sexta-feira, 2 de julho de 2010

M223 - ANGOLA 1967-69. Recordações do 2º Sarg. Milº Júlio Pinto da CArt. 1769, do BArt. 1926 - 7 meses em Santa Cruz

A * N * G * O * L * A

Júlio Pinto, um camarada que fez a Guerra do Ultramar em Angola 1967/69, como 2º Sargento Miliciano, na CArt. 1769 do BArt. 1926, (batalhão com 3 companhias, formado no RAP 2 - Monte da Virgem - Vila Nova de Gaia), conta-nos mais uma das suas histórias.
Os meus sete meses em Santa Cruz – Angola
I - Antecedentes
Num determinado período da minha Comissão em Angola, no Destacamento da CART 1769 sediada no Quimbele, Cuango, parte do BART 1926 com sede em Sanza Pombo, Uige, no nordeste, recebi ordem de avançar, com a minha secção, para Sanza Pombo a fim de integrar um grupo e seguir para o Leste (Luso) para fazer escoltas aos MVL, (colunas de reabastecimento, no itinerário Luso, Cangamba, Casssamba e Muié e regresso).

Chamei o Andrade, o cabo da secção, comuniquei-lhe a ordem para preparar o pessoal a fim de avançar naquela noite.
O Andrade lembrou-me que havia pessoal de férias e outro à espera para entrar de férias. Respondi-lhe que se arranjavam substitutos e o assunto ficou por aqui.
Na hora do almoço, na messe dos sargentos, vem-me o Andrade comunicar que depois de reunido o pessoal da minha secção, este resolveu democraticamente (palavra proferida por ele em Maio ou Junho de 1968) ir comigo para o Leste ou para onde quer que fosse, nem que fosse para a morte.
Estas palavras ditas por um jovem, que sabia o que representava a camaradagem e união do grupo, encheram-me o coração de alegria; estas atitudes nunca mais se esquecem.
Também nunca mais esqueço que ao meu lado na mesa estava o Furriel Vagomestre (de visita ao nosso destacamento) que se emocionou ao ponto de duas lágrimas lhe correrem pela face.
Havia que preparar tudo para arrancar de noite, ficando assente, com o Alferes Miliciano do meu grupo, que partiríamos à meia-noite.
Ordenei ao Andrade para que o pessoal carregasse o que fosse necessário, pois a qualquer momento partiríamos.
Bom, aquele fim de dia foi diabólico e o demais pessoal do destacamento (o que restava do meu GC mais o pessoal do outro GC), quis fazer uma despedida com uma caldeirada de cabrito acompanhada das famosas cervejas Cuca e Nocal (ambas fabricadas em Luanda).
Estava a ficar tudo borracho.
Avaliando este estado das coisas, dirigi-me ao Alferes informando-o que o melhor era partir de imediato. Concordou. Assim pelas 22h00, partimos mas, pelo caminho, tivemos que deslocar algumas árvores que apareceram na picada (abatizes).
Certamente estariam preparadas para alguma acção mais tardia.
Chegamos ao Quimbele depois de oito horas de auto-estrada de picada. Um dia no Quimbele e avançando no dia seguinte para Sanza Pombo.
Chegados, foi verificado que o GC iria ser formado por uma secção de cada CART do BART.

Contactados os outros dois Furriéis Mil, o Ernesto da Cart 1770 (Quicua) e o Nascimento da CART 1771 (Massau), foi-lhes perguntado quem era o Alferes que ia comandar o GC. Ao saber, fiz um comentário do género “ele é tolo mas nós somos três tolos”.

Sem eu saber o porquê, o Alferes foi ter com o Comandante do BART comunicando-lhe que não ia connosco porque não nos conhecia pelo que foi buscar o seu GC, que estava em Santa Cruz.

Assim nos deslocamos para Santa Cruz, onde se iniciou o martírio de sete meses.

O Destacamento era comandado por um 2º Sargento do QP, que nunca tinha comandado nada. Melhor eu tivesse ido para o Leste!...

II – Permanência no Destacamento de Sta Cruz – CART 1770 (Quicua)

Santa Cruz era um destacamento da CART 1770 que estava sediada na Quicua a duas horas de viagem, por uma picada perigosa, muita mata e capim e muito pantanosa em ambos os lados. Ficava, igualmente, de duas horas a três da sede do Batalhão, Sanza Pombo, por outra picada perigosíssima.

Chegados, procedemos á nossa instalação em casas alugadas ou cedidas por civis. Havia 5 a seis famílias em Stº Cruz, sede de Administração.

O meu martírio:

O Sargento Comandante, começou a por os cornos de fora (salvo seja). Durante a minha vida militar (48 meses) conheci muitos sargentos, mas nenhum tão mau (em todos os aspectos) como este.

Diáriamente, durante as refeições, enchia-me os ouvidos com ditos contra os soldados. Pacientemente ouvia e dizia: olhe que não é bem assim isto é tudo boa rapaziada. Mas ele não aceitava nada.

Para ele, os soldados eram o piorio que podia existir à face da terra. Isto, todos os dias. O saco ia enchendo.
Mas há atitudes que me marcaram. Relato algumas:

Jogar a Bola

- Um dia depois de almoço, formou o pessoal e nós furriéis também estávamos presentes. O homem dirigiu-se-me e perguntou se queria eu jogar futebol.

Respondi-lhe que sim e ele dirigiu-se à formatura e perguntando “Quem quer ir jogar futebol com o Furriel Pinto?”. Toda a gente disse que sim e o “comandante” disse “1º vai toda a gente à água”.

Ora como eu disse que sim saltei logo para o Unimog e ele, então, disse que eu não precisava de ir.

Claro, cheguei-me ao ouvido dele e disse-lhe, que fosse brincar com… outra pessoa mas comigo não.

Azares

-Uma tarde, ordenou-me fosse de imediato à Quicua para tratar de diversos assuntos (já não lembro se seria também para trazer a dinheiro para pagamento ao pessoal).

Quando regressávamos, já começava a ser noite e em determinado ponto do trajecto o condutor descuidou-se e nós ficamos atolados com os dois diferenciais assentes no chão.

Tínhamos guincho, mas era noite escura e não havia arvores que aguentassem o guincho. Ali ficamos toda a noite em que choveu sempre, como só chove em África.

Ficámos molhados até aos ossos. Com o nascer do dia lá conseguimos uns arbustos mais fortes e a muito custo lá conseguimos fazer chegar o guincho.

Seguimos viagem e á vista do destacamento o pessoal começou a cantar de contentamento por não ter acontecido nada. Fomos tomar o nosso banho, fazer a barba etc e não é que lá pelas 10h00 eu vejo o pessoal, que tinha ido comigo, de catana na mão a capinar?

Fui-lhes perguntar o que aconteceu e disseram-me que tinha sido o Sargento que os mandou de castigo por termos entrado, a cantar, no destacamento. Fiquei furioso e fui saber o motivo.

Resposta do individuo: “Que lindo os militares com um comportamento destes!”

Disse-lhe que as divisas que tinha nos ombros eram para ter a responsabilidade sobre alguns jovens e por isso se eles tinham entrado a cantar foi com minha autorização, e perguntei-lhe se era necessário eu ir capinar. Respondeu-me: “Lá está você”.

- Vou contar a última para não ser maçador.

A determinada altura, um qualquer iluminado lembrou-se que fizéssemos umas lagoas para a criação de um peixe, salvo erro de nome tilápias, (estava na moda) e nós estávamos a executar este projecto.

Natal de 1968. Para comemorar o Natal no dia 24 de Dezembro combinou-se que o jantar à hora normal seria ligeiro e à meia-noite de 24 de Dezembro juntamente com o Administrador e a população civil faríamos a ceia de Natal.

Nós dávamos as batatas e o bacalhau e os civis as sobremesas. Tudo combinado e aceite.

Na hora do rancho, um cabo que tinha acabado de chegar e não sabia do combinado, reclamou do rancho, que era pouco, que não prestava, etc.

O “comandante” berrou com ele, ameaçou, pintou a manta e, claro, sobrou para mim.

Veio ter comigo, quando estava a conversar com um civil, e vociferou, “eu faço, eu aconteço, eu amanhã, dia de Natal, ponho o cabo… a cavar o tanque para as tilápias”, etc.

Veio ao de cima o CACIMBO e saltou-me a tampa. Voltei-me para o ele e disse-lhe que para me dar ordens dessas, só com um tiro.

Ele respondeu-me: “… E dava!”.

Olhei-o nos olhos e disse-lhe que não se esquecesse que estava a ter esta conversa diante de uma pessoa estranha à guerra. Virou costas e foi embora.

Quando passei diante do seu gabinete , ele chamou-me dizendo-me que eu não devia ter-lhe dado aquela resposta diante de um estranho. Retorqui que tinha razão mas ele, “comandante”, não devia ter dito o que disse em frente a essa mesma pessoa.

Se me queria dizer algo tinha-me chamado ao gabinete e conversado comigo.

Só lhe lembrei que, brevemente, iria ser promovido a 2º Sargento Milº.

Estas são algumas das situações e relacionamentos, vividos por aquelas terras de Angola.

Passadas que dêem para reflectir.

Júlio Pinto
2º Sarg Mil da CART 1769 do BART 1926

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

1 comentário:

Santos Oliveira disse...

Pois!!!...
A Guerra e o terrorismo estava mesmo ali ao lado da mesa, dentro do Quartel, na Camarata e até no Comando.
É a Guerra!...

Abraço, do
Santos Oliveira