no dia 24 de Dezembro combinou-se que o jantar à hora normal seria ligeiro e à meia-noite de 24 de Dezembro juntamente com o Administrador e a população civil faríamos a ceia de Natal.
Nós dávamos as batatas e o bacalhau e os civis as sobremesas. Tudo combinado e aceite.
Na hora do rancho, um cabo que tinha acabado de chegar e não sabia do combinado, reclamou do rancho, que era pouco, que não prestava, etc.
O “comandante” berrou com ele, ameaçou, pintou a manta e, claro, sobrou para mim.
Veio ter comigo, quando estava a conversar com um civil, e vociferou, “eu faço, eu aconteço, eu amanhã, dia de Natal, ponho o cabo… a cavar o tanque para as tilápias”, etc.
Veio ao de cima o CACIMBO e saltou-me a tampa. Voltei-me para o ele e disse-lhe que para me dar ordens dessas, só com um tiro.
Ele respondeu-me: “… E dava!”.
Olhei-o nos olhos e disse-lhe que não se esquecesse que estava a ter esta conversa diante de uma pessoa estranha à guerra. Virou costas e foi embora.
Quando passei diante do seu gabinete , ele chamou-me dizendo-me que eu não devia ter-lhe dado aquela resposta diante de um estranho. Retorqui que tinha razão mas ele, “comandante”, não devia ter dito o que disse em frente a essa mesma pessoa.
Se me queria dizer algo tinha-me chamado ao gabinete e conversado comigo.
Só lhe lembrei que, brevemente, iria ser promovido a 2º Sargento Milº.
Estas são algumas das situações e relacionamentos, vividos por aquelas terras de Angola.
Passadas que dêem para reflectir.
Júlio Pinto
2º Sarg Mil da CART 1769 do BART 1926
1 comentário:
Pois!!!...
A Guerra e o terrorismo estava mesmo ali ao lado da mesa, dentro do Quartel, na Camarata e até no Comando.
É a Guerra!...
Abraço, do
Santos Oliveira
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