sábado, 20 de novembro de 2010

M284 – Os soldados portugueses em África, na Guerra do Ultramar (1), pelo RANGER António Barbosa


Os soldados portugueses em África, na Guerra do Ultramar (1), pelo RANGER António Barbosa 

Já foi dito nas mensagens M253 e M274 que o nosso Camarada RANGER António Barbosa, do 4º curso de 1972, cumpriu como Alferes Miliciano de Operações Especiais/RANGER a sua comissão militar na Guiné, incorporado no 1º Pelotão da 2ª Companhia de Artilharia, do Batalhão de Artilharia 6523, em Cabuca, nos anos de 1973 e 1974.

Entretanto ele continua a enviar mais algumas das suas fotos de antologia que, para aqueles que percorreram as mesmas terras e enfrentaram como souberam e puderam, com maior ou menor perícia e arte, e derrotaram os mesmos obstáculos, relembram e refrescam boas e más memórias daqueles tempos.

Os soldados portugueses mais não eram que uns putos com 21/22 anos (feitos Homens rapidamente), muitos ainda acabados de sair dos liceus e faculdades, que eram chamados pelas Forças Armadas a apresentarem-se nos quartéis, e lhes era ministrada 3 meses de instrução militar (recruta) e depois eram distribuídos, mais 3 meses, por diversas especialidades de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia, Transmissões, Intendência, Material Transportes, Saúde, Tropas Especiais, Polícias Militares, Marinha e Força Aérea.

Finda a especialidade alguns seguiam de imediato para a guerra, ou em rendição individual (geralmente para substituir algum morto ou outro soldado que tivesse acabado a sua comissão), ou incorporados em vários tipos Unidades (secções, pelotões, companhias ou batalhões).

É claro que, como seres humanos educados, cada um de modo diferente do outro, cada um mais ou menos sensível que o outro, cada um mais ou menos espírito guerreiro que o outro, cada um mais ou menos preparado psicológica e fisicamente que o outro, etc. enfrentamos de modo muito desigual a preparação e a actuação na guerra (guerrilha na selva), desgastante, doentia, traiçoeira e mortífera, que aos nossos soldados se lhes apresentou nos quartéis em Portugal e nos quartéis e buracos em África (Angola, Moçambique e Guiné).
Muitos tão mal treinados foram... e as consequências foram terríveis!

Houveram alguns, felizmente poucos, que se apresentaram no primeiro dia a chorar (uns tantos com saudades da família pois eram casados e com filhos, outros revoltados com a incorporação para a qual nunca estiveram preparados psicologicamente, inclusive por motivos políticos e religiosos, e os cagarolas/cobardes com medo dos eventuais ferimentos ou morte) e só voltaram a sorrir no último dia de tropa.

Se estes problemas psíquicos foram dificilmente, ou jamais debelados, pelas suas vítimas, então imaginem acrescentar-lhe as condições em que muitos foram sujeitos em África, desde a estarem enfiados em autênticos buracos construídos no chão (muito pó no Verão e lama por todos os lados nas épocas das chuvas), mal alimentados, rodeados de milhões de mosquitos (que transmitiam entres outras maleitas o perigosíssimo paludismo), reptéis de todas as espécies e, como se não bastasse, localizados em confins inimagináveis, sem qualquer outro ser humano ou povoação por perto, a não ser o inimigo.
Não era um inimigo qualquer, com muita experiência de guerra (alguns gravitavam nas suas hostes desde o início das hostilidades - 1962 -, 12 anos de combates), óptimo conhecedor do terreno que galgava, dos melhores locais para se esconderem e aramarem as suas emboscadas e armado com as melhores armas que se podiam encontrar no mercado de guerra da altura (principalmente dos países comunistas do Leste Europeu), como as espingardas e metralhadoras automáticas: Kalashnikov AK-47, PPSH-41, Simonov SKS, Degtyarev DShK, RPD e DPM, Sudaev, PPS-43, Goryunov SG-43, Vladimirov KPV, etc.
Um inimigo que se camuflava bem entre a população nativa, dominava bem as técnicas da guerrilha da selva, entre elas sabia como usar as traiçoeiras, temíveis e destruidoras minas e armadilhas, que destruiam dia-a-dia o ânimo e a combatividade dos nossos melhores Homens.
Os nossos melhores homens, bem alimentados e apoiados, e por tradição com muito, bem seleccionado, adequado e intensivo treino, eram sem dúvida nenhuma o pessoal das forças especiais: os Paraquedistas, os Comandos e os Fuzileiros, e também porque actuavam conjuntamente meses a fio, muitas vezes comandados por hierarquias com várias comissões e, por isso, velhas "raposas" super-operacionais, experientes e bem conhecedoras dos hábitos e costumes do adversário.
Seria uma injustiça de todo o tamanho não fazer aqui jus a muitas Unidades de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Força Aérea e Marinha, que jamais temeram o inimigo, antes pelo contrário, demonstrando grande agressividade e combatividade tática e operacional, tendo eliminado grande número de inimigos, tendo-lhe capturado imenso material de guerra e garantido a segurança total das suas áreas de actuação, sob a sua competência e responsabilidade.
Para mais pormenores sobre as armas utilizadas pelo inimigo, consultem o bem conseguido estudo sobre esta matéria de Luís Dias no site:


As mensagens:
e
Guiné 63/74 – P6892: Armamento (4): Metralhadoras Pesadas (Luís Dias)

Se alguma dúvida persistir no amigo leitor do que aqui é dito, além das palavras expressas e das fotos que se seguem, então atente nesta famosa e imortal frase de um dos generais mais brilhantes e célebres do Exército Português de todos os tempos, que permanecerá imortalizado pela sua inconfundível personagem e pelos métodos de actuação no terreno, onde muitas vezes se expôs, para apoiar os seus Homens (militares como é óbvio) nos locais de acção.

Ocasiões houve em que o fez, destemida e energicamente debaixo de fogo inimigo.
O seu carisma e a sua celebridade ficarão indelevelmente registados na História de Portugal, pela ousadia (que teve o seu preço) do lançamento do seu famoso e único livro escrito antes da revolução do 25 de Abril de 1974 - "Portugal e o Futuro" -, mais precisamente em 22 de Fevereiro de 10974, onde, resumidamente, propunha a Marcelo Caetano (então 1º Ministro) uma solução política para o problema da Guerra do Ultramar.
Chegastes meninos! Partis Homens!
General António Spínola


A arte e o engenho do pessoal de Engenharia e muitas vezes de soldados super habilidosos das diversas companhias (quando lhes eram proporcionados os materiais necessarios para o efeito), iam permitindo construir algumas instalações básicas, que davam aos aquartelamentos um certo ar "civilizado"


A sala de jantar de Oficiais e Sargentos tinha este aspecto. Não se pode dizer que não era limpo e arrumado. Quanto ao resto: moscas, mosquitos e outros visitantes pouco recomendáveis... enfim, estamos falados!


Valia muitas vezes as hortas, quer propriedade de populares locais, quer de malta da companhia, que muito nos ajudavam na preparação das refeições e, consequentemente, a manter-nos vivos e prontos para o que desse e viesse. Não fossem os portugueses MESTRES na arte de DESENRASCAR
A caça variada, existente um pouco por todo o território, era um dos recursos utilizados para termos algumas refeições de carne fresca


A higiene pessoal, indispensável à boa conservação saudável dos corpos, era prioritária. Assim, havia que aguçar o engenho e a arte para se conseguir resultados práticos e úteis
Pelo menos uma boa "duchalhada" diária sabia a civilização Os nativos viviam em palhotas milenares agrupados nas designadas Tabancas e viviam o dia-a-dia com as suas tarefas rotineiras, preocupados com a sua natural sobrevivência. Entre eles criamos enormes e imortais amigos, de tal modo que agora, passados 40 anos, quando os ex-Combatentes visitam as localidadeas por onde andaram nos tempos de guerra, são espantosa e agradavelmente recebidos em tons festivos e de imensa satisfação e alegria, por aqueles que lá conheceram então 

O povo da Guiné é na generalidade afável e muito acolhedor, embora atravesse um periodo de muita pobreza, com falta de quase tudo. 

É constituído por cerca de 30 etnias, que entre si se relacionam melhor ou pior, de que me lembro agora: Papéis, Balantas, Fulas, Futa-Fulas, Fulas, Mandingas, Manjacos, Brames, Bijagós, etc. 

Termino lançando aqui um apêlo para quem puder auxiliar de algum modo aquele povo o faça... ele merece por todos os vicissitudes e suplícios por que têm passado agarvados sobremodo pelas quezílias intestinas que tem passado nos últimos anos! 

Fotografias: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.

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