domingo, 2 de dezembro de 2012

M562 - Porque não morri?! O último grande combate. 3º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira



NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos. 

A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo. 

Diz o autor - Vitor Cerqueira:

"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora. 

Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras. 

Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa! 

Transfira para a conta da Caixa Geral de Depósitos 0120 009848600 Ou NIB – 003501200000984860084.

Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço. 


PORQUE NÃO MORRI?! 


O ÚLTIMO GRANDE COMBATE 


TCHAZICA | MOÇAMBIQUE 

1974 

VICTOR CERQUEIRA 




3º CAPÍTULO
O segundo encontro

- Leão zero, Águia!
- Águia, Leão zero escuto.
- Leão zero parece que mais uma vez ultrapassaste os limites. Este é um problema novo que não tínhamos equacionado nesta fase. É uma total surpresa para mim, e para todos aqui no CIGE, vou contactar o Comando Geral.
- Entretanto segue a tua ideia mas atenção! Cuidado com a segurança, nada de homens armados da Frelimo dentro do destacamento, percebido?
- Afirmativo Águia, obrigado pela confiança.
- Qual é o passo seguinte Leão zero?
- Convidei o grupo que apareceu para almoçar depois de amanhã, a intenção é subir na hierarquia vou tentar que ele consiga um encontro com o comandante dele. Estou a trabalhar por… se quiser, estímulos e palpites!
- Tu és completamente doido, tens a noção do risco que estás a correr e a fazer correr os teus homens?
- Afirmativo Águia, mas os encontros serão aqui no destacamento, sempre no meu campo. Não tenciono, pelo menos nesta primeira fase, ter algum encontro numa base deles, por exemplo, ou mesmo em campo neutro. Como sabe não brinco em serviço…
- Pois não, mas sinceramente não estou a gostar nada dessa situação, espero bem que isso não dê um grande buraco! A partir de amanhã sempre às 10 horas falas comigo, OK? Terminado!
- OK Águia, mais uma vez obrigado, até amanhã, terminado!
O Alferes deu um grande suspiro de alívio, uma etapa difícil tinha sido superada, com bastante facilidade diga-se de passagem. O Comandante mais uma vez o tinha surpreendido agindo de uma forma com o qual não contava.
O processo estava em curso para o bem ou para o mal…
Começaram a “chover” chamadas.
As chamadas começaram pelos camaradas dos outros Grupos; que estavam no mato, os radiotelegrafistas não resistiam a mandar uma “boca” sempre de apoio e de força, antes de passar o
rádio aos seus superiores, quando não eram estes que estavam a operar o rádio.
Sem dúvida, o 006 não estava sozinho!
Os GEPs em força estavam com ele. Havia uma grande preocupação com o futuro.
Estavam todos, mas todos, meio perdidos com a evolução política.
O clima presente era mais do que nunca de perfeita união fraterna, numa simbiose total de todos
os GEPs.
Mas… e o futuro?
Aí a angústia aumentava e as mãos apertavam a espingarda…
O alferes estava meio zonzo com tanta emoção e tanta preocupação. Foi para a sua tenda e deitou-se. Sabia que não ia dormir. Pegou nos cigarros.
Bolas! Já não fumava há algum tempo!
Tal como tinha dito ao Águia não sabia muito bem o que estava a fazer e porque estava a fazer, estava a agir primeiro por impulso e depois por instinto, mas porquê e sobretudo para quê? É que não sabia de todo!
O que não fazia sentido! Estava a arriscar a sua vida e a dos seus homens de uma forma que até aí nunca tinha sucedido. E sabia de uma coisa, se até há bem pouco tempo atrás morrer, ficar ferido, fazia parte das regras AGORA NÃO QUERIA MORRER! Agora não! Na praia não!
Até aqui sabia o que estava a fazer na guerra, sabia porque estava nos GEPs, ao contrário de outros a sua opção tinha sido consciente e não a renegava.
Estava nos GEPs para combater a Frelimo e para preparar a independência de Moçambique!
Com quem e para quem?
Com todos e para todos é claro. Negros, mulatos, indianos, chineses, brancos, enfim, para todos aqueles que faziam daquele território uma terra multicultural, em vários aspectos, inclusive a religiosa e que sentiam como sua aquela terra. Mas com a devolução da dignidade e do poder à maioria evidentemente. Havia muitíssimas injustiças a corrigir. Muitas mesmo! Disso não tinha qualquer dúvida. Mas sempre tinha sentido e reflectido que não seria com a Frelimo que este desiderato seria possível.
E não seria possível desde logo por razões ideológicas, a Frelimo era um partido Marxista Leninista e por isso tinha como objectivo o estabelecimento de um regime comunista em Moçambique.
Ora, apesar de quando mais jovem o Lopes ser Maoista por acreditar que o sistema Chinês seria bom para o seu País, o facto de ter viajado pela Europa e ter assistido em directo a invasão da Checoslováquia pela televisão, (estava em Estrasburgo), fê-lo pensar e observar com mais atenção as sociedades europeias, e assim perceber que não era por ali, não era pelo sistema comunista que Moçambique poderia vir a ter um futuro promissor e justo como aquele povo merecia e desejava.
Rejeitava então a Frelimo?
Só se fosse parvo! A Frelimo era a força política Moçambicana mais organizada, com apoios internos e externos poderosos. Mas daí a ser a única com quem dialogar e a quem se entregaria todo o poder, nem pensar! Pelas várias razões apresentadas e mais algumas.
Tudo isto ia pensando o Lopes da Gama, na cama, girando de um lado para o outro como se tivesse bichos-carpinteiros, enquanto tentava adormecer.
Depois de uma noite muito mal dormida o Lopes tomou o mata-bicho, que se resumia a um copázio de leite, pegou na G3, sentou-se ao volante do “pincher” e foi conduzindo devagar até ao aldeamento.
Ainda era muito cedo, começavam as crianças e as mulheres a sair das suas palhotas.
O aldeamento estava calmo, as fogueiras exteriores fumegavam criando uma espécie de neblina que misturada com evaporação do cacimbo nocturno se espalhava pelas diversas ruas deixando um cheiro a madeira queimada que curiosamente era um cheiro agradável. Parecia que nada tinha acontecido na véspera.
Quantos guerrilheiros da Frelimo estariam a dormir, ou teriam dormido, naquele aldeamento?…
Era uma guerra esquisita esta.
O Lopes foi até junto ao rio, não estava sozinho, o Marco Chagas acompanhava-o, ao seu lado, com a arma e algumas granadas, em silêncio. Era um espectáculo de pessoa o Marco Chagas.
Leal, discreto e eficiente! O facto do Marco querer estudar foi a principal razão para o escolher como seu “braço direito”, com ele participaria em menos operações, logo, teria mais tempo para estudar e teria o seu apoio como uma espécie de explicador, até porque ele próprio queria continuar a preparar-se para os exames do Instituto industrial.
Tinha acertado em cheio na escolha.
O Marco Chagas era a demonstração da lealdade, da confiança, da descrição, com um cuidado inexcedível no tratamento do seu equipamento que estava sempre impecável, com a G3 a ser sempre limpa e testada sempre depois de uma saída.
Aliás a história da G3 do Lopes da Gama já fazia parte do anedotário que se vai construindo ao longo do tempo na tropa. Era uma velha G3, ainda de fuste preto, deve ter sido das primeiras G3 que vieram substituir as Mauzer, já nos idos anos sessenta.
Mas ele só confiava naquela arma, a primeira e única que lhe entregaram no CIGE, o armeiro no CIGE passava as “passas do Algarve” nos períodos de refrescamento para não dar baixa da mesma ou entregá-la inadvertidamente a outro.
Até a escondia!
E nesse controlo da arma tinha um colaborador assíduo e atento. O bom do Marco Chagas, claro! Ele, ao olhar para aquele soldado, que antes de tudo o resto era um amigo, sentiu que ao longo destes cerca de trinta meses de tropa, Deus tinha estado com ele.
O que aconteceria daqui para a frente?
O dia passou com a habitual rotina. Desta vez o Lopes recomendou ao cozinheiro que fizesse um bom bife com batatas fritas para o seu almoço com os guerrilheiros, acompanhado de arroz de ervilhas evidentemente, não queria que ficassem com fome…
Falou com Águia pela rádio e com uma série de companheiros que queriam falar com ele, GEPs e não GEPs, “pacassas”, como eles alcunhavam a tropa normal, que lhe davam incentivo e conforto moral. Bem precisava.
Continuava muitíssimo intranquilo e estava morto que aquilo terminasse.
No dia seguinte, veste o camuflado, o velho, o de combate, eram um dos três rituais que o Lopes tinha, a G3 o camuflado velho todo remendado e a faca de mato que o acompanhava sempre, fosse para onde fosse, diz ao Fernando que faça o mesmo e espera.
Por volta das onze horas, chegaram os guerrilheiros, vinham sorridentes e mais bem arranjados.
O Joaquim aproximou-se para um aperto de mão e entregou de imediato a kalash, seguido de imediato pelos outros três.
O Lopes olhou com um enorme sorriso para o aldeamento que aparentemente estava normal com excepção de algumas mulheres que assistiam à cena. Era pouca gente para o acontecimento, onde estariam os outros, os homens? Talvez nas machambas, mas se estavam nas machambas porque estavam as mulheres no aldeamento quando eram elas que normalmente trabalhavam?
Mandou chamar o Régulo para almoçar com eles.
Foi um palpite daquele momento, que tinha sido despertado pelos sorrisos das mulheres.
Era preciso envolver a população naquele assunto e o Régulo era o ideal. Até porque, sem dúvida nenhuma, tinha relações com a Frelimo, ou então dificilmente estaria vivo, para além de que a história destes encontros tinha a sua mão…
O convívio fluiu com naturalidade, os soldados conversavam animadamente com os guerrilheiros, ou turras, como lhes chamavam na linguagem do quotidiano.
O Joaquim também ia conversando com este e aquele, estavam sorridentes e descontraídos.
Nos seus soldados nem todos se sentiam assim confiantes. O Alferes via umas tantas, bastantes, caras fechadas e com pouca vontade de entrar em diálogos e muito menos convívios, mantinham-se à margem.
A segurança estava relaxada, mas estava lá…
Por volta do meio-dia - o Alferes era um homem de rotinas - começou a ser servido o almoço, todos se integraram na bicha, turras e soldados.
Que espectáculo estranho!
Entretanto chegava o Régulo, com a sua vestimenta oficial de gala, o que não deixava de ser irónico, tendo em conta que aquela farda era paga pelo Governo Português que era suposto ele servir, e, no entanto, servia (também) a Frelimo, mas para aquela ocasião veste a “farda” oficial colonial.
Ironias de África, que só os Africanos percebiam e que fez o Lopes lembrar uma conversa que tinha tido com o seu Pai, já lá iam uns anos.
Nessa conversa o militar explanava cheio de entusiasmo e de certezas que defendia com todo o ardor um Moçambique independente, afastado de Portugal e dos Portugueses assim e assado.
Até que o Pai se volta para ele e lhe diz:
- Já pensaste que um dia podes estar com uma espingarda de um lado da barricada e eu do outro?
Foi com se tivesse levado um murro no nariz! Fê-lo pensar e reestruturar todo o seu pensamento político.
De facto ele não podia rejeitar as suas origens como Português, (Pai Minhoto e Mãe Lisboeta)
que era a sua cultura mãe, nem Moçambique as podia esquecer, estava impregnado na sua cultura, na cultura negra e na branca eram… 500 anos de permanência.
E ali estava representada a misceração naquela figura do Régulo que de alguma maneira representava os seus ancestrais e do seu povo.
O almoço decorreu muito bem. Na mesa, para além do Lopes estavam o Régulo, o Furriel
Afonso, o Joaquim, guerrilheiro da Frelimo e o Cabo Fernando Chagas. Os outros guerrilheiros comiam com o resto da tropa.
Dois soldados serviam, uma delicadeza do cozinheiro, pois não tinha sido prevista esta situação - normalmente seria o cozinheiro a servir - que dava um certo “requinte” ou, se quisermos, aumentava o aspecto “surrealista” daquele acontecimento.
Assim, nos confins do mato Moçambicano, na África profunda, cinco homens, um mulato, três negros e um branco, de formações intelectuais, morais, éticas e religiosas completamente diferentes, estavam à volta de uma mesa, feita de troncos de árvores e canas, para almoçar um bom bife com batatas fritas e ovo a cavalo… e falar.
Apesar de brancos e negros, não era só isso que os distinguia, cada um deles era de etnia diferente.
O branco, de origem Portuguesa. O mulato de origem mista, branca portuguesa e negra do norte. Um dos negros, o Joaquim, Maconde. O Régulo, Chissena.
O Marco, Sena. Para se comunicarem tinham que utilizar um intérprete, sendo que nas dificuldades de comunicação se utilizava o Português, como base da comunicação, as semelhanças entre o Sena e o Chissena.
Incrível!
A única coisa que tinham em comum, era esta coisa que parecia tão simples e era de facto muito complicado.
Serem Moçambicanos!
No decorrer da conversa, para além do testemunho do cansaço e saturação da guerra mais uma vez manifestada pelo Joaquim, falou-se de generalidades tais como: as armas utilizadas, de um lado, as Simonove, kalashenikoves as Dactareves, etc. E por outro, as G3. Ficando o Lopes a saber que eles tinham um autêntico terror quando as ouviam “cantar”.
- Chi meu Alferes, quando começa, bom, bom, bom…é tão forte, que agente ficava a tremer e fugia…fugia…que nem sei!
Entretanto o Lopes introduziu o que lhe interessava.
- O seu Comandante sabe que vocês se encontraram connosco?
- Sim sabe…
- E concordou com isso?
- Sim, concordou.
-Quero encontrar-me com o Comandante da Zona, aqui no destacamento, é possível você conseguir isso?
- É possível sim senhora, ele também quer encontrar com meu Alferes, eu vou dizer a ele depois
ele vem cá. Fica bem assim?
- Fica muito bem Joaquim, obrigado.
Grande parte do pessoal do grupo e os outros turras estavam à volta da palhota acompanhando a conversa, com muita atenção e curiosidade.
O Lopes da Gama olhava em volta e sentia um clima de grande ansiedade e alguma tensão.
No meio da tarde despediram-se com um aperto de mão forte. Todos os guerrilheiros fizeram questão de apertarem a mão do Alferes, com manifesta satisfação e já com alguma subjugação ao seu poder.

(Fim do 3º Capítulo. Continua brevemente)

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