terça-feira, 31 de agosto de 2010

M251 – C.I.O.E./C.T.O.E. vai ser visitado pelo Sr. Presidente da República - Prof. Dr. Cavaco Silva em 6 de Setembro (2)



O Sr. Presidente da República
Prof. Dr. Cavaco Silva
vai visitar o C.T.O.E.
em 6 de Setembro de 2010 




Espera-se uma grande afluência popular, nomeadamente dos antigos veterano da Unidade.
É em alturas como esta que os ex-militares da Unidade têm a rara oportunidade de demonstrar o seu melhor apreço e estima, que nutrem pelo "seu" C.I.O.E. / C.T.O.E.

COMPAREÇAM!

M250 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - XVI


ATENÇÃO: Esta mensagem é a continuação das mensagens M233 a M244, M246, M248 e M249. Para um correcto seguimento de leitura da sequência da narração, aconselha-se a iniciar na mensagem M234, depois a M235… M236... M237… etc.
 
O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M233 a M244, M246, M248 e M249: Passados estes combates, que tinham revelado uma alteração estratégica da guerrilha, a qual deixara de se dispersar por toda a Província, para se concentrar em determinadas posições perto das fronteiras, reduzindo a táctica de guerrilha e aproximando-se da guerra clássica ou convencional, ficou a descoberto a fragilidade do nosso Exército.
Manuel Godinho Rebocho
2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)
Bissalanca/Guiné
1972 a 1974


III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES
(continuação)


3.2.1.2.1.8 – O Pós Estabilização
Com efeito, a Guerra subiu o patamar de violência e de intensidade. Já não era uma guerra lenta e suave, para provocar desgaste a longo prazo. Com o Estado-Maior incapaz de encontrar uma solução táctica para a nova situação, os Oficiais de carreira a escassearem nas zonas de combate e a política preocupada em satisfazer a classe média, o Exército deixou-se surpreender. O País viu-se confrontado com a realidade que não esperava e a situação que se lhe deparou foi em resumo a seguinte:
As hipóteses de negociação com os Guerrilheiros ficaram fechadas;
Podia então claudicar perante a guerrilha e aceitar a derrota militar;
Podia acompanhar o aumento da intensidade da guerra, para o que teria que proceder a duas reformas de fundo:
Adquirir mais e melhor armamento, porque o que possuíamos era pouco e não tinha capacidade para combater contra as armas do inimigo;
Alterar substancialmente o quadro de Oficiais combatentes: face aos existentes, não quererem combater e perante o facto dos milicianos, que os podem substituir, colocarem condições.
Os estrategas militares revelaram insuficiências, não indo para além da rotina. Não tinham previsto nada e o «jogo» por antecipação, que é o objectivo essencial, falhou.
Enquanto isto, a Força Aérea conseguiu evoluir e minorar as dificuldades criadas pelo míssil Strella, o qual tinha um alcance máximo em altura de 1250 metros; logo, os aviões passaram a voar acima dos 1500 metros. Com esta altura de voo não podia haver apoio ao solo, o que significa que as tropas não podiam ser apoiadas quando fossem atacadas a tiro, embora os bombardeamentos aéreos tivessem sido reiniciados, o que voltou a criar dificuldades à guerrilha que já não podia efectuar bombardeamentos tão prolongados como o fizeram em Gadamael Porto, porque os aviões lhes «levavam» a resposta.
A nova situação proporcionada pelo material recolhido pela CCP 123 no Norte da Província e pela capacidade técnica e empenho dos dois Oficiais da Força Aérea já citados, obrigou a guerrilha a novo compasso de espera, mas a situação de fundo mantinha-se, embora Portugal tivesse mais algum tempo para decidir.
Até ao final do ano de 1973 nada mais de muito significativo, ou de muito violento se registou. Verificou-se, ainda, uma operação delicada na sua execução, mas não violenta na sua acção. O PAIGC celebrava o seu aniversário no dia 4 de Agosto, como memória dos sangrentos acontecimentos do dia 4 de Agosto de 1959, no porto de Pidjiguiti em Bissau. Devido a essa data era sempre temida uma acção violenta sobre Bissau, acção essa que, em 1973, se esperava fosse desencadeada pelo disparo de alguns mísseis Katiuska.
Para impedir o possível bombardeamento a Bissau foi montada uma operação que consistia no patrulhamento dos locais, onde a base de fogos poderia ser instalada.
Com este objectivo foram respectivamente colocadas, no dia 1 de Agosto, em Mansoa a CCP 122 e em Nhacra, a CCP 123. O bombardeamento era esperado na noite de 3 para 4 pelo que, entre os dias 1 e 3, ambas as Companhias, em pequenos grupos, patrulharam toda a zona com o objectivo de detectarem quaisquer movimentos suspeitos. Sem resultados. Foi nomeado Comandante da operação, o Comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá — sempre ele.
Nessa noite de 3 para 4 de Agosto, as duas Companhias dormiram na mata, em bigrupos. O meu bigrupo, comandado pelo Comandante de Companhia, dormiu perto do rio Mansoa, na sua margem esquerda. Os mosquitos eram tantos que nos entravam pela boca e pelo nariz quando respirávamos, mesmo com a rede mosquiteira à volta da cabeça, os mosquitos que a atravessavam entravam-nos para a boca. Cerca das 21 horas e 30 minutos, o Capitão veio falar comigo e disse-me: “o nosso Comandante acaba de me dizer que a Direcção Geral de Segurança (DGS) localizou a zona onde os Guerrilheiros montaram a base de lançamento dos mísseis, tens que lá ir”.
É evidente que eu sabia que o rádio estava ligado para contactos a qualquer momento, sendo por isso natural que o Comandante da operação tivesse falado com o Comandante de Companhia, embora o “tens que lá ir” parecesse uma brincadeira de «mau gosto». Mas não o era.
Da conversa que mantive com o Capitão, em que este me repetia o que Araújo e Sá lhe teria dito, concluía-se o seguinte: os Guerrilheiros estavam numa zona de palhotas dispersas, pelo que não se podia efectuar um bombardeamento prévio à zona. Este tinha de ser eficaz, o que exigia que os Guerrilheiros fossem bombardeados com os obuses de Nhacra, logo que efectuassem o primeiro disparo e o tiro dos nossos obuses tinha de ser certeiro para que, de imediato, impedisse a continuação dos disparos sobre Bissau.
Araújo e Sá decidira então o seguinte: utilizando dois helicópteros, colocavam-se 10 homens na zona onde se encontravam os Guerrilheiros, com a função de orientar o fogo das nossas tropas, o que fariam utilizando um rádio que receberia apoio duma «estação-relais» (1) instalada num avião Fiat G-91, o qual sobrevoaria a zona, a grande altura, durante toda a noite. O Comandante da operação ficava junto dos obuses com outro rádio mais potente e, ouvindo os dados do terreno, orientava o fogo da artilharia. A ideia parecia ajustada à situação e à sua urgência, mas não se percebia porque haveriam os helicópteros de vir à mata buscar-nos, com tantos operacionais em Bissau de onde vinham os aparelhos...
O Capitão disse-me para eu escolher os 9 homens que me haveriam de acompanhar. Tarefa melindrosa. Escolhi 8 dos meus, em função da arma que utilizavam e o enfermeiro do Pelotão, que não formava na minha Secção, mas que era um elemento importante. Tudo certo: frequências de rádio, posição de cada homem, coordenadas do local onde os helicópteros nos haviam de deixar, altura a que os aparelhos deviam estacionar, porque não podiam chegar ao solo por razões de segurança, além de outros pequenos detalhes.
Pedi ao Capitão que fossem exigidas aos Pilotos duas posições de rigor: os helicópteros teriam que estacionar rigorosamente a 3 metros de altura, pela simples razão de que os Pára-Quedistas efectuavam muito treino de salto dessa altura, para o chão. Outras alturas poderiam ser-nos fatais, porque não se via nada, devido à escuridão da noite; o segundo helicóptero teria que deixar o pessoal na posição do primeiro, porque se o pessoal ficasse longe uns dos outros nunca mais nos encontrávamos. Quando já estávamos dentro dos aparelhos o Capitão colocou a mão esquerda sobre o meu joelho direito e disse-me: “por amor de Deus, Rebocho, não ataques, limita-te a cumprires o que acordámos”. Respondi-lhe: “fique descansado que vai tudo correr bem”. E correu.
Ao chegarmos ao local, o Piloto estabilizou o aparelho e fez-me sinal para eu olhar para o altímetro do helicóptero: marcava rigorosamente 3 metros. Mandei saltar e saltei. O segundo aparelho veio para a posição do primeiro. Os homens saltaram e um deles começou a queixar-se, era o Afilhado, tinha-se-lhe deslocado o braço direito, o que não acontecia pela primeira vez. O enfermeiro, 1.º Cabo Filipe, fez o que pode mas não encaixava o braço do Afilhado e disse-me: “não sou capaz, meu Sargento”. E agora? Não podia ficar ali mais tempo, não se via nada, não sabia onde estava, devíamos estar a ser atacados dentro de minutos, tinha que me deslocar porque o barulho dos helicópteros marcou o local onde estávamos, não podia arrastar o Afilhado que estava cheio de dores, mas também não o podia deixar ali sozinho, tinha que lhe dar segurança, mas também tinha de cumprir a missão.
Pensara em dividir-nos, o que constituiria uma das várias e todas más soluções, porque boas não encontrei nenhuma. Chamei os Cabos para me ajudarem a tomar uma decisão que não fosse ao menos a pior, enquanto o Afilhado continuava a tentar encaixar o braço, o qual, na sequência de dois ais mais sonoros, me disse: “já entrou, meu Sargento”. Foi um grande alívio para ele e para todos nós.
Não se provou se houve equívoco da DGS, ou se os Guerrilheiros ao ouvirem o som dos helicópteros perceberam que tinham homens nas suas proximidades e tiveram medo das consequências, o certo é que não houve disparos de mísseis sobre Bissau.
3.2.1.2.1.9 – O Novo Capitão — Norberto Crisante Sousa Bernardes
Em 16 de Outubro de 1973 a Companhia passou a ser comandada por Sousa Bernardes, devido à sua promoção a Capitão. Este Oficial seguiu uma estratégia semelhante à de Araújo e Sá: comandava em liderança e fê-lo através da respectiva cadeia, que bem conhecia. Comandar através dos líderes é muito fácil e qualquer pessoa o percebe e pode repetir, o difícil é integrar essa cadeia, única forma de se poder servir dela. De contrário, os líderes não o respeitariam, mas Sousa Bernardes integrava essa cadeia, e sabia-o bem. Ele era efectivamente um líder por direito próprio.
Como exemplo da estratégia de Sousa Bernardes, refiro que, no dia 3 de Janeiro de 1974, quando caiu um helicóptero na mata do Olossato e foi necessário enviar para o local uma força de Pára-Quedistas, com o máximo de urgência, eu ia a correr enquanto ajustava o equipamento ao corpo e olhava para os «meus» Soldados que estavam a sair das suas instalações. Nesse momento cruzei-me com o Capitão, que me disse: “ó Rebocho não é você que deve ir para a operação?” Respondi-lhe que sim, que era de facto o meu Pelotão que deveria ir, segundo a escala que estávamos seguindo. E Sousa Bernardes ainda me questionaria dizendo: “você considera que eu também devo ir?” Respondi-lhe que não, mantendo a posição que sempre assumira: o Capitão deve executar tantas operações quanto os restantes graduados, pelo que não pode sair com todos os Pelotões. Sousa Bernardes perguntou-me então porque é que eu estava zangado com ele. Não só não estava zangado, como não percebi porquê aquela pergunta, mas o Capitão manteve a sua opinião e disse-me que me conhecia muito bem e sabia que eu estava zangado com ele.
Logo que houve disponibilidade de helicópteros Sousa Bernardes foi para a mata e juntou-se a nós. Ao chegar foi falar comigo para me dizer: “você estava a criticar-me pensando que eu tinha medo, mas já aqui estou convosco”. É natural que Sousa Bernardes tivesse interpretado qualquer gesto meu, como sendo de censura, mas não o era. O facto é que o Comandante de Companhia que conhecia as influências, a que podemos chamar lideranças, não arriscou uma crítica que manchasse a sua imagem e actuou por antecipação. Desta vez precipitou-se, porque eu não o estava a criticar, mas não deixo de reconhecer que, se eu criticasse a operação, Sousa Bernardes sairia incomodado.
Num dos últimos almoços que os homens que integraram esta Companhia realizam todos os anos, desde o fim da Guerra, um deles dizia aos meus filhos, que naquele dia me acompanharam: “havia dois homens na Companhia que nunca davam ordens: o Capitão Sousa Bernardes e o Sargento Rebocho”. É evidente que ambos dávamos ordens, mas fazíamo-lo em sintonia com os líderes, que são os únicos que contestam e, se ninguém contestar, nem se nota a ordem. No entanto, este «formato» de comando só tem sentido e eficácia se o próprio Comandante integrar a cadeia de influências e de lideranças numa posição de relevo, porque se assim não for o princípio não funciona: os líderes, ou seja, os homens com capacidade de influência, raramente aceitam apoiar quem não tem valor, ou quem eles julgam não o ter.
O princípio permitia a Sousa Bernardes comandar através dos Sargentos. Aparentemente, os Sargentos líderes tinham muito poder mas, na realidade, eles só faziam o que o Capitão queria: era um comando de extrema eficiência, que não se notava. Já referi como eu trabalhava com os «meus» Cabos, eram eles que mandavam, mas, no fundo, só no sentido que eu queria. Volto a acentuar este ponto: para se comandar assim, tem que se ser líder, porque de contrário perde-se o comando. Este princípio deveria ter imposto um cuidado muito sério na escolha dos Capitães que iriam comandar Companhias operacionais onde a liderança mais se manifestava. No entanto, esse cuidado não existiu e os Pára-Quedistas tiveram Capitães de valor muito baixo, que originaram grandes conflitos com os Sargentos líderes, com a consequente quebra de rendimentos das unidades que comandaram.
É fácil perceber a lógica de lideranças em estados de guerra. Nestas situações haverá sempre líderes, o seu valor é que pode variar. Se o Capitão perdesse a capacidade de se entender com o Sargento que liderasse todo o grupo, um dos dois teria que abandonar a unidade. Se fosse o Sargento, logo apareceria outro Sargento a liderar e assim sucessivamente. No entanto, o Sargento que substitui na liderança o que saiu, seria sempre inferior a ele, na medida em que, quando estavam ambos, era o outro que liderava. Se o princípio fosse o de afastar os Sargentos, não cessariam os conflitos e reduzir-se-ia a capacidade operacional da Companhia, com o sucessivo abandono dos melhores Sargentos.
Tudo isto era conhecido dos Comandantes de Batalhão os quais, como já referi, apoiavam sempre estes Sargentos e “silenciavam” os Capitães (2). Em combate manda de facto quem sabe e é capaz de o resolver.
Mas os problemas, tornados conflitos, não acabavam aqui, visto que um outro viria a surgir: o que colocava em confronto o Comandante de Batalhão com os Capitães.
De tudo o que desenvolvi até aqui, uma conclusão se poderá já extrair: a patente de Capitão na função de Comandante de Companhia era de grande importância, mas nem sempre os titulares deste cargos estiveram à altura das suas responsabilidades, conflituando para cima e para baixo, o mesmo é dizer com os seus superiores e subordinados. Por fim, quando Marcelo Caetano e os seus Generais quiseram reestruturar a classe de Capitães, apoiaram a revolta que degenerou num Golpe de Estado, coordenado pelos mesmos Generais (3).


NOTAS do texto:


(1) Estação retransmissora móvel.
(2) Foi por este motivo, como na altura se comentou, que o Capitão “silenciou” o incidente com o Sargento Delgadinho Rodrigues. Ver nota 93, página 232.
(3) Refiro-me ao Decreto-Lei n.º 353/73 de 13-07-1973 e aos acontecimentos de 25 de Abril de 1974.
(continua)


Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados


domingo, 29 de agosto de 2010

M249 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - XV


ATENÇÃO: Esta mensagem é a continuação das mensagens M233 a M244, M246 e M248. Para um correcto seguimento de leitura da sequência da narração, aconselha-se a iniciar na mensagem M234, depois a M235… M236... M237… etc.



Manuel Godinho Rebocho2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)
Bissalanca/Guiné
1972 a 1974

O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.


Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M233 a M244, M246 e M248:
III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES
(continuação)

c) Gadamael Porto 


A desgraça de Gadamael, com 34 mortos (1) e 150 feridos, foi efectivamente um acto de guerra, provocado pela acção da guerrilha, mas indiscutivelmente facilitada pela falta de comando e de capacidade de comando. “Spínola irradiara já, por atribuída incompetência, alguns oficiais superiores e capitães das suas funções de comando” (Carvalho, 1977: 65), mas quando a guerra apertou não segurou os fugitivos, que foram à procura da democracia.
O drama de Guileje, de Gadamael Porto e de todos os Destacamentos que durante a Guerra se foram abrindo e fechando ao longo do corredor de Guileje e de todos os caminhos que a ele conduziam era tão antigo como a própria Guerra. Com efeito, este corredor era vital para que a guerrilha alimentasse os seus operacionais que actuavam em todo o Sul da Guiné. A relevância do caminho, conjugada com a proximidade da fronteira com a Guiné Conakry, onde os Guerrilheiros se movimentavam livremente, determinava os constantes ataques de que estes Estacionamentos eram alvo.
Para protecção das tropas foram construídos, em Guileje, vários abrigos subterrâneos com resistência para suportarem o rebentamento de granadas de morteiro 120. Os ataques não eram novidade, como se vê, mas a capacidade de resistência era elevada, devido às condições de defesa que ali tinham sido construídas.
Guileje constituía, assim, uma espécie de lança cravada num corredor vital para a guerrilha. As tropas que ali estivessem seriam sempre, como foram, fortemente massacradas, o que não significa que tivessem muitas baixas, conquanto as condições de vida fossem sempre muito degradantes.
Em Janeiro de 1973, Spínola criou naquela zona um COP com responsabilidades em toda a área compreendida entre o rio Cacine e a fronteira com a Guiné Conakry ver mapa 1, na página 263. Os efectivos militares neste espaço eram os seguintes:
Em Cacine estavam a Companhia de Caçadores n.º 3520 e uma Companhia de Milícias;
Em Gadamael Porto estavam igualmente 2 Companhias: uma de Caçadores, a 4743; e uma de Milícias. E ainda 2 Pelotões independentes: um de Reconhecimento, o 3115; e um de Canhões, o 4174;

Vista parcial do Aquartelamento de Guileje, vendo-se no canto inferior esquerdo da fotografia, a entrada para um abrigo subterrâneo onde estavam inscritas as coordenadas dos pontos mais importantes para a Artilharia.
Fotografia de Carlos Santos

Entrada para um abrigo subterrâneo em Guileje.
Fotografia de Carlos Santos

Abrigo subterrâneo em Guileje. Este abrigo resistia ao rebentamento das granadas de todas as armas de que os Guerrilheiros dispunham. Os abrigos tinham capacidade para instalar cerca de 40 homens.
Fotografia de Carlos Santos

Valas abertas em toda a periferia do Aquartelamento de Guileje, onde os militares se colocavam em posição de defesa para deter eventuais ataques dos Guerrilheiros. Estas valas estendiam-se até à entrada dos abrigos subterrâneos.
Fotografia de Carlos Santos
Em Guileje estava uma Companhia de Cavalaria, a 8350; um Pelotão de Artilharia, um Pelotão de Milícias e uma Secção de auto-metralhadoras Fox (EME, B, 3.º e 7.º Volumes, 1988. Os elementos constantes nestas publicações foram corrigidos a partir de erratas publicadas posteriormente em EME, 2002).
Por mais que o queira evitar, não é possível deixar de reconhecer a extrema debilidade de organização e comando que tinham estas tropas. Para um efectivo de cinco Companhias, quatro Pelotões independentes e mais uma Secção; ou seja, para seis Companhias, o que corresponde a um efectivo de um Batalhão reforçado, existia apenas um Oficial de carreira, Major Alexandre Costa Coutinho e Lima.
Mas estes quadros existiam, só que estavam no «conforto» de Bissau, com as mulheres e os filhos. Ouvimos, no nosso dia-a-dia, muitos militares dizerem que estiveram na Guiné, mas falta sempre saber onde é que de facto estiveram. Os Soldados e os Milicianos estiveram na guerra, mas os Oficiais de carreira foi como se vê – estiveram em África – o que não é a mesma coisa, nem pode ter o mesmo significado.
Contrariamente aos outros COP’s que estavam colocados em locais mais recuados, das frentes de combate, este tinha a sua sede em Guileje, no ponto mais agudo de toda a área por ele controlada. Ao aprofundar a razão para tão estranha táctica, fui informado pelo então Comandante do COP, Coronel Alexandre Coutinho e Lima, que fora Spínola quem lhe ordenara que se instalasse em Guileje, reconhecendo o próprio Coutinho e Lima, que se tinha tratado de um erro, cuja motivação tinha por base um «castigo», já que o então Major Coutinho e Lima se teria desentendido com o Coronel que na altura o comandava (2).
Mas o Major “responde” a Spínola com igual agressividade e determina a retirada de Guileje de todas as peças de Artilharia que guarneciam este Destacamento. Sem estas armas, que asseguravam a sua defesa, Guileje ficou totalmente exposto aos ataques da Guerrilha. Tanto mais que estávamos num momento em que a aviação praticamente não levantava, sobretudo para aquela região, onde, como se disse, fora abatido o primeiro avião.
Ao longo das múltiplas entrevistas que mantive com elevado número de militares que estiveram em Guileje Oficiais e Furriéis milicianos e Praças pude formar a convicção de que estas peças de Artilharia, manuseadas com uma eficiência superior, por dois Oficiais milicianos, garantiam total segurança a Guileje segundo um princípio de “toma lá dá cá”, ou seja, se os Guerrilheiros atacavam Guileje, os referidos dois Oficiais milicianos colocavam algumas granadas da sua Artilharia, na base de Candiafara, situada na República da Guiné Conakry, com o que faziam “calar” o ataque. Situação que se prolongou por oito meses. 


Peça de Artilharia 11,4 instalada no Aquartelamento de Guileje. Vendo-se ainda parte do Destacamento.
Fotografia de Carlos Santos
Peça de Artilharia 11,4 instalada no Aquartelamento de Guileje direccionada para Candiafara, cujos Guerrilheiros colocava em respeito.
Fotografia de Carlos Santos
A perícia e valor destes dois Oficiais milicianos, o próprio Comandante da Companhia Capitão miliciano Abel dos Santos Quelhas Quintas e o Alferes de Artilharia não só calava os ataques da Guerrilha, como assegurava protecção às tropas quando patrulhavam a zona até à fronteira e quando acompanhavam as colunas de abastecimento ou iam à água. Com a retirada das peças de Artilharia veia a derrocada.

Poço onde a Companhia colocada em Guileje se abastecia de água. Nos primeiros meses de 1973 as deslocações ao poço eram tranquilas, como se vê. Deslocações que pouco depois se tornaram proibitivas.
Fotografia de José Carvalho


Peça de Artilharia 11,4 que, depois de retirada de Guileje, permanecia mais ou menos abandonada em Gadamael.
Fotografia de José Carvalho


Morteiro 10,7 em Guileje. Como se vê, está colocado num buraco guarnecido em alvenaria. A proximidade da porta do abrigo revela-nos o quanto a segurança deste Destacamento foi devidamente concebida e preparada. Em volta do espaldão vêem-se referências úteis para direccionar as granadas.
Fotografia de José Carvalho


Vista parcial do Aquartelamento de Guileje, onde o General Spínola se deslocara em visita de inspecção. A maior das amarguras pode trazer um rasgo de felicidade, quando a criatividade a isso nos conduzir. Os homens de Guileje tiveram vontade e gosto para construir um “tapete”, com garrafas de cerveja, desde o bar até ao heliporto.
Fotografia de Carlos Santos


O General Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, noutro ponto da sua visita de inspecção ao aquartelamento de Guileje, tendo à sua direita o Major Coutinho e Lima e à sua esquerda o Capitão Quelhas Quintas.
Fotografia de Carlos Santos
Nesta sua inspecção a Guileje, em 10 de Maio de 1973, cuja presença de Coutinho e Lima, Spínola impusera, o Comandante-chefe garantiu aos homens de Guileje que não lhe faltaria com o apoio, garantia que, tudo o indica, não os convenceu. Mas Spínola cumpriu a sua palavra, só que não lhe deram tempo, como se verá a seguir.
A 19 de Maio a guerrilha bombardeou Guileje, que já não pode responder por falta das peças de Artilharia (3), e o Major pediu para ir a Bissau, o que não lhe permitiram, partindo então no dia seguinte para Cacine, e assim ir a Bissau. Coutinho Lima regressou a Cacine a 21 de Maio, dia em que a guerrilha efectuaria novo e violento ataque a Guileje. Não houve vítimas, graças aos resistentes abrigos subterrâneos, “mas as condições de vida no interior do aquartelamento eram difíceis: a população fugiu da mata, refugiou-se no quartel e os abrigos estavam à pinha” (Catarino, 22/12/2002).
A frase que transcrevo, ou o facto que ela relata, revela um total desconhecimento da realidade, por parte de quem comandava aquela tropa. Como referi, nas situações de Cadique e de Caboxanque, as populações não eram atacadas pela guerrilha, desde logo, não havia a mínima justificação para que procurassem refúgio no quartel.
Não custa a crer que a população participou de uma manobra da própria guerra: os Guerrilheiros sabiam qual o resultado dos abrigos sobrelotados, eles próprios tinham abrigos para se defenderem dos ataques da nossa aviação e terão sido eles mesmos a mandar a população para o Aquartelamento, certamente porque já conheciam a lógica do comando. Estive, uma vez, num abrigo durante um ataque e embora estivéssemos lá poucos homens, rapidamente começou a faltar o ar para se poder respirar.
Nestes casos, não há conhecimentos técnicos, nem valor humano, que nos valham: aqui conta a experiência, que só se obtém com a rotina ou, como diz o povo, «com o traquejo». Inequivocamente, a elite só existe de facto e com capacidade para enfrentar as grandes dificuldades, quando se encontra a bons níveis dos três pressupostos iniciais: técnico-táctica, qualidades pessoais e experiência.
Em 21 de Maio, Coutinho e Lima encontrou-se com Spínola, em Bissau. Segundo o próprio, o encontro decorreu no Gabinete de Spínola, mas segundo outras fontes, que admito estejam erradas, o encontro deu-se no Clube de Oficiais. Fosse onde fosse, Spínola ordenou a Coutinho e Lima que regressasse a Guileje, mas na condição de Segundo Comandante do COP, para cujo Comando ia nomear, como nomeou, um Coronel, nomeação que recaiu sobre o Coronel Pára-Quedista Rafael Ferreira Durão.
Segundo Coutinho e Lima “foram-me levar de avião até Cacine, fui depois de barco até Gadamael e daqui, a pé até Guileje” (4) numa extensão de 19 km, onde chegou já de noite. De Gadamael para Guileje, o Major foi acompanhado por dois Pelotões da Companhia que estava sedeada em Gadamael, sob o comando do respectivo Comandante de Companhia, um Capitão miliciano.
Compreende-se o estado de espírito de Coutinho e Lima que se sentia humilhado por Spínola, quando lhe impôs que se mantivesse em Guileje, que constituía um tipo de Aquartelamento onde não havia qualquer Oficial de carreira. Assim, às primeiras horas do dia seguinte, 22 de Maio de 1973, o Major Coutinho e Lima decidiu abandonar o quartel, o que aconteceu cerca das 6 horas da manhã. Em Guileje ficou tudo o que os militares não puderam carregar às suas “costas”, pois o abandono foi efectuado a pé ao longo dos 19 km que separam Guileje de Gadamael. Além dos militares, cerca de 200, também a população, 317 pessoas, incluindo crianças e idosos, efectuaram este mesmo percurso. Refira-se que além de muitos bens pessoais, tanto de militares como de civis, ficaram no terreno um camião Mercedes, quatro berliets, três unimogs 404, um unimog 411, um veículo de Cavalaria Fox, dois Whites e diverso armamento pesado e ligeiro.

Picada Guileje-Gadamael, numa extensão de cerca de 19 km.
Fotografia de Carlos Santos

Os militares de Guileje, cerca de 200, preparam-se para abandonar o Destacamento, na manhã do dia 22 de Maio de 1973.
Fotografia de Carlos Santos

Militares e populares, estes em número de 317, abandonando Guileje transportando os seus haveres. Que podem e como podem.
Fotografia de Carlos Santos

Caminhando pelo trilho da população, que os levará a Gadamael, os militares portugueses olham nostálgicos, para o seguro aquartelamento de Guileje, parecendo eivados de premunição sobre a “tragédia” que os esperava no fim do trilho.
Fotografia de Carlos Santos

Os mesmos portugueses (militares e civis) que tinham abandonado Guileje, fugiram de Gadamael, na sequência dos fortes bombardeamentos a este Destacamento, no dia 30 de Maio de 1973. Dispersos pelo tarrafo, deste braço do rio Cacine, suplicavam socorro, que lhe foi prestado pela Marinha, em cumprimento de instruções que lhe foram dadas pelo Comandante do Subsector de Cacine, Capitão de Cavalaria Manuel Soares Monge, e impostas pelo Capitão Pára-Quedista Sousa Bernardes ao Comandante da LDM, que hesitava no seu cumprimento. Muito se tem especulado sobre quem decidiu esta evacuação, ou este apoio, mas os factos, comprovados por mim, que a eles assisti, aqui ficam.
Fotografia de Delgadinho Rodrigues
O comportamento de Coutinho Lima sugere-me a seguinte frase «vou-me embora que isto não é meu; venha para cá, quem para cá me mandou». No entanto, esta atitude, mal ponderada, trouxe consequências gravíssimas: o efectivo militar em Gadamael, para onde se retiraram os militares de Guileje, aumentou assustadoramente. Neste aquartelamento havia apenas um abrigo com resistência à granada do morteiro 120, não havendo quaisquer outros abrigos para protecção do pessoal. Os Guerrilheiros podiam, agora, transferir as suas bases de fogos para atacarem Gadamael, passaram a estar muito mais seguros sem o ataque da Artilharia de Guileje, além de se ter perdido um dos pontos para referenciar os locais onde as bases guerrilheiras se encontravam.
Para além destas questões de natureza técnica, havia o incentivo ao bombardeamento de Gadamael e outros aconteceriam sucessivamente se as tropas continuassem a recuar. O recuo militar não é uma derrota, nem um erro, desde que seja ponderado, ajustado à situação e a manobra futura devidamente acautelada. Nada disto aconteceu e os resultados foram 34 mortos e 150 feridos. Mais uma vez o comando militar não esteve à altura dos acontecimentos: os factos não são motivo de orgulho profissional do nosso corpo de elites. Neste caso parece que faltou tudo: técnica, capacidade pessoal e experiência, mas estávamos em Guerra havia 13 anos, então, faltou também doutrina de gestão de pessoal.

A população de Guileje, não sendo aceite pela população de Gadamael, por serem chãos diferentes (no sentido de etnias) embarcou num navio Patrulha (depois de recuperados pela LDM) que a levaria para Bissau, onde desembarcou.
Fotografia de Delgadinho Rodrigues
A posição de Coutinho e Lima não tem, nem pode ter, a mínima justificação no campo militar. Compreende-se o seu estado de espírito, que terá motivado tão invulgar decisão, porquanto, se nenhum outro Oficial de carreira estava colocado a sul do rio Cacine, por que razão haveria ele de lá estar? Naturalmente que Coutinho e Lima, não previu o desastre que a sua atitude iria provocar, desde logo, não pode ser condenada no campo da moral, conquanto a especulação sobre a doutrina militar seja legítima.
Em várias reportagens sobre o assunto, os homens que estiveram em Guileje queixam-se de não terem sido apoiados pelas tropas especiais. Têm razão, mas não toda, pois já vimos que estas tropas estavam empenhadas noutros locais que o Comando Chefe considerou prioritários e talvez o fossem.
Numa “corrida contra o tempo”, mas, seguramente a tempo, em 21 de Maio de 1973, ao mandar Coutinho e Lima de volta para Guileje, Spínola ordenou que uma LDG navegasse para Cadique onde deveria embarcar a CCP 123, transportando-a para Gadamael, de onde seguiria a pé para Guileje. Simultaneamente, ordena à CCP123 que prepare o embarque e a consequente deslocação. Dois dos Pelotões de combate desta Companhia, o 2.º e o 4.º, formando bigrupo, sob o comando do Tenente Sousa Bernardes, estavam nesse dia deslocados em Jemberém. Este bigrupo recebeu então ordens para se deslocar para Cadique, o que fez durante a noite de 21 para 22 de Maio. Com esta ordem Spínola cumpria a promessa que fizera aos homens de Guileje de que os não abandonaria.
Nessa manhã de 22 de Maio de 1973, com meia CCP 123 já embarcada, na referida LDG, recebeu-se a informação de que Guileje fora abandonado, não se justificando então, segundo o Estado-Maior, por fora de tempo, qualquer apoio a Guileje, e o embarque foi interrompido e pouco depois anulado, continuando a Companhia de Páras em Cadique.
Pela extrema delicadeza desta ocorrência táctica, não escrevi os dois parágrafos anteriores sem que antes os confirmasse com diversos militares que estiveram envolvidos na acção, já que os meus apontamentos e a minha memória só fazem prova perante mim próprio. Importa então tecer as seguintes considerações:
Coutinho e Lima garante que não fora informado, por Spínola, da transferência da Companhia de Pára-Quedistas para Guileje. Esta não informação, cuja veracidade não se pode confirmar, mas que aceito, face aos muitos diálogos que mantive sobre a mesma, revela o que venho acentuando, uma manifesta desarticulação do Estado-Maior.
A suspensão do embarque revela uma confrangedora imaturidade de combate do Estado-Maior, já que, seguramente, nenhum livro de táctica afirma que os Guerrilheiros iriam atacar Gadamael após o abandono de Guileje, isso teria que ser intuído pelo Estado-Maior, para o que era imprescindível a consequente experiência de combate e do comportamento da Guerrilha, o que devido à doutrina de retirada dos Oficiais do QP das zonas de combate, não lhe permitiu possuírem.
Sem qualquer pressão das nossas tropas os Guerrilheiros deslocaram as bases de fogos, das posições de ataque a Guileje e instalaram-nas de modo a atacar Gadamael.
Em 31 de Maio de 1973, os Guerrilheiros do PAIGC lançaram sobre Gadamael um ataque devastador que causou pesadas baixas e grandes destruições no Aquartelamento, ou seja, deslocaram as suas bases de fogos o suficiente para atingirem o quartel que se seguia ao de Guileje. Se não fossem travados, executariam então o tal ataque em «tenaz» ou em «pinça» mas, como foram travados pelos Pára-Quedistas, ficaram-se pelo «alicate». A CCP 122, que se encontrava no seu Aquartelamento em Bissau seguiu de barco para Gadamael onde chegou no dia 3 de Junho. A CCP 123, que continuava em Cadique seguiu também para Gadamael Porto, na madrugada do dia 2 de Junho, a bordo do navio Patrulha Orion.
A meio da tarde, já no rio Cacine, quando passávamos junto ao cais da povoação com o mesmo nome, o Comandante do navio pediu ordens para as manobras de desembarque. Foi então que o Comando Chefe mandou suspender a manobra. Assisti ocasionalmente, à conversa entre o Comandante do navio e o Comandante da Companhia de Pára-Quedistas, já que estava junto deste último naquele momento.
Perante a continuação dos ataques a Gadamael, Spínola decidiu ir buscar o seu «amigo» Rafael Durão, que para ali mandara já depois de terminada a comissão. Foi o próprio Major-General quem me disse, com toda a riqueza de pormenores (5): “o Spínola disse-me, via rádio, venha para a parada que eu vou aí buscá-lo” e foi, contra a vontade de Durão, que considerou a aterragem do helicóptero um enorme perigo, mas Spínola era useiro a fazer este tipo de coisas. Mais uma vez, o risco foi excessivo e desnecessário, mas Spínola só fazia movimentar os helicópteros para o transportarem a ele próprio. A isto, chama-se quebra da cadeia de comando que, quando acontece, o Exército desmorona-se, como aconteceu.
Conjugando a conversa do Comandante do navio, no dia 2 de Junho de 1973, com a entrevista a Rafael Durão, conclui-se que, após a saída deste último, o pessoal que estava em Gadamael abandonou o Estacionamento e dispersou na mata. O Comando Chefe ficou indeciso sobre que atitude tomar, fazendo uma pausa para recolher melhores informações e determinando depois que o barco voltasse para trás e esperasse, já em pleno mar, por novas ordens.
Cerca da meia-noite foram emitidas novas instruções, segundo as quais a CCP 123 desembarcaria não em Gadamael, mas em Cacine. Compreende-se a manobra, que estava aliás correcta: havia falta de comando, mas nem sempre, também havia gente de muito valor. A questão era simples e o Comando Chefe «jogou» pela antecipação, ou seja, se a fuga de Guileje levou os bombardeamentos para Gadamael, então a fuga de Gadamael levaria os bombardeamentos para Cacine. Neste caso, ia-se já patrulhar a zona de Cacine enquanto Gadamael ficaria a aguardar. 


Vista geral do Aquartelamento de Gadamael antes dos ataques dos últimos dias de Maio e primeiros de Junho de 1973.
Fotografia de Carlos Santos
Contudo, o abandono de Gadamael não foi total, houve quem permanecesse no aquartelamento. Sem a certeza de rigor na afirmação, mas o que consta, é que os Pára-Quedistas quando ali chegaram apenas viram um Alferes miliciano, um Furriel miliciano e algumas Praças. Como o Destacamento não estava totalmente abandonado, a CCP 122 continuou a sua marcha e desembarcou mesmo no seu destino, no dia 3 de Junho e, com ela, o novo Comandante do COP 5, o Major Pára-Quedista António Valério Mascarenhas Pessoa. No entanto, “a sua presença em Gadamael foi, porém, efémera, pois cedendo à tensão nervosa teve de ser substituído” (CTP, Vol. IV, 1987: 224).

Operação de descarga de produtos, em Maio de 1973, no porto de Gadamael. Os rios constituíram sempre a melhor via para a circulação dos abastecimentos na Guiné, sobretudo nas regiões do sul.
Fotografia de José Carvalho


Neste edifício funcionava o centro de comunicações de Gadamael. Este edifício é o mesmo que está ao cimo e ao centro da fotografia anterior. Como se verifica desapareceu todo o telhado, o que ficou a dever-se ao rebentamento de uma granada, que provocou ainda a destruição de toda a aparelhagem e neutralizou as comunicações de e para Gadamael.
Fotografia de Delgadinho Rodrigues 


Efeitos do rebentamento de uma granada sobre a arrecadação dos géneros alimentícios da Companhia do Exército que estava colocada em Gadamael.
Fotografia de Costa Ferreira
Sobre este assunto e sobre Mascarenhas Pessoa, escreve o Tenente-Coronel Mensurado: “foi-lhe movido um auto de averiguações por cobardia, pelo seu comportamento em Gadamael, em que chegara a entrar em pânico, (...) Nessa altura, escreveu-me uma carta do hospital, do serviço de psiquiatria onde estava internado, sob a protecção médica, pedindo-me perdão e dizendo, entre outras coisas, que não teria nascido para militar, que estava completamente desmoralizado e que quereria ser professor de história” (Mensurado, 1993: 151). A ser assim, é o próprio Pessoa que coloca o «assento tónico» na vocação, que reconheceu não possuir. A sua vocação seria para Professor de História, mas foi para a tropa e os efeitos negativos ficaram à vista.
Mensurado também afirma, referindo-se a Mascarenhas Pessoa: “em 1965, o ainda Capitão tinha tido um comportamento operacional muito condenável, em Moçambique, no comando de uma companhia, quando, numa operação, no norte da província, mandara enterrar três páras abatidos em combate, na própria zona de operações. Fora mesmo necessário obrigá-lo a voltar para trás, à zona de acção, para recuperar da terra os corpos dos páras (...) Em 1969 no leste de Angola, no comando de outra companhia, por ter tido uma baixa numa operação, retrocedera com um grupo de combate para evacuar o ferido, e deixando a missão para os outros elementos da companhia” (Mensurado, 1993: 150).

Outra área de Gadamael onde se podem observar os efeitos dos rebentamentos das granadas, tanto nos telhados como no chão, disparadas pelos guerrilheiros.
Fotografia de Delgadinho Rodrigues
Esta última afirmação foi-me confirmada pelo Tenente-Coronel Pára-Quedista Melo de Carvalho (6), o qual, como Tenente, seguia nessa mesma operação que continuou depois sob o seu próprio comando.
De facto, havia pessoas no desempenho de funções bem acima das suas capacidades. Porém, e não obstante tudo isto, o Major Pessoa foi eleito delegado dos Oficiais Pára-Quedistas no Movimento das Forças Armadas, o que não pode deixar de significar que tinha seguidores no interior da sua classe e que o seu comportamento não seria tão singular quanto Mensurado o pretende fazer crer. Tanto mais, que embora com este passado, evoluiu normalmente na sua carreira e chegou a Coronel, o que Mensurado, um operacional de valor, não conseguiu.
Foi o Tenente-Coronel Pára-Quedista, Comandante do BCP 12, Araújo e Sá, também Comandante do COP 4 que, em 5 de Junho, recebeu ordem para se deslocar para Gadamael a fim de assumir o comando do COP 5. Nesse mesmo dia 5 de Junho o novo Comandante procedeu a um imediato estudo da situação, tendo em vista a reorganização das tropas aquarteladas em Gadamael e o estabelecimento de um plano de acção que contrariasse a manobra do inimigo.
“O comandante do COP 5, dando início à operação «Dinossauro Preto» e face à melindrosa situação em que se encontravam as forças sob o seu comando, não perdeu tempo em estabelecer um plano de manobra que se revelou extremamente profícuo. Ordenou a abertura de valas, a construção de abrigos e dispersou as suas tropas pelo perímetro defensivo do Aquartelamento, ocupando, também, toda a periferia dos reordenamentos” (CTP, Vol. IV, 1987: 224). Esta decisão de Araújo e Sá, relativamente a colocar as tropas junto das populações que o Exército tinha concentrado, a que se chamou reordenamentos, está absolutamente em concordância com a lógica da Guerra de África, já que era conhecido que a guerrilha não bombardeava uma posição militar que estivesse junto da população, porque um pequeno erro levaria a granada para cima das palhotas, onde viviam os familiares dos próprios Guerrilheiros.
Estes conhecimentos sobre a atitude da guerrilha, parecendo primários, não estiveram disponíveis em Guileje, a não ser que se queira assumir que houve intencionalidade quando se abriram os abrigos à população. Intencionalidade que aqui não assumo, mas não se pode rejeitar a existência de um inadmissível erro de comando. Estes comportamentos não se aprendem nas salas de aulas, tanto mais que cada etnia tinha o seu próprio comportamento; logo, só com a vivência se poderia aprender ou seja, através da experiência. Para além do conhecimento que o comando tem que ter da população, também é importante o conhecimento que os líderes da população e da guerrilha têm da capacidade e das atitudes possíveis desse Comandante.
Quanto é importante o valor humano na guerra de guerrilha! Basta ver o que um só Tenente-Coronel Pára-Quedista influenciou o rumo dos acontecimentos. É certo, e não o pretendo ignorar, que estiveram em presença muitas e valiosas tropas, mas também se tem que observar que não foi por acaso que, estando colocados na Guiné dezenas de Tenentes-Coronéis e Coronéis, Araújo e Sá, transite, com urgência, do COP 4 para o COP 5, continuando a comandar o BCP 12.
Por todos os feitos na Guiné, o Tenente-Coronel Pára-Quedista Sílvio Jorge Rendeiro de Araújo e Sá, foi condecorado com a medalha normalmente atribuída aos chefes de repartição. Foi preterido e sucessivamente ultrapassado na promoção a Coronel, por Oficiais de currículo muito inferior. Triste e magoado, humilhado pelo seu povo, contra quem nunca virou as suas tropas, nem utilizou a sua extraordinária competência, passou à reforma extraordinária em 23 de Julho de 1979.

NOTAS do texto:

(1) No artigo “Os Anos da Guerra Colonial”, publicado no Jornal 24 Horas fascículo 26, de 2002/12/22, diz-se que houve 24 mortos, mas também se afirma que “as primeiras descargas da artilharia fizeram 20 mortos”. Falta então considerar os 10 homens que, ao retirarem para a mata, foram mortos e cortados aos bocados, cujos restos mortais (os possíveis) foram recolhidos pela CCP 122. Não há completa unanimidade sobre estes números, os homens da Companhia que viera de Guileje sustentam que eram só seis, contudo, reconhecem que não lhes foi autorizado aproximarem-se da viatura onde estavam colocado os restos mortais, que foi possível recolher.
(2) Em entrevista, no âmbito da presente obra, no dia 4 de Junho de 2005.
(3) Questionei Coutinho e Lima sobre a razão que o levara a mandar retirar as Peças de Artilharia. Este respondeu-me que foi por falta de granadas, o que não corresponde à verdade, pois confirmei, com várias fontes, que havia cerca de 400 granadas.
(4) Em entrevista para a presente obra, em 4 de Junho de 2005, na cidade da Tocha.
(5) Em entrevista, no dia 05/03/2002, no âmbito da presente investigação.
(6) Em entrevista, no dia 14/05/2002, no âmbito da presente investigação.

(continua)
Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

sábado, 28 de agosto de 2010

M248 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - XIV


ATENÇÃO: Esta mensagem é a continuação das mensagens M233 a M244 e M246. Para um correcto seguimento de leitura da sequência da narração, aconselha-se a iniciar na mensagem M234, depois a M235… M236... M237… etc.
Manuel Godinho Rebocho2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)Bissalanca/Guiné1972 a 1974
O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M233 a M244 e M246:

III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES
(continuação)


b) Guidaje
A situação na zona de Bigene, onde tinham caído os três aviões, deteriora-se, e com ela a organização do Exército inicia o seu desmembramento, lento, mas contínuo, devido à ausência dos Oficiais de carreira. Para lá seguiu a CCP 121, no dia 17 de Maio, a bordo de uma LDG até Ganturé.
A esta Companhia foi atribuída a missão de estabelecer e garantir a segurança de um corredor entre Bigene e Neneco. O PAIGC tinha lançado poderosos ataques contra as guarnições dos Aquartelamentos portugueses localizados junto à fronteira Norte, particularmente sobre Guidaje, nos primeiros dias do mês de Maio. Em retaliação, o Comando-Chefe ordenou o lançamento da operação «Ametista Real», mal concebida e pior executada, contra a base guerrilheira de Cumbamori, localizada no interior do Senegal, donde irradiavam os homens do PAIGC e onde estavam posicionadas as suas principais armas pesadas. Esta missão foi atribuída ao Batalhão de Comandos Africanos, enquanto que à CCP 121 competia estabelecer e manter aberto um corredor entre Bigene e a fronteira, para acções a desenvolver em apoio das forças atacantes.
Entretanto, a situação vivida pela guarnição do Aquartelamento de Guidaje era muito grave, pois as reservas de víveres e de munições estavam praticamente esgotadas. Uma coluna auto de reabastecimento, saída de Farim, no dia 8 de Maio foi emboscada pelo inimigo, não conseguindo alcançar Guidaje; as viaturas foram incendiadas, pela nossa aviação, sofrendo as tropas portuguesas elevado número de baixas (4 mortos e 20 feridos). Poucos dias depois, a 22 de Maio, uma nova coluna auto, desta vez formada em Binta e escoltada por forças de Fuzileiros, foi também atacada e teve de retroceder com mortos e feridos. A guarnição de Guidaje, esgotados todos os alimentos, apenas conseguia sobreviver à custa de algum arroz fornecido pelas populações nativas. O reabastecimento por via aérea também não era possível, pois os aviões mantinham-se em situação de actividade reduzida, devido à situação recentemente criada pelos mísseis antiaéreos Strella.
No dia 23 de Maio foi organizada, em Binta, outra coluna auto para mais uma tentativa de reabastecimento de Guidaje. A protecção da coluna foi confiada aos Pára-Quedistas, que entretanto se tinham deslocado para Binta, e a forças de Fuzileiros Especiais também eles estacionados em Binta. Pelas 06H00 desse mesmo dia, os homens da CCP 121 iniciaram a sua marcha apeada actuando como guarda avançada; a coluna-auto sairia mais tarde, escoltada pelos Fuzileiros em guarda de flanco e precedida pelos «picadores» do Exército que tinham por missão detectar as minas implantadas no itinerário.
Cerca das 8 horas, a CCP 121 atingiu Genicó, prosseguindo depois em direcção a Cufeu. Entretanto, a coluna auto regressou ao ponto de partida devido às várias baixas entre os «picadores» impedindo a coluna de prosseguir, ficando assim adiado, uma vez mais, o reabastecimento de Guidaje. A CCP 121 recebeu ordem para prosseguir a marcha; pelas 16 horas e 30 minutos atingiu as imediações de Cufeu, zona onde tinham sido emboscadas as colunas protegidas por forças do Exército e dos Fuzileiros nas duas anteriores tentativas de reabastecimento de Guidaje. A zona dispunha de características óptimas para a montagem de emboscadas; dezenas de morros de baga-baga forneciam uma protecção perfeita, escondendo o inimigo da observação das nossas tropas (CTP, Vol. IV: 218).

A difícil passagem da bolanha de Cufeu, no itinerário Binta – Guidaje.
Fotografia de Albano M. Costa
É precisamente neste ponto e neste procedimento que começam as minhas contestações à maneira como decorreu esta operação. Com efeito, revelam os documentos oficiais que as imediações de Cufeu reuniam todas as condições para violentas emboscadas às nossas tropas. Sendo assim, coloca-se a interrogação: porque é que não foi aquela área bombardeada pela nossa Artilharia, ou não foram ali lançadas umas bombas de avião, antes das tropas lá entrarem? Ninguém consegue explicar esta monumental falha táctica. Mas deviam ser assumidas responsabilidades pelos erros cometidos.
“Os Pára-Quedistas, avisados dos perigos que poderiam correr durante a travessia da zona, redobraram de cuidados” (CTP, Vol. IV: 218). E o primeiro cuidado que parece que tomaram foi passarem para a frente da coluna o Pelotão que era comandado por um Primeiro-Sargento, António Maria Dâmaso, enquanto o Pelotão comandado por um Tenente da Academia seguia no último e confortável lugar. No meio seguiam os outros dois Pelotões comandados por Alferes Milicianos. “Tudo parecia calmo” (CTP, Vol. IV: 218), mas não estava, e os Oficiais que comandavam as tropas tinham obrigação de o saber. “Porém, emboscados no local, cerca de 70 homens do PAIGC aguardavam a passagem das nossas tropas” (CTP, Vol. IV: 218). Como era evidente, e a experiência das duas anteriores colunas a outra certeza não poderia conduzir. Uma infantilidade ou uma falta de valor, que a Academia Militar não soube ou não pôde atribuir.
“Os primeiros militares da CCP 121 ao entrarem na «zona de morte» pressentiram o inimigo, mas já era tarde; fazendo largo uso de armas pesadas, com saliência para os RPG’s-2, RPG’s-7 e canhões S/R, os Guerrilheiros causaram, de imediato, várias baixas às nossas tropas (CTP, Vol. IV: 218 e 220). Não foi bem assim, o que significa algum ficcionamento dos cronistas militares. Com efeito, morreram ali os Soldados Pára-Quedistas Manuel da Silva Peixoto (manteve-se vivo seis horas), que era o primeiro da coluna; José de Jesus Lourenço, que era o segundo da coluna; e António das Neves Victoriano, que era o quinto da coluna. Devido aos graves ferimento, por acção de uma granada, veio a falecer sete dias depois o Soldado Pára-Quedista António Jorge Botelho do Amaral Melo.
Porém, os três Soldados que ali morreram foram atingidos por tiros, não por acção de granadas, como sugerem os documentos oficiais: o Peixoto foi atingido quando procurava desencravar a sua metralhadora, não foi um tiro de “abertura de fogo”; o Lourenço foi atingido, com um tiro no pescoço, quando estava a tentar retirar o Peixoto da “zona de morte”; o Victoriano foi atingido quando procurava apoiar, por fogo de morteiro 60, os seus camaradas feridos. E os Oficiais, Senhor? Manobraram tacticamente? Não! Esperaram que tudo se resolvesse, como sempre fizeram. O pobre do Dâmaso que se “desenrascasse”. Como fez.
Fica uma pergunta, perfeitamente ajustável ao tema em investigação: se no lugar dos três Oficiais Pára-Quedistas, da Academia, envolvidos na operação, estivessem três Oficiais Milicianos, alguma coisa teria acontecido de pior? Duvido. Mas já não duvido que, se neste lugar estivessem os três Alferes milicianos da minha Companhia, eles teriam resolvido esta operação com toda a naturalidade. Aqui houve e tão só, uma grosseira falha humana.
Como fica evidenciado e bem, os combates eram sempre com os primeiros três ou cinco homens da coluna, em que o terceiro, como foi o caso, era sempre o Sargento. Foi com base neste sistema de actuação, que os Pára-Quedistas foram “grandes” em África. E no futuro?
“Apesar da pronta reacção dos Pára-Quedistas, os Guerrilheiros não abrandaram o seu ataque. O combate prosseguia violento quando surgiram na zona 2 aviões Fiat G-91. O Comandante de Companhia entrou em contacto rádio com o chefe da esquadrilha indicando-lhe a posição das suas tropas; o inimigo estava tão perto dos Pára-Quedistas que os Pilotos hesitaram antes de lançarem o seu ataque” (CTP, Vol. IV: 220). Não foi bem assim, ou não foi nada assim. Mas já se percebeu.
Os três jovens Pára-Quedistas, que ali morreram, foram enterrados de “corpo à terra” junto ao Aquartelamento de Guidaje, no que terá sido muito provavelmente, o acto mais “indecoroso” de quantos praticados na Guerra de África, pelas Tropas Pára-Quedistas. E tanto mais assim é, quanto o lema destas Tropas, em todo o mundo ocidental, assegura que “nenhum homem fica para trás”. E estes ficaram.
“O aquartelamento de Guidaje, já semi-destruído, era atacado diariamente pelos Guerrilheiros que flagelavam as suas instalações com centenas de granadas de morteiro, canhão S/R e LGF. Lado a lado, vivendo em profundos abrigos, militares Pára-Quedistas, Fuzileiros e do Exército, aguardavam os reabastecimentos que tardavam em chegar; a enfermaria já não dispunha de medicamentos; as evacuações de mortos, feridos e doentes não eram feitas devido à falta de meios aéreos e ao bloqueamento das vias terrestres pelo inimigo. Na noite de 25 de Maio os Guerrilheiros atingiram, com uma granada, um paiolim da nossa artilharia onde se encontravam alguns soldados do Exército; a sua explosão provocou vários mortos (quatro) e feridos (1).

Aquartelamento de Guidaje em Dezembro de 1973.
Fotografia de Albano M. da Costa
Como se vê, o quartel não apresenta a destruição que os documentos oficiais afirmam. Algo não está certo no que ao longo de 35 anos vêm afirmando: “O Aquartelamento de Guidaje, já semidestruído, era atacado diariamente pelos guerrilheiros do PAIGC que flagelavam as suas instalações com centenas de granadas” (CTP, Vol. IV, 1987: 220)

Instalações dos graduados no Quartel de Guidaje em Dezembro de 1973.
Fotografia de Albano M. da Costa
Logo no início das hostilidades a Norte, quando a CCP 123 ainda estava em Caboxanque, esta Companhia recebeu ordens para se preparar para partir rumo a Guidaje. A situação era tão tensa, que apenas o Capitão e o Tenente foram informados dessa ordem.
Eu tive então conhecimento dela, mas quando procurei junto dos meus camaradas apoios de memória para a presente investigação, ninguém se lembrava da possível ida para Guidaje. Ao questionar sobre o assunto o Major-General Sousa Bernardes, nomeadamente o motivo por que ninguém se lembra desta situação, Sousa Bernardes sorriu e disse-me (2): “a ordem era secreta, você foi o único Sargento a ser informado, mas foi-lhe pedido segredo”. Foi este segredo, que eu guardei, mas de que me tinha esquecido. A evolução desfavorável em Jemberém levaram o Comando-Chefe a enviar para norte a CCP 121.
Entretanto, tinham começado a chegar a Guidaje e a Binta grande número de elementos do Batalhão de Comandos Africanos intervenientes na operação de assalto à base de Cumbamori, no Senegal; o ataque tinha deparado com uma inesperada resistência pois, para além dos Guerrilheiros inimigos, estavam estacionadas na base tropas regulares do Exército senegalês, o que não fora previsto pelo Estado-Maior, sendo este Corpo de facto um perigo para as tropas. O súbito afluxo de refugiados, muitos deles feridos, mais agravou a situação. Um helicóptero, pilotado pelo Coronel Moura Pinto e no qual se fazia transportar o General Spínola, conseguiu alcançar o Aquartelamento, furando o bloqueio inimigo; os medicamentos que transportava foram, porém, insuficientes para as necessidades. Este, como outros episódios, demonstram como a cadeia de comando se havia partido, só conseguindo Spínola enviar medicamentos para Guidaje fazendo-se ele próprio deslocar no helicóptero.
Perdidas as esperanças de auxílio em tempo oportuno, o Comandante do aquartelamento, Tenente-Coronel de Cavalaria Correia de Campos, que era simultaneamente o Comandante do COP3, com sede em Bigene, mandou enterrar os mortos em cemitério improvisado, o que efectivamente não deveria ter feito, já que as investigações que desenvolvi recusam a existência de tal bloqueio. Se bloqueio havia era de “medo” ou de “pânico”. Apesar da gravidade da situação, foram prestadas honras fúnebres por uma força militar e desenhada uma planta do cemitério onde se anotaram as campas para posterior recuperação dos restos mortais dos militares lá sepultados. Porém, a prometida recuperação não se verificou. Só em 2008, e a muito custo, isto veio a acontecer. Segundo João Pavia Barreiros (3), foram onze os militares, inclusive os três Pára-Quedistas, que enrolados em panos de tenda, ali ficaram, como se veio a comprovar.

Tabanca de Guidaje. As tabancas mais próximas ficavam encostadas ao Aquartelamento militar.
Fotografia de Albano M. Costa

Tabanca de Guidaje nos dias de hoje.
A picada que se vê leva-nos à entrada do antigo Aquartelamento.
Fotografia de Albano M. Costa
Em 29 de Maio uma coluna de reabastecimento saiu de Binta. Pelas 6 horas desse mesmo dia a CCP 121 saiu ao seu encontro, em missão de protecção. Ao atingirem Cufeu, os Pára-Quedistas emboscaram, aguardando a chegada da coluna. Cerca das 16 horas e após a passagem da coluna, a CCP 121 levantou a emboscada, passando a dar protecção à sua retaguarda. Pelas 19 horas Guidaje recebia os primeiros reabastecimentos após um longo e difícil período de espera. No dia 30 de Maio, pelas 07H30, a CCP 121 deu início à sua retirada para Binta.
Uma outra Companhia do Exército, a 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4514/72, seguiu no dia seguinte, de Binta para Guidaje, não encontrando qualquer mina nem tido qualquer contacto com o inimigo. Se nas deslocações de 29, 30 e 31 de Maio não houve contactos com o inimigo, como suportam os Oficiais a existência de um bloqueio a Guidaje, que os impedisse de evacuar os mortos e os feridos? Ou estamos tão-somente perante um acto de distanciamento entre o Oficial e o Soldado?
Reconheço que a aparente facilidade destes últimos movimentos entre Binta e Guidaje, foram uma consequência dos combates entre a CCP 121 e os Guerrilheiros, sete dias antes, em que a aviação voltou a aparecer e a ser útil. Os Guerrilheiros atacavam continuamente as tropas, enquanto não sofressem reveses sérios, pelo que a contínua redução de Oficiais de carreira à frente das Companhias operacionais (3) tinha como consequência o agravamento das situações.
Quando uma força, neste caso de Pára-Quedistas, enfrentou a guerrilha, acabaram-se os confrontos. Afinal, só os homens da Academia pareciam ter dificuldade em perceber isso. Silva e Sousa foi mesmo muito claro ao afirmar: “o Estado-Maior nunca percebeu a guerra” (4).
Salgueiro Maia, um dos únicos Oficiais de carreira que ainda era operacional, descreveu assim a sua participação em Guidaje, que é francamente esclarecedora, no contexto desta investigação. “Em 26 de Maio chegámos a Binta, onde já se encontravam as outras forças que pretendiam abrir o caminho para Guidaje. Verifico que estão três capitães, alguns alferes (...). Para uma missão de tal responsabilidade (...) não havia nenhum oficial superior. Assim, os capitães fizeram uma mensagem para o Comando Chefe onde pediam um Oficial Superior com vista a comandar a operação. Claro que nenhum apareceu, mas, entretanto, houve muitas baixas ao Hospital de Bissau e passaram a ver-se menos Majores nos cafés de Bissau (Maia, 1994: 66 e 67). Salgueiro Maia é esclarecedor sobre o contributo dos Oficiais de carreira para a Guerra de África.
Salgueiro Maia descreve, ainda, outro pormenor que revela perfeita coincidência com a descrição contida nos relatórios dos Pára-Quedistas, de certo modo, validam-se mutuamente. “No dia 29 de Maio, pelas 5 horas, iniciámos a abertura do itinerário Binta-Guidaje. (...) Atingida a bolanha de Cufeu, entrou-se em contacto com a companhia de páras que vinha de Guidaje ao nosso encontro” (Maia, 1994: 66 e 67).
Spínola teve que destacar para os pontos nevrálgicos os seus melhores amigos: avançou para Guidaje Correia de Campos, que devia estar em Bigene, com o seu Estado-Maior a estudar alternativas e implementar soluções; comandando a operação no seu todo. Nos mesmos dias não havia ninguém para comandar Gadamael Porto, para lá seguiu o «velho» Coronel Pára-Quedista Rafael Ferreira Durão, que já tinha terminado a sua comissão de serviço em terras da Guiné, coadjuvado pelo Capitão Manuel Monge, que para o efeito foi graduado em Major.
Como já vimos anteriormente e os dados do EME o atestam, eram escassos os Oficiais de carreira nos locais de combate e não havia cadeia de comando. O Exército iniciava aqui a sua desmoronização. O que só demonstra que não há formação técnico-táctica que resolva estas situações: só o valor humano, e este, de preferência, apoiado nos conhecimentos técnicos e na experiência.
NOTAS do texto:

(1) Resumo elaborado através de entrevistas em 26/06/2002 com os Sargentos-Mores Pára-Quedistas, João Pavia Barreiros e António Maria Dâmaso, que participaram na operação, o primeiro enquanto 2.º Sargento, e o segundo enquanto Primeiro-Sargento; do relatório da operação e da descrição contida na obra História das Tropas Pára-Quedistas Portuguesas, Vol. IV, 1987, pp. 218 e seguintes.
(2) Em entrevista, no dia 02/08/2001, no âmbito da presente investigação.
(3) Em entrevista, no dia 26/06/2002, no âmbito da presente investigação.
(4) Os dados constantes no livro EME (2002) demonstram que as 102 Companhias, em sector, na Guiné, em Janeiro de 1974, foram comandadas por 160 Capitães, dos quais apenas 19 eram oriundos de cadetes. Para além desta constatação, não averiguei a razão porque estes 19 Capitães comandaram Companhias, nem por quanto tempo as comandaram, nem onde elas estiveram colocadas.
(5) Em entrevista, no dia 08/09/2002, no âmbito da presente investigação.

(continua)
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