sexta-feira, 14 de outubro de 2011

M377 - RANGER Eduardo Lopes do 1º Curso de 1969 – Parte V - "Operação Vinde a Nós"





RANGER Eduardo Lopes
1º Curso de 1969


O RANGER Lopes, que foi Alferes Miliciano da CCAÇ 2600 do BCAÇ 2887 (Companhia de Caçadores Nº 2600 do Batalhão de Caçadores 2887), continua a enviar-nos a catarse das suas memórias, dos factos e acontecimentos do dia-a-dia, da sua experiência e vivência na guerra em África, mais precisamente em Balacende – Angola -, dando seguimento a dez mensagens publicadas neste blogue, com as referências: M359, M360, M361, M362, M367, M368, M369, M370, M373 e M375.

Hoje, fala-nos da primeira das operações de contra-guerrilha contra o inimigo, em que participou a sua sacrificada Unidade.

Na mensagem M375, já abordamos a problemática que originavam as traiçoeiras emboscadas, cujos traumas psíquicos deixavam marcas profundas e duradoiras nos nossos soldados, pela expectativa e desgaste criados no "antes-de-entrar-em-combate" e pela adrenalina e a angústia "durante-o-combate e pós-combate".

Para os leitores que nunca entraram em ferozes e mortíferos combates de morte, entre centenas de balas e estilhaços das granadas, frente a frente e olhos nos olhos com o inimigo, cuja única intenção é eliminarnos fisicamente de qualquer modo, jamais em tempo algum poderão imaginar as sensações sentidas por um combatente debaixo de fogo hostil.

Os entendidos em matéria de causas e efeitos dos combates no ser humano, transformados em terrível doença, resolveram designá-la por "stress pós-traumático de guerra".

Atinge quase todos os militares intervenientes, com maior ou menor grau de gravidade, dependendo do poder de encaixe psicológico e modos de enfrentar a ameaça de morte, ou de eventuais mazelas físicas, de cada um.

Este "poder de encaixe" é muito relativo e ainda hoje, mesmo ao melhor nível internacional, pouco ou nada se sabe sobre esta matéria. A justificação é que existem vários tipos de stress e cada caso é diferente do outro anterior.  

Se as emboscadas contra o inimigo traumatizaram muitos dos nossos soldados, as emboscadas do IN contra as NT (Nossas Tropas), já se disse na M375, eram marcadas por consequências terríveis, mortíferas e devastadoras, principalmente pelos feridos e mortos que resultavam, na troca de metralha, entre os nossos militares.

Esta operação da CCAÇ 2600, contra a FNLA e MPLA, soube a uma doce vingança dos nossos Camaradas mortos na emboscada, contada na mensagem anterior.

Parte V

"Operação Vinde a Nós"

A"Operação Vinde a Nós" teve lugar entre 1 e 23 de Dezembro de 1970, na região dos Dembos, entre os rios Zenza - a sul -, e Lifune - a norte -, numa área onde se encontravam bases da FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e do MPLA (Movimento Popular Libertação Angola).

Portanto, a Operação executada a nível de Sector, era dirigida contra os dois Movimentos, mas com objectivos distintos. Contra a FNLA o objectivo era destruir as suas forças, e em relação ao MPLA era destruir a sua ligação às populações e recuperá-las para o lado dos portugueses.

À minha Companhia coube uma primeira missão contra uma área de forte implantação do FNLA, junto do rio Lifune e tinha por objectivo a captura, ou a destruição, de forças do FNLA e a recuperação de populações, através de reconhecimentos ofensivos conjugados com emboscadas. A força era constituída por dois G.C. (25 homens cada), por um período de 3 dias. 

A operação teve início pelas 08h30, tendo o pessoal destacado sido distribuído por cinco helicópteros “Alouette III”, que poisaram no nosso quartel. O meu G.C. foi o primeiro a ser helitransportado e passados cerca de 20 minutos foi largado numa "lavra". Como o outro G.C. (1º Pelotão) foi “largado” noutro local - cerca de 1 a 2 kms do meu -, arrancamos logo para um trilho que tínhamos visto do ar e que atravessava a citada "lavra".

Encontrado o trilho, verificamos que este era bastante largo, muito batido e limpo, o que significava que era muito utilizado.

Como tínhamos sido transportados pelo ar, com os helis a voar muito baixo, mesmo junto às copas das árvores, acreditávamos que íamos surpreender o IN.

Assim, mal entramos no trilho, percorremos umas centenas de metros e logo que vi o trilho fazer uma curva mais pronunciada, achei ter encontrado um bom local para montar uma emboscada, para surpreender o IN.


O tempo escasseava pelo que mandei fazer alto e, após breve conferência com os Furriéis Milicianos Louro e Pereira, ficou determinado a disposição do pessoal na emboscada (em "L") e que o início (primeiro disparo), da mesma, seria dado por mim.

Fiquei com a equipa do 1º Cabo Coutinho e ao lado do apontador da MG-42, no traço pequeno do "L", enquanto os restantes 19 ficaram em linha paralela ao trilho.

Não foi preciso esperar muito, pois passados uns 6 minutos ouvimos ruídos de gente a aproximar-se com passo apressado. É óbvio que o presságio da aproximação dos primeiros tiros, a adrenalina apoderou-se do coração, que se apertou, as pulsações aumentaram, as mãos crisparam-se na G3, etc.

Bati no ombro do apontador da MG-42 e num movimento rápido levei a arma ao rosto e aguardei.

De repente apareceu um guerrilheiro que abria a pequena coluna de 7/8 combatentes da FNLA. Estavam a 20/30 metros de nós, reprimi a vontade de disparar de imediato e aguentei… mais um pouco… até estarem bem dentro da zona de morte e, então, fiz fogo que foi o sinal para o seguimento de um forte tiroteio (originado por 24 G3 e a MG-42 a disparar), que durou o tempo suficiente para despejar um carregador (6/7 segundos que me pareceram uma eternidade).

O pessoal já estava mais disciplinado a fazer fogo e sabia que se não tinha um alvo devia parar. Foi o que fizeram e assim voltou a fazer-se um silêncio sepulcral.

Deixei passar alguns segundos, levantei-me, mandei montar um dispositivo de segurança e fui ao trilho para me certificar dos “estragos” que tínhamos causado.

À primeira vista estavam 3 corpos tombados. Aproximei-me com o Fur Mil Louro e apanhamos uma metralhadora PPSH e uma espingarda Simonov, após o que revistamos os corpos e retiramos um carregador da PPSH e 2 "pentes" da Simonov.

Tínhamos "ganho o dia", pois capturar 2 armas nos Dembos era um feito e uma sorte, mas esta, a sorte, ainda não tinha terminado, pois quando retomamos o nosso movimento na direcção de onde tinham vindo os guerrilheiros e percorridos uns 50 metros, fomos alertados por gemidos que vinham da mata.

Com a maior das precauções saímos do trilho e seguindo o som dos gemidos deparamos com um corpo caído, com o lado direito desfeito numa massa de sangue. Aproximamo-nos mais e vimos que o guerrilheiro apertava com a sua mão esquerda uma carabina Simonov.

O 1º Cabo Coutinho pegou na Simonov mas teve que se aplicar para a tirar da mão do guerrilheiro, pois este num último esforço agarrou-a com todas as suas forças, que já eram poucas. Chamei o cabo enfermeiro, que debruçando-se sobre o corpo e pegando-lhe no pulso esquerdo me indicou que o guerrilheiro tinha pouco tempo de vida e que só estava a sofrer, pois tinha parte das suas vísceras à vista.

Chamei o "Francês" (um soldado com 30 anos, emigrante em França, que tinha regressado a Portugal a fugir à policia francesa e que tinha sido logo mobilizado para o nosso batalhão) olhei-o, e transmiti-lhe o que queria com um “olhar”. Naquela situação as palavras era desnecessárias, voltei-lhe as costas mas ainda o vi, de relance, puxar da faca de mato e momentos depois deixei de ouvir gemidos.

Passamos o resto da operação a montar emboscadas, durante 4/5 horas mudando frequentemente de local.

Na manhã do terceiro dia, dirigimo-nos a dois acampamentos que entretanto fomos localizando, pois durante os dois dias anteriores ouvíamos os cães ladrar e os galos cantar. Chegados aos locais, passamos revista a todas as cubatas, destruindo todos os utensílios e matando a "criação" e partindo os ovos que encontrávamos.

Arrecadamos algumas bacias de esmalte e pratos de alumínio deixadas por ali e, por fim, deitamos fogo às cubatas.

Ao meio da manhã, antes de nos dirigirmos ao local de recolha, deitamos fogo a 2 "lavras" de milho.

Por volta das 13h00 chegamos ao morro onde o 1º pelotão já aguardava a recolha pelos helis. Reforçamos o perímetro de segurança, almoçamos e aguardamos.

Por Volta das 14 horas apareceram os “alouettes” acompanhados por um "Lobo Mau" (heli-canhão), que na primeira leva recolheu o 1ºpelotão.


Passada uma hora reapareceram os helis para nos levaram a nós.

Quando as aeronaves levantavam voo, o IN começou a flagelar as que se encontravam mais próximas da mata, fazendo com que, de imediato, o "Lobo Mau" entrasse em acção, metralhando a área de onde surgiu o ataque.

Passados cerca de 20 minutos poisamos suavemente na pista de Balacende, dirigimo-nos ao nosso capitão e entregamos-lhe os “troféus” capturados (1 PPSH e 2 Simonov).

O capitão não cabia em si de contentamento, pois sabia quanto representava para o prestígio da companhia e do batalhão aqueles troféus.

Começávamos assim a vingar os nossos mortos e não mais paramos até ao fim da comissão.

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