terça-feira, 17 de agosto de 2010

M236 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - IV



Continuação das mensagens M233, M234 e M235

Manuel Godinho Rebocho2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)
Bissalanca/Guiné
1972 a 1974
O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M234, M235 e M236:

III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES (continuação)
3 – O SISTEMA DE FORÇAS: AS FORÇAS DE QUADRÍCULA E AS FORÇAS DE ELITE; TROPAS DE REFORÇO E TROPAS NATIVAS

Os efectivos militares combatentes podem ser considerados segundo o tipo de actuação: de quadrícula e de intervenção ou de elite, e segundo a sua origem: de reforço, designação atribuída às tropas metropolitanas e nativas. Ambos os tipos de actuação integravam forças de reforço e nativas. Vejamos as características principais de cada um desses efectivos militares.
3.1 – A Quadrícula Militar

Após o estalar do conflito armado, com a ocupação de determinadas localidades por parte dos revoltosos, Portugal procurou reocupar essas posições, tendo-o conseguido. Um vez feita a ocupação das zonas, isto é, a instalação das forças nos respectivos sectores, a primeira preocupação foi a de manter ou restabelecer a ordem e montar uma defesa adequada das povoações, das instalações importantes de carácter económico ou outro e de certos pontos vitais das vias de comunicação, no sentido de assegurar a salvaguarda das pessoas e dos bens, o funcionamento das instituições e dos serviços essenciais e o livre exercício de funções pelas autoridades. No início, a segurança das povoações compreendia apenas as maiores. No entanto, com o decorrer dos tempos, a quadrícula desceu até ao limite do possível, chegando a existir forças ao nível de Secção (1 Furriel miliciano com 10 Soldados), junto de pequenos povoados ou tabancas “perdidas” no meio da mata.
Surgiu, assim, a necessidade de um primeiro conjunto de forças dispersas por todo o território a controlar, destinadas a guarnecer esse território e a manter o contacto com a população — eram essas as chamadas forças de quadrícula, designadas também por forças de ocupação.
“As pequenas unidades dispersaram-se por um vastíssimo espaço. De início, nas ordens e directivas que lhes eram dadas, não se descia a grandes pormenores. Cada comandante, levado pelo pouco que sabia e pela sua muita intuição, ia experimentando soluções... Passados uns anos, não muitos, a doutrina começou a articular-se... No final da década de 60, pode afirmar-se que ela estava consolidada, tanto no vector táctico como na sua envolvente estratégica” (Barata, 1990: 12). O General Barata admite que os Comandantes sabiam pouco, mas que tinham muita intuição, o que sobreleva a componente psicofisiológicas à formação técnico-táctica. Admitindo, ainda, que foi a experiência que aferiu a doutrina.
Os efectivos de cada unidade elementar de quadrícula eram adaptados à importância do local que guarneciam, podendo ser, portanto, da ordem da Secção, do Pelotão, da Companhia, ou de unidade superior. A unidade básica, porém, era a Companhia.
As Companhias de quadrícula foram, normalmente, integradas em Batalhões e estes em Agrupamentos (dois ou mais Batalhões). A cada um destes escalões de comando correspondia um sector que integrava os sectores das unidades subordinadas. Contudo, existiram Companhias de quadrícula directamente dependentes de um Comando de Agrupamento e Batalhões de quadrícula directamente dependentes de um Comando de Zona. Noutros casos, não foi necessário constituir Agrupamentos, sendo o Batalhão o escalão mais elevado subordinado à Região Militar, Comando Territorial Independente, Comando Territorial ou Zona de Intervenção.
Apesar da sua missão ser essencialmente defensiva, as unidades de quadrícula não eram totalmente estáticas; pelo contrário, a preocupação de manter a iniciativa, a liberdade de acção e o espírito ofensivo verificou-se em múltiplas situações, em função da agressividade do inimigo e da capacidade do Comando. Uma parte dos seus elementos tinha, contudo, que ser mantida, em quaisquer circunstâncias, no local ou locais que lhes serviam de estacionamento, de forma a assegurar permanentemente a sua defesa. Mas os restantes executavam patrulhas e outras acções ofensivas ou serviam de escolta a colunas que se deslocavam em itinerários pouco seguros.
Uma quadrícula suficientemente densa em territórios de tão grande extensão, como os que Portugal controlava em África, requeria enormes efectivos e, por isso, não foi possível a montagem de uma quadrícula perfeitamente eficaz. O que impôs que a cada unidade fosse, normalmente, confiado um sector de dimensões tais, que a defesa de algumas povoações e instalações menos importantes e o contacto com a totalidade da população só poderiam ser conseguidos por elementos móveis, em constante actividade, e não por guarnições fixas, como era previamente suposto e desejável.
Uma Companhia de quadrícula podia, por exemplo, com os elementos dos seus quatro Pelotões, dispor num dado momento de quatro agrupamentos de comando de subalterno: um para garantir a defesa do local que lhes servia de estacionamento; outro permanentemente destacado na defesa de um ponto secundário; outro empenhado temporariamente numa pequena acção ofensiva; um quarto em reserva, pronto a acorrer a qualquer local. Esta situação, que se verificava muitas vezes, impunha um ritmo de trabalho extenuante que, sobreposto com a deficiente alimentação e as condições locais, clima e más condições do terreno, desesperaram a vida e a saúde de muitos militares.
Dadas as razões apontadas, as unidades de quadrícula não eram, suficientes para se conduzir eficazmente a luta contra as guerrilhas. Apesar do espírito ofensivo que as pudesse animar, elas não podiam assegurar, por toda a parte, a procura sistemática dos elementos rebeldes e a sua destruição nas zonas de refúgio, em especial nas regiões onde, pela menor densidade dos aglomerados populacionais e das vias de comunicação, a quadrícula fosse mais limitada ou até inexistente.
Tornou-se, portanto, indispensável, um outro conjunto de forças destinado a levar a efeito uma pertinaz acção ofensiva de procura e aniquilamento das guerrilhas, fosse onde fosse que estas actuassem ou se refugiassem — eram as forças de intervenção, também designadas por forças de reserva. Estas forças eram, de um modo geral, constituídas pelas tropas especiais ou tropas de elite.
Entende-se por função de quadrícula a que se traduz no desempenho de um conjunto de missões com as seguintes finalidades: assegurar a defesa de determinados pontos sensíveis; garantir a possibilidade de utilização de determinadas vias de comunicação; pesquisar constantemente notícias sobre o inimigo e obter elementos que permitissem conhecer cada vez melhor o terreno e a população; manter um contacto constante com a população, exercendo sobre ela, em conformidade com directrizes superiores, uma acção psicossocial e, quando necessário, estabelecendo medidas de controlo dessa mesma população; exercer sobre os rebeldes, igualmente em conformidade com directrizes superiores, uma acção psicológica; e hostilizar o inimigo, na medida em que os meios disponíveis o permitam.
A pesquisa de notícias sobre o inimigo e a obtenção de elementos sobre o terreno e a população exigia um trabalho constante e meticuloso das unidades de quadrícula, visto que, sem um conhecimento pormenorizado dos três factores citados — inimigo, terreno e população —, não se poderia obter, das unidades de intervenção, o rendimento necessário.
A referida missão obrigou a um contacto estreito das forças militares com a população e tornou extremamente importante a permanência dos comandos e das unidades nos sectores que lhes foram atribuídos. A primeira condição para uma acção eficaz e duradoura das forças militares sobre a população foi a sua presença, que permitiu inspirar confiança, garantir uma protecção efectiva, exercer a indispensável acção psicossocial e, quando necessário, assegurar o seu controlo. Os comandos e as tropas necessitavam de tempo para se familiarizar com a topografia local, com a população e mesmo com a organização e os hábitos dos rebeldes.
Em consequência, era vantajoso não efectuar as rendições por unidades completas, mas sim homem por homem ou por pequenas fracções, de molde a que o contacto com a população e, em especial, a confiança mútua que desse contacto resultava e o conhecimento do meio e do inimigo se não perdessem repentinamente obrigando a ser de novo adquiridos por uma outra unidade, sempre morosamente. Mas ou isto não foi possível, ou não se tentou, nem as unidades eram mantidas em sobreposição durante tempo suficiente. Pelo contrário, a substituição era imediata e assim se perdiam continuamente os conhecimentos adquiridos, voltando tudo ao princípio, sempre que havia rendição de unidades. O contacto e o bom relacionamento das forças militares com a população era o factor mais importante para o controlo da situação, o que exigia passagem de testemunho.
A acção psicossocial e as medidas de controlo da população tinham como objectivo o isolamento dos rebeldes relativamente à população, princípio fundamental da luta contra as guerrilhas. Para este isolamento contribuíam também, e de uma forma não menos acentuada, os êxitos obtidos pelas forças militares no combate contra as guerrilhas e, principalmente, o seu comportamento perante a população civil na execução das citadas medidas de controlo e em todas as suas outras acções.
Como consequência, os objectivos da ocupação militar, conjuntamente com as finalidades das medidas de ordem política, económica e social, superiormente determinadas, eram dados a conhecer à população, salientando-se que a sua cooperação com as forças militares e a aceitação das referidas medidas determinava o grau de assistência e de liberdade de acção que lhes seria dado.
Havia sempre pessoas que desejavam paz e sossego. Estas e os elementos abertamente colaboradores com as forças militares ou que se mostravam mais resistentes às acções coercivas dos rebeldes eram especialmente incentivados e protegidos. Todavia, procurava-se que a justiça, a correcção e a disciplina fossem, perante todos, apanágio das referidas forças.
As notícias sobre o bom comportamento destas espalhavam-se rapidamente e constituíram um factor importante para o estabelecimento de relações de confiança com a população civil. A lei era rigorosamente cumprida e procurava-se manter o respeito pelas crenças e costumes nativos.
Quando necessário, as forças militares garantiam o reabastecimento de víveres e vestuário, condições mínimas de habitação e assistência sanitária adequada à população. No entanto, as pessoas eram encorajadas a retomar as suas ocupações, visto que a ociosidade constituiria um factor desfavorável aos propósitos pretendidos.
As medidas de controlo, quando aplicadas, tinham sempre em atenção os prejuízos que, normalmente, poderiam causar à população. Esta tinha conhecimento das razões que levavam a pôr em execução tais medidas, que eram aplicadas com ponderação, e sem maior rigor do que aquele que a situação impunha e eram abrandadas logo que possível.
“A experiência demonstrava, porém que os Batalhões, dispersos por numerosos locais de guarnição, praticamente se limitavam a sobreviver, sendo a sua actividade, na sua essência, absorvida por preocupações de ordem logística que raramente lhes permitiam mais do que uma acção de presença local, em cada ponto ocupado e o patrulhamento dos itinerários de reabastecimento. Tudo o resto, na imensidão das zonas de acção, era terreno desconhecido ou, na melhor das hipóteses, percorrido uma, ou duas vezes, no período da comissão” (EME, B, Vol. VI, Tomo I, 1988: 497).
A título de exemplo do comportamento deste tipo de forças no território escolhi o Batalhão de Artilharia n.º 2865, o qual não foi escolhido de forma aleatória, pois tal metodologia era impossível de seguir e de interesse científico duvidoso. Não me preocupa a actuação do Batalhão em combate, por não ser essa a sua principal função, mas a forma como se instalou no terreno, se relacionou com as populações e, de certa forma, controlou o meio. Tratando-se de um Batalhão de tropas de quadrícula, só a capacidade do seu próprio Comandante e dos Comandantes de Companhia constituem objecto do estudo, por serem os únicos com comando de tropas e com responsabilidade para o cumprimento dos objectivos traçados.
O conhecimento e a análise da forma de actuação da unidade em estudo efectuou-se com recurso à sua história, disponível no AHM, complementado com entrevistas a uma das elites que integrou o respectivo Batalhão. Os arquivos sobre a unidade constituem fonte importante, mas manifestamente insuficiente para que se possa explicar a qualidade do desempenho. A dificuldade na informação documental torna a pessoa do entrevistado no elemento principal da recolha de informação, o que desaconselha a sua designação de forma aleatória, até pela dificuldade que tal técnica constituiria e pouco interesse científico na medida em que a escolha poderia recair numa pessoa pouco qualificada.
A escolha teria, necessariamente, que recair sobre um Oficial que tivesse desempenhado as suas funções com elevação, impedindo, assim, o enviesamento dos dados por necessidade de não exposição do entrevistado. Este tinha que deter estima na área militar, para credibilizar a informação junto daquela instituição, pois não faria o menor sentido apresentar-se uma conclusão, sobre a formação das elites militares, se a instituição militar considerasse os dados de base menos credíveis. O Batalhão em estudo tinha que ter estado numa localização difícil para impedir a simplificação do desempenho. Por último, o entrevistado tinha que possuir elementos históricos suficientes à reconstituição do que se passou, há já vários anos, e estar disponível para colaborar numa entrevista, que necessariamente se teria que prolongar por várias sessões.
Neste sentido, analisei o comportamento do Batalhão segundo aqueles três vectores: instalação no terreno, relacionamento com a população e controlo do meio, assumindo que a maior ou menor satisfação destes objectivos dependia das capacidades dos Comandantes, materializadas na qualidade do seu desempenho, a qual dependia em linha recta das suas formações que, por sua vez, pretendo explicar através das minhas três hipóteses.
Não era fácil o preenchimento de todos os requisitos que me propus exigir e de todo impossível se seguisse um método aleatório. Solicitei assim, a colaboração de diversas entidades militares, no sentido de me ser sugerido o Oficial que reunisse as condições que acima expus. Após várias consultas sobre o tema, o Tenente-General Silvestre António Salgueiro Porto, Comandante da Academia Militar, sugeriu-me, sugestão que aceitei, o Major-General Fernando Nunes Canha da Silva, o qual foi informado, antecipadamente, da solicitação que lhe iria formular, pelo próprio Tenente-General Silvestre Porto.
Investiguei assim, o Batalhão de Artilharia n.º 2865, cuja mobilização foi determinada pelo EME, através de nota-circular de 23 de Junho de 1968 e teve como Unidade Mobilizadora o Regimento de Artilharia Pesada n.º 2 (RAP 2), aquartelado em Vila Nova de Gaia.
O Batalhão tinha o seguinte quadro superior: Comandante, Tenente-Coronel de Artilharia Mário Belo de Carvalho; Segundo Comandante, Major de Artilharia António José de Mello Machado; e como Oficial de Operações, o Major de Artilharia Manuel Rodrigues Machado.
Os quadros do Batalhão frequentaram a seguinte formação complementar: o Comandante e o Oficial de Operações o estágio de Observação e Posto de Comando Aéreo; o Comandante e os Comandantes de Companhia, o estágio de contra-insurreição, no CIOE, enquanto o Segundo Comandante não frequentou este estágio, porque já o havia realizado em 1963.
No capítulo anterior descrevi este curso do CIOE, que considerei importante e se assemelha muito à formação seguida pelas Tropas Pára-Quedistas, tanto mais que a origem dos conhecimentos era a mesma: as tropas francesas que actuavam na Argélia. Ter-se-á, assim, que afirmar e concluir que os comandos até ao nível de Companhia beneficiavam de uma boa preparação técnico-táctica, no momento da partida para os teatros de Guerra.
O Batalhão constituiu-se no RAP 2 e aí foi ministrada a Escola Preparatória de Quadros e a instrução da especialidade de atiradores. Após esta fase de instrução, o Batalhão concentrou-se em Viana do Castelo, onde frequentou a Instrução de Aproveitamento Operacional (IAO). Os locais da instrução situaram-se nas zonas montanhosas a Norte de Viana, nomeadamente nos Montes de Santa Luzia e de Perre. “Foi alcançado um bom nível de instrução”, diz-se no documento oficial que Canha da Silva me exibe (1). Onde também se afirma que “o Batalhão tem nos seus efectivos elementos provenientes de todas as províncias metropolitanas e dos arquipélagos adjacentes”.
Chegou o Batalhão ao porto de Bissau em 11 de Fevereiro de 1969, confiado ao 2.º Comandante, que a bordo do Paquete Uíge assumira o Comando das Forças Embarcadas. O Comandante, acompanhado do Oficial de Operações, de um Subalterno e um Sargento de cada Subunidade, antecipara a sua partida em cerca de 20 dias, encontrando-se em Bissau aguardando a chegada do Batalhão. O Oficial de Operações já se encontrava no Sector que tinha sido atribuído ao Batalhão, tomando contacto directo com a unidade a render, o Batalhão de Artilharia n.º 1913, e inteirando-se da situação.
Iniciado o desembarque das tropas, às primeiras horas da manhã, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, nos arredores de Bissau, onde se instalaram. No dia seguinte foram efectuadas as apresentações militares ao Comandante-chefe, que foi visitar as tropas. No Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), foi atribuído ao Batalhão o sector de Catió, cedendo então a Companhia de Artilharia (CArt) 2478, e recebendo a Companhia de Caçadores (CCaç) 6, já em sector (Bedanda). Na tarde do dia 16 de Fevereiro, o Batalhão embarcou numa Lancha de Desembarque Grande (LDG), sendo o transporte efectuado durante a noite, tendo a lancha fundeado ao largo da foz do rio Tombali, aguardando o nascer do dia 17. Às primeiras horas deste dia foi feito o transbordo da força para as Lanchas de Desembarque Média (LDM) que as transportaram até aos locais do último destino. As unidades rendidas, servindo-se do mesmo transporte, recolheram a Bissau, apenas se cruzando nesse render da guarda.
O sector de Catió, onde o Batalhão esteve colocado em quadrícula, merece uma referência particular, porquanto se pretendia investigar uma unidade que tivesse estado numa localização difícil, encontrei uma que esteve no ponto mais difícil de toda a Guerra de África — o extremo sul da Guiné —. Por sua vez, o aquartelamento da Companhia, que estudei com maior detalhe, ficava «encostado» à terrível mata do Cantanhez. Conheço bem esta zona, visto ter aí prestado serviço no centro das operações, o que muito facilitou o diálogo ao longo da entrevista. Verifiquei, assim, que tinha reunido todas as condições para desenvolver um trabalho com autenticidade indiscutível, para o que a instituição militar me deu um contributo inestimável, por me ter indicado o Major-General Canha da Silva, como principal interlocutor para o estudo desta situação particular.
A zona atribuída ao Batalhão estava infiltrada por um inimigo que obtinha da República da Guiné considerável apoio, nomeadamente, permitia-lhe dispor naquele território de importantes bases logísticas, onde concentrava abundante material fornecido pelos países do bloco comunista, com frequência desembarcados no porto de Conakry. Essas bases eram simultaneamente locais de instrução e de reunião de combatentes. As que afectavam directamente a zona de acção do Batalhão localizavam-se em Boke, Kandiafara e Simbeli.
Este Batalhão, que embora de Artilharia, tinha uma formação e actividade igual às dos Batalhões de Infantaria, esteve colocado no extremo Sul da Província, entre Fevereiro de1969 e Dezembro de 1970. Durante este período, o Batalhão constituiu-se segundo dois dispositivos de quadrícula. No primeiro período, compreendido entre o dia 17 de Fevereiro de 1969 e o dia 1 de Outubro do mesmo ano, o Batalhão formou a quatro Companhias: a Companhia de Comandos e Serviços (CCS), duas CArt com os números 2476 e 2477, isto porque, a sua terceira Companhia, com o número 2478, foi deslocada para o Norte da Província, em reforço a outros batalhões, mas recebeu uma CCaç.
No entanto, e como a quadrícula era constituída por unidades de todas as Armas Combatentes do Exército, reforçadas por tropas nativas, o Batalhão tinha ainda responsabilidades de comando sobre os seguintes efectivos: cinco Pelotões de Canhão Sem Recuo (PCS/R), três Pelotões de Artilharia (PArt), estes sim, actuando efectivamente como artilharia, duas Companhias de Milícias (CM), uma da etnia “fula” e outra da etnia “balanta”, a primeira formando a quatro Pelotões (PM) e a segunda a três, um Pelotão de morteiros (Pm) e um Pelotão de Cavalaria de auto-metralhadoras Daimler (PAM).
O Batalhão com este efectivo assumiu um dispositivo de quadrícula formado por três Aquartelamentos e um Destacamento:
Aquartelamento de Catió
Neste Aquartelamento estavam estacionados o Comando do Batalhão, a CCS, o Comando da CArt 2476 e dois dos seus quatro Pelotões, o Pm, o PAM, um PCS/R, um PArt de 10,5 cm (2), o Comando da CM fula com um Pelotão estacionado em Priame e dois no Ilhéu de Infanda e um PM da etnia balanta.
a1) Destacamento de Cabedú
Neste Destacamento, estavam estacionados os outros dois pelotões da CArt 2476, um PArt de 8,8 cm e um PM da etnia balanta.
Aquartelamento de Cufar
Neste Aquartelamento estavam estacionados a CArt) 2477, três PCS/R, o Comando da CM da etnia balanta e um dos seus Pelotões.
Aquartelamento de Bedanda
Neste Aquartelamento estavam estacionados a CCaç, um PCS/R, um PArt de 14 cm e um PM da etnia fula.
Em 1 de Outubro de 1969 o sector sob a responsabilidade operacional do Batalhão n.º 2865 foi alargado até ao limite Sul da Província, sendo-lhe atribuídas competências administrativas e operacionais ou, como é mais comum dizer-se, logísticas e tácticas, sobre três outros aquartelamentos e dois novos destacamentos:
d) Aquartelamento de Guileje
Neste Aquartelamento estavam estacionados a CArt 2410, até aí independente, dois Pelotões de Caçadores Nativos e um PArt de 11,4 cm.

e) Aquartelamento de Gadamael Porto
Neste Aquartelamento estavam estacionados o Comando da CArt 2478, entretanto regressada à dependência do seu Batalhão, com dois dos seus Pelotões, um PAM reduzido de uma das suas Secções, dois PCS/R e o Comando da Companhia de Milícias n.º 12 e um dos seus Pelotões.
e1) Destacamento de Ganturé
Neste Destacamento, que funcionava como dependência do Aquartelamento de Gadamael Porto estavam estacionados os outros dois Pelotões da CArt 2478, uma Secção do PAM que estava estacionado em Gadamael Porto e um Pelotão da CM que estava, também, em Gadamael Porto. Neste Destacamento encontravam-se fracções das unidades cujos Comandos estavam no Aquartelamento base, Gadamael Porto.
Aquartelamento de Cacine
Neste Aquartelamento estavam estacionados o Comando da CCaç 2445 e dois dos seus Pelotões, um PAM e o Comando da CMi n.º 21 e dois dos seus Pelotões.
f1) Destacamento de Cameconde
Neste Destacamento, que funcionava como dependência do Aquartelamento de Cacine estavam estacionados os outros dois Pelotões da CCaç 2445, um PArt de 14 cm e um PM da CMi n.º 21.
Após este aumento da área sob a sua responsabilidade, o Batalhão 2865 passou a integrar seis Aquartelamentos e três Destacamentos, ou sejam, nove unidades fisicamente separadas, às quais havia ainda que acrescentar os três Pelotões de Milícias estacionados em tabancas localizadas em locais estratégicos. Este Batalhão ou estas unidades, no seu conjunto, eram constituídas por uma Companhia de Comandos e Serviços, quatro Companhias de Artilharia, duas Companhias de Caçadores, quatro Companhias de Milícias, com um total de doze Pelotões, dois Pelotões de Caçadores Nativos, sete Pelotões de Canhão S/R, um Pelotão de morteiros, três Pelotões de auto-metralhadoras, cinco Pelotões de Artilharia: um de 10,5 cm; um de 11,4 cm; e três de 14 cm.
No total, o Batalhão era constituído por onze Companhias e mais dezoito Pelotões não integrados directamente em Companhias. Esta verificação, real, conduz directamente à conclusão de que as tropas de quadrícula viveram numa estrutura organizativa ou numa formação, cujo enquadramento hierárquico era extremamente débil. Basta observar que o efectivo em presença corresponde ao efectivo normal de quatro Batalhões, mas que, numa situação de conflito, como era o caso, tinha apenas um comando. Sem estar a analisar todas as unidades, porque a situação era semelhante em todas elas, veja-se o caso de Ganturé, que ficando numa zona de extrema actividade inimiga, junto à fronteira com a República da Guiné e num local de passagem, de homens e material, em trânsito de e para aquela República, era comandado por um Alferes miliciano, quando se justificava e exigia que fosse comandado por um Capitão experiente.
Nestas unidades, cujo comando era exercido, quase sempre, por oficiais de patente muito inferior à que seria normal, sem experiência e baixa formação, com armamento de baixa tecnologia e eficiência, com equipamento as mais das vezes artesanal, sem instalações que protegessem o pessoal dos enormes calores e chuvas, com alimentação de baixa qualidade e insuficiente quantidade, com água que só a boa vontade podia considerar potável, com pouco fardamento e nem sempre recebido novo, os militares passaram “ali” dois anos da sua juventude, ali deixaram o seu futuro que não tiveram tempo de construir noutro lado e ali adquiriram doenças, por vezes irreversíveis. Tudo isto, para além das consequências dos actos próprios da guerra.
Contudo, o número de baixas foi reduzido e os actos de indisciplina escassos, o que revela à evidência e faz sobressair a existência de um outro factor que suportou esta guerra: o valor do “Soldado Português”, expressão que não utilizo referindo-me às Praças, mas ao “Homem Militar”: Praças, Sargentos e Oficiais, vistos globalmente, porque numa análise individual tem que se concluir que os homens não são todos iguais, em nenhuma profissão e a militar, com o elevado grau de risco incorporado, não é diferente, e se o for, é pela maior amplitude das diferenças.
No Mapa n.º 1 apresenta-se a localização geográfica das nove unidades que integravam e dependiam do Batalhão 2865 e a localização das tabancas de Priame e do Ilhéu de Infanda, onde estavam estacionados os PM. Assinalam-se, ainda, as tabancas de Cadique, Caboxanque e Jemberém onde, por acção de unidades de intervenção, tiveram lugar as «outras» acções da guerra: os combates violentos, travados entre grupos de guerrilhas experientes e motivados, e tropas altamente treinadas e de recrutamento especial, que não sofreram como as tropas de quadrícula, mas combateram com invulgar coragem e eficiência, devido à capacidade dos homens que as integravam.
O modo como se efectuou a rendição, com a substituição total das unidades em sector no curto espaço de poucas horas, as somente necessárias para as operações de desembarque da nova unidade e embarque da unidade rendida, apresentava numerosos inconvenientes e nenhumas razões que tornassem o procedimento recomendável. As novas unidades tinham que dar cumprimento imediato a toda uma actividade operacional de segurança que se lhes deparava de imediato e da qual não avaliavam a situação, desconhecendo os condicionalismos do meio e do terreno, não se encontravam familiarizados com a população e seus costumes, vendo-se obrigados a improvisar soluções de recurso incompatíveis a um ambiente de guerra, que se não compadece com improvisações e fragilidades. Com esta metodologia de rendição, não se aproveitava o acumular do conhecimento, impunha-se assim recomeçar tudo de novo.
Sobre este tema afirmou-me, em entrevista, o Tenente-Coronel Pára-Quedista Ângelo Mendes da Silva e Sousa: “não houve uma contínua sedimentação do conhecimento, através da experiência do terreno, do inimigo e dos combates” (3).
Se é certo que para contrariar estas circunstâncias houve o cuidado de antecipar a presença no Teatro de Operações (TO), do Comandante e do seu Oficial de Operações, a permanência do primeiro em Bissau, onde ficou em contacto com o Quartel General (QG) e a ida para o sector apenas do Oficial de Operações, só ilusoriamente contrariava os inconvenientes apontados para este tipo de rendição.
As considerações apontadas levam-me a considerar que só uma rendição processada progressivamente por fracções, que fossem sendo integradas na situação local e na actividade operacional e igualmente se fossem adaptando ao ambiente e familiarizando com os problemas locais, poderia apresentar condições de eficiência, segurança e continuidade aceitáveis. Estamos necessariamente a falar da experiência, materializada no conhecimento sobre a situação real do terreno, da comunidade que ali vivia e das particularidades específicas da guerrilha com que se iriam defrontar.
Mapa 1: Quadrícula do Batalhão de Artilharia n.º 2865 e Estacionamentos dos Pára-Quedistas no primeiro semestre de 1973.


Fonte: Conhecimentos pessoais apoiados por Canha da Silva e com recurso ao mapa da Guiné existente na Secção de Évora da Associação dos Deficientes das Forças Armadas.

Silva e Sousa considera que o Exército não teve nenhuma justificação para manter durante os treze anos de guerra, este tipo de rendições, “mudando os Batalhões em vez de mudar as pessoas”. Em jeito de conclusão sobre esta componente da guerra, e no final da longa entrevista que me proporcionou, afirmou este grande especialista de formação militar: “o EME privilegiou as suas cadeiras à doutrina da guerra, sendo incapaz de a perceber”.
A constituição da CCS carecia de interesse e proveito para o tipo de actuação no género de guerra que enfrentávamos, porque era mobilizado e empenhado um numeroso efectivo sem proporção com a sua utilidade e quando, o que fazia falta, eram forças combatentes. “Custa a aceitar a ocupação de capitães com alguma experiência de combate em funções que pouco vão além da burocracia e administração, enquanto que guarnições isoladas e exigindo capitães desembaraçados e experientes, são confiadas a comandos improvisados pela mobilização de oficiais do Q. C. (milicianos) sem vocação, ou experiência, que os recomende” (4).
Estávamos no início de 1969 e já se observava a inutilidade de funções, ditas de organização e administração, onde os Oficiais se agrupavam, naquilo a que venho designando como funções de conveniência, nas quais se não encontram outras justificações que não fossem as de se retirarem da Guerra, estando, aparentemente, nela. Estas situações foram-se adicionando progressivamente, até que, no limiar do ano de 1974, havia funções de conveniência para quase todos, senão mesmo todos, os Capitães de carreira, ficando a Guerra «entregue» aos Capitães milicianos.
NOTAS do texto:
(1) Este e vários outros documentos constituem peças produzidas ao longo da vida da unidade, como despachos, notas, normas, instruções e outras directrizes que foram ocorrendo. Compreensivelmente, os Oficiais mais responsáveis foram guardando cópias destes documentos, que me foram disponibilizados, e servindo agora de testemunho e prova da autenticidade do que me foi afirmado. Não se trata de documentos publicados, mas de peças de arquivo pessoal, embora sejam documentos oficiais.
(2) Corresponde ao diâmetro do cano (calibre) da peça de Artilharia, o mesmo é dizer, da granada que disparava. Neste sentido, o Pelotão constituía a guarnição que manipulava estas armas.
(3) Em entrevista, no dia 08/09/2002, no âmbito da presente investigação.
(4) Afirmação contida num documento interno do Batalhão, datado de Março de 1969, que me foi apresentado ao longo da entrevista.


(continua)

Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

domingo, 15 de agosto de 2010

M235 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - III


Continuação das mensagens M233 e M234

Manuel Godinho Rebocho
2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)Bissalanca/Guiné
1972 a 1974

O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M234 e M235:

III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES (continuação)
2 – A “AFRICANIZAÇÃO” PORTUGUESA
Portugal virou-se, continuamente e cada vez mais, para as Colónias, a fim de preencher a sua necessidade de efectivos militares, tal como fizera no passado, embora nunca com a dimensão destas Campanhas. As tropas africanas representavam uma tradição de serviço ou colaboração com Portugal em tempos de necessidade, desde os primórdios das Colónias. Em quase todos os anos, entre 1575 e 1930, houve uma campanha colonial algures na África portuguesa e as forças auxiliares e irregulares africanas provaram ser indispensáveis. Desde a chamada «guerra preta» das campanhas de 1681 até ao Século XX estas detinham um passado de lealdade e podiam ser reunidas num curto período de tempo (Boxer, 1963: 32). Esta flexibilidade significava que Portugal não tinha de mobilizar um grande número das suas tropas continentais e de transportá-las para África, em tempos de crise colonial. Embora as campanhas anteriores tivessem sido operações de pacificação e não do mesmo género das insurreições modernas, com a sua temática política tinham, no entanto, criado um precedente para a extensa africanização das Campanhas por Portugal.
Allen Isaacman fez uma valiosa apreciação do uso de tropas recrutadas localmente na campanha de 1870-1902 pelo controlo do vale do Zambeze, quando afirma: “A capacidade de Lisboa de recrutar uma grande força africana proporcionou um apoio crucial para o seu sucesso. Só menos de três por cento do total do exército de vinte mil homens eram de ascendência portuguesa” (Isaacman, 1976: 65). Esta informação histórica contribuiu de forma muito significativa, para se compreender a evolução do nosso Exército e a formação dos Oficiais de carreira. Como abundantemente se provou ao longo de toda a investigação, os Oficiais de carreira nunca comandaram tropas nativas, o que significa, muito claramente, que estas campanhas de ocupação foram comandadas pelos chamados «oficiais tarimbeiros» ou seja, aqueles que efectuavam o seu percurso com origem em Soldado.
No Século XX, a «guerra preta» continuou a ser utilizada, tanto em operações de pacificação, até ao seu final em 1930, como na Primeira Guerra Mundial, e resistiu como uma força considerável na defesa das Colónias (Dias, 1932: 611 a 619). O General Norton de Matos tinha recomendado, em 1924, que fossem mantidos em Angola níveis de tropas indígenas de 15000 regulares apoiados por um sistema que pudesse mobilizar mais 45000 reservistas em tempo de guerra (Norton, 1924: 85). A dependência continuada das tropas coloniais como fonte de efectivos, era uma política de defesa estabelecida, e em 1924 foi calculado que, de todas as fontes, 460 000 homens, em 28 divisões, podiam ser utilizadas numa crise nacional (Villas, 1924: 72). Neste cálculo, Angola e Moçambique deveriam fornecer 71 por cento, ou 20 divisões, totalizando 325 000 homens.
Moçambique fora também base fértil de recrutamento para necessidades de tropas noutras Colónias desde o princípio do Século XX. Eram formadas uma ou duas companhias por ano e utilizadas em turnos de dois anos entre 1906 e 1932 (Martins, 1936: 34). Estas utilizações incluíam quase todas as Colónias: Angola, Guiné, Timor, Macau, São Tomé e Índia. Consequentemente, a reputação das tropas moçambicanas estava bem estabelecida em 1961.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Portugal lutou em França, no Sul de Angola e no Norte de Moçambique. A maior campanha levada a cabo foi a defesa de Moçambique contra as incursões alemãs. Portugal enviou 32 000 homens da Metrópole e recrutou rapidamente outros 25 000 localmente (Cunha, Joaquim, 1977: 73; e, Selvagem, 1919: 410 a 416) (1).
Muitas companhias de pessoal indígena foram formadas e treinadas sob as mais difíceis condições, e tiveram um desempenho admirável nesta campanha. No final das hostilidades, um Major português que aí dirigira as tropas, reconheceu o seu papel vital neste conflito, afirmando: “Durante os quatro anos de luta, a nossa infantaria africana nativa lutou sempre com uma determinação corajosa, quando bem apoiada e dirigida... A maioria dos portugueses desconheceu esta valiosa colaboração pela causa por que lutávamos” (Aragão, 1926: 22 e 23).
Antes das campanhas de África (1961-1974), a história e os feitos das tropas africanas recrutadas localmente não foram muito apreciados, particularmente na Metrópole. A razão por que a sua contribuição permaneceu tão obscura é um mistério, apesar do facto ter sido o mais venerável de entre todos os poderes coloniais africanos (Cann, 1998: 133). John Cann considera esta falta de conhecimento público um mistério, todavia, a situação percebe-se claramente: os Oficiais de carreira, com mais cultura, foram os únicos a escrever as «crónicas dos feitos africanos»; como eles não comandavam, como nunca comandaram estas tropas, não lhes interessava elevar o seu desempenho, porque, ao fazê-lo, elevavam os feitos dos Oficiais tarimbeiros, que as comandavam. Afinal, as disputas entre os Oficiais dos vários quadros são tão antigas quanto o próprio Exército.
“Na campanha da África Oriental foram-nos muito dedicados os carregadores indígenas. Dos factos mais notáveis que testemunham essa dedicação podemos apontar, durante o cerco de Nevala, o feito de exemplar dedicação de uns 30 carregadores que foram buscar água a uns quilómetros de distância regressando uns 29, com a água colhida através das maiores dificuldades da marcha de noite, quando podiam facilmente ter fugido” (Martins, 1936: 80).
As Companhias de Carregadores, Auxiliares ou tropas de 3.ª linha tinham cerca de 150 homens e eram comandadas por Sargentos do Exército europeu (2), os quais, para o efeito, eram graduados em Capitães e passados alguns anos de bom desempenho, promovidos ao posto. Estes Oficiais eram conhecidos como “Oficiais da Mandioca” (3).
A longa experiência de “africanização” das nossas forças em África foi seguida no plano desenvolvido em 1968, no sentido de nivelar os esforços de recrutamento na Metrópole e expandir a força aos níveis desejados através do recrutamento cada vez maior no Ultramar. Os africanos que serviam nas unidades da frente representavam 30 por cento da força em 1966, e em 1971 tinham aumentado para 40 por cento. Esta expansão representou um aumento das tropas locais, em todos os teatros, de cerca de 30 000 para 54 500. No entanto, havia mais do que esta primeira camada de tropas no processo de “africanização”.
Antes das campanhas e deste aumento, as tropas locais foram reunidas não só pelas FA, mas também pelas autoridades civis e utilizadas como “unidades de segunda linha”, com as funções de guias, milícia civil, forças auxiliares, grupos de autodefesa para aldeias e outras funções especializadas (EME, B, Vol. I, 1988: 242). As unidades de autodefesa eram apenas civis armados que foram organizados e treinados para agir em defesa da sua aldeia, se esta fosse surpreendida pelos Guerrilheiros. A organização assim formada deu um certo grau de confiança às comunidades locais devido à capacidade, ainda que rudimentar, de defenderem os seus membros.
Em 1968 surgiram vários Grupos Especiais (GE) no Leste de Angola. Estes eram formados por rebeldes capturados ou por aqueles que se entregavam. Com o decorrer do tempo, foram utilizados em toda a Angola, especialmente no sector oriental. Havia noventa e nove grupos de GE e também estes foram incorporados nas forças regulares em 1972. Em 1974, estes noventa e nove grupos com a composição média de trinta e um homens totalizavam 3069 tropas.
Em Moçambique, os GE também foram organizados em 1970 e a sua estrutura, treino e funções eram semelhantes aos de Angola. A primeira organização consistia em seis grupos de 550 homens. Originalmente foram constituídos como pequenas unidades baseadas nos moldes de um típico pelotão ou grupo de combate ligeiro, e acabaram por atingir cerca de 7 700 homens em oitenta e quatro desses grupos. No princípio, eram liderados por Oficiais e Sargentos idos da Metrópole; no entanto, à medida que os quadros locais iam ganhando experiência, foram ocupando os lugares de comando e chefia.
Mais tarde, em 1971, os treinos dos GE foram alargados para incluir uma iniciação na qualificação de Pára-Quedistas. Foram estabelecidas doze unidades deste programa como Grupos Especiais Pára-Quedistas (GEP) e agregados à Força Aérea como um adicional das Tropas Pára-Quedistas normais. Cada uma das doze unidades tinha um Tenente como comandante, um Sargento especialista em operações psicológicas, quatro Sargentos como comandantes de subgrupo, dezasseis Cabos e quarenta e oito Praças, num total de setenta homens. Na totalidade, os GEP eram cerca de 840. Para além dos saltos de preparação, estas unidades raramente foram utilizadas nesta modalidade e eram posicionadas de helicóptero, à semelhança das unidades normais de Pára-Quedistas. Pode-se concluir que o seu treino especial era uma manifestação do interesse e apadrinhamento dos Pára-Quedistas portugueses pelo General Kaúlza de Arriaga, o qual, foi, enquanto Secretário de Estado da Aeronáutica, o criador das Tropas Pára-Quedistas.
Na Guiné, em 1964, foram criadas unidades semelhantes aos GE como forças para-militares, chamadas Milícias. Passaram a chamar-se Milícias Normais e Milícias Especiais, dependendo das funções de cada uma. As Milícias Normais tinham um papel defensivo, protegendo a população de ataques, viviam nas aldeias ou perto delas e estavam sob o controlo operacional do comandante militar local. A Milícia Especial conduzia operações de contra-insurreição ofensivas longe das defesas locais.
Em 1971, foi formado um Corpo de Milícias para integrar todas as Milícias e Tropas de 2.ª linha no Exército regular. O corpo foi organizado por companhias e juntou cerca de quarenta com mais de 8 000 homens, principalmente armados com espingarda G-3 e bazucas. Havia igualmente um Comando-Geral de Milícias que geria a sua administração e formação. A sua formação era conduzida em três centros e o respectivo curso durava três meses.
As Milícias eram bastante eficazes na protecção das aldeias e na consequente libertação de tropas regulares para outras operações. Já nas últimas etapas das campanhas, as Milícias eram responsáveis por 50 por cento dos contactos com os rebeldes. No final das campanhas, estas Milícias totalizavam quarenta e cinco companhias de Milícia Normal (cerca de 9 000 homens) e vinte e três grupos de Milícia Especial (cerca de 713 homens) (EME, B, Vol. III, 1988: 110).
Ainda na Guiné, os Comandos recrutados localmente eram conhecidos por Comandos Africanos (Cavalheiro, 1979: 1 e 2), cujas Praças eram integralmente constituídas por negros nativos. Acerca destas tropas diria Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, ao formar a 1.ª Companhia de Comandos Africanos, a 11 de Fevereiro de 1969, referindo-se às bases da sua formação e uso, conforme os princípios da africanização estabelecida em Lisboa em 1968: “A nossa Força Militar Africana tem-se afirmado gradualmente e inclui agora uma unidade de elite, a 1.ª Companhia de Comandos Africanos, formada exclusivamente pelos filhos nativos da Guiné... A vossa ascensão à posição de Comandos do Exército Português marca uma etapa significativa no progresso de todos os guineenses” (Cavalheiro, 1979: 1).
Ao transferir os seus esforços de recrutamento para o Ultramar para apoiar a Guerra de África, Portugal alcançou uma série de vantagens importantes. Em primeiro lugar, a pressão do recrutamento na Metrópole foi aliviada, com os consequentes benefícios na opinião pública. Nesta mudança, Portugal não só estava a seguir a tradição de utilizar tropas africanas para combater as guerras africanas, como também a aliviar os obstáculos domésticos à continuação da Guerra. Com esta mudança de atitude, diminuiu a pressão da mobilização na Metrópole, passando as necessidades de efectivos e as baixas a ser assumidas de forma crescente pelos recrutamentos locais nos três teatros de Guerra. Por conseguinte, havia menos testemunhos emocionais a regressar de África e a insatisfação pública doméstica manter-se-ia atenuada e até mesmo passiva por algum tempo.
Em segundo lugar, os africanos portugueses, que tinham o maior interesse nos resultados das Guerras e, por isso, a maior motivação para um final bem sucedido, iriam agora contribuir de forma visível para a luta. O envolvimento dos africanos na sua própria defesa era também visto como uma das melhores formas de mobilização política.
A partir do que fica analisado e desenvolvido, forçoso é concluir que os Altos Comandos Militares, função ao nível de Generalato, orientaram estrategicamente a Guerra, segundo as melhores perspectivas, face às aos recursos financeiros e humanos de que Portugal dispunha e do enquadramento internacional, que nos era totalmente desfavorável. O mesmo é dizer que este nível hierárquico possuía a formação adequada às funções que lhe foram atribuídas. Os erros e a falta de estratégia que influenciaram os resultados da Guerra de África são fundamentalmente da responsabilidade dos políticos. Isto não significa que se isentem os militares dos erros políticos que, nessas funções, possam ter cometido, mas tão só que se isola a estratégia militar da política, ainda que esta possa ser da responsabilidade da mesma pessoa singular. Se, com a informação disponível se pode ajuizar da formação deste nível de elites, não se pode, contudo, definir a sua origem segundo as hipóteses que à partida formulei.

NOTAS do texto:
(1) Carlos Selvagem é o pseudónimo do Oficial de Cavalaria Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos.

(2) Termo utilizado nos documentos oficiais das FA e na própria Lei.

(3) Informação colhida junto do Capitão Mendonça, Sub-Director da BE, no dia 12/09/2002. O Capitão Mendonça vem, há anos, estudando este tema. Segundo este entrevistado, a promoção de Sargentos a Capitão, para comandarem este tipo de tropas, terá existido até 1930.

(continua)
Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados


sábado, 14 de agosto de 2010

M234 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné II

Continuação da mensagem M233

Manuel Godinho Rebocho
2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)
Bissalanca/Guiné1972 a 1974

O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos anos.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciada na mensagem M234 :
III – A GUERRA DE ÁFRICA E O DESEMPENHO DAS ELITES MILITARES
O presente capítulo descreve, articula, analisa e explica a qualidade do desempenho das elites militares e o «sistema de forças» que Portugal instalou nos três teatros de operações em África, ao longo dos treze anos de duração da Guerra. Não pretendo abordar o conjunto das tropas em presença, mas o sistema de forças em acção. Portugal instalou e fez operar um sistema de forças estruturado, segundo as imagens que progressivamente se iam constituindo sobre a realidade de cada um dos três teatros de operações, respectivamente em Angola, em Moçambique e na Guiné.
A descrição e análise, objectiva e cuidada, da forma como as elites militares portuguesas conduziram e executaram a Guerra de África, impõe que se proceda a uma leitura do que sobre a matéria escreveram diversos especialistas no assunto, bem como sobre o que fizeram e como o levaram a efeito outros países em situações semelhantes. Ao pretender investigar a formação das elites militares, tenho que a objectivar em função de um fim, o qual, no caso vertente, era a condução e execução da Guerra de África. A qualidade e o valor dessa formação só pode ser aferido através da qualidade do desempenho que as elites militares tiveram nessa mesma Guerra.
Não me preocupa apreciar os currículos dos vários cursos, em termos abstractos, nem das diversas reformas que foram postas em curso ao longo dos vários anos em que foram formadas as elites que dirigiram ou executaram a Guerra. Preocupa-me sim, saber se as elites estavam ou não devidamente capacitadas para a execução das tarefas que lhe foram então cometidas. Neste sentido, analiso a formação das elites face ao respectivo desempenho, para depois se procurarem encontrar os fundamentos dos êxitos ou dos erros, os quais podem ter os seus fundamentos na formação técnico-táctica que as elites possuíam e, então, se analisam as reformas e os currículos que funcionarão como variáveis explicativas.
Estimo a formação a três níveis, que correspondem às minhas três hipóteses de trabalho, já atrás delimitadas, as quais hão-de confirmar se as elites estavam ou não dotadas das capacidades de comando, direcção ou combate, consoante o nível da estrutura hierárquica em que actuavam.
Para aferir as capacidades das elites militares segui duas linhas de investigação: na primeira comparei a Guerra de África, com guerras semelhantes nas quais estiveram envolvidos outros países, para concluir se os militares portugueses foram mais ou menos eficazes que os seus congéneres estrangeiros; na segunda compararei os militares portugueses entre si, no sentido de apreciar ou encontrar relevâncias que esclareçam, no contexto global do seu desempenho, o impacto da respectiva formação técnico-táctica, das características psicofisiológicas do combatente e da sua experiência.
1 – A GUERRA PORTUGUESA E AS OUTRAS GUERRAS

À procura de semelhanças ou diferenças entre a Guerra de África e as Guerras dos outros países, abordei obras de diversos autores que se dedicaram a esse estudo. Bernard Trainor, General americano, defendeu o seguinte sobre a Guerra de África: “enquanto outros estados europeus garantiam a independência às suas possessões africanas, Portugal decidia ficar e lutar, apesar das poucas probabilidades de vir a ser bem sucedido. Constitui um feito notável que o tenha conseguido com êxito durante treze anos nas três frentes de Angola, Guiné e Moçambique, em especial para uma nação de recursos tão modestos. Conquanto o exército tenha um importante papel na contra-guerrilha, no fundo continua a tratar-se de uma luta política. Como consequência, o papel das forças armadas não se cinge necessariamente a conseguir uma vitória militar imediata, mas a conter a violência, a proteger as pessoas de ameaças, a impedir o acesso de guerrilheiros às populações locais, às suas reservas de alimentos e de recrutamento, a ganhar a confiança com iniciativas sociais, e, através de tais actividades, a conseguir incutir nas chefias rebeldes o respeito suficiente para induzir negociações políticas. O exército português cumpria todos estes requisitos. A sua rota para o sucesso não foi sempre linear; no entanto, aprendeu com os seus erros e continuou flexível nas suas opiniões. Teve a capacidade de aprender enquanto actuava. No final, infelizmente, os políticos portugueses malbarataram as vitórias militares ganhas a tanto custo, recusando chegar a acordo com os revoltosos” (Cann, 1998: Prólogo).
Trainor, figura de relevo nestas matérias, considera que o Exército português desenvolveu os actos que estavam ao seu alcance, chegando mesmo a classificá-los de «feito notável». No entanto, não deixa de considerar que o Exército «aprendeu com os seus erros», considerando assim que os houve, esclarecendo, contudo, que a experiência é um factor a considerar, que ninguém possuía, no início do conflito.
E continua este General, professor universitário e investigador: “o exército português aperfeiçoou a sua filosofia e pô-la em prática de modo a competir com a estratégia das guerras prolongadas de guerrilha, e, ao fazê-lo, seguiu as lições colhidas das experiências britânicas e francesas em guerras de pequena escala. Portugal definiu e analisou o problema da insurreição à luz destes conhecimentos acumulados em contra-insurreição, desenvolveu neste contexto as suas políticas militares e aplicou-as ao ambiente colonial africano. O modo como os portugueses abordaram o conflito foi diferente, ao procurarem combinar o «pau de dois bicos» que era a estratégia nacional de conter os custos da guerra e de estender os encargos às colónias, com a solução no campo de batalha” (Cann, 1998: Prólogo).
Trainor, em mais este parágrafo, manifesta o seu apreço sobre a forma como as elites militares estruturaram a Guerra, salientando, uma vez mais, a habilidade como se utilizou a experiência alheia e se evoluiu na própria.
Para John Cann, outro Oficial americano relevante: “existem invariavelmente dois lados na história de cada guerra, e estas campanhas não foram excepção. O exército português foi confrontado com a difícil tarefa de «ganhar uma guerra de libertação nacional» numa época em que não era prudente conservar um império colonial. Numa guerra de tal cariz, a vitória pode ser conquistada militarmente, mas o mais provável é ser conseguida através de um compasso de espera, durante o qual o governo ganha credibilidade através do exército e de iniciativas sociais, e leva por esse meio os guerrilheiros a negociar. Conseguir fazê-lo não é proeza pequena, numa guerra em que os guerrilheiros procuram minar totalmente qualquer autoridade. (...) Infelizmente, os líderes políticos portugueses não tiveram visão e mantiveram-se afastados da realidade, tendo os sucessos militares e sociais sido desperdiçados pela intransigência política” (Cann, 1998: 9) (1).
Numa outra passagem da sua obra Cann acrescenta: “entre 1961 e 1974, Portugal enfrentou a tarefa extremamente ambiciosa de dirigir três campanhas de contra-insurreição simultaneamente: na Guiné, em Angola e em Moçambique. Nessa altura, Portugal não era um país rico nem desenvolvido. De facto, pela maioria dos padrões de avaliação económica, era o menos rico dos países da Europa Ocidental. Deste modo, constitui um feito notável que Portugal, em 1961, conseguisse mobilizar um exército, o transportasse para as suas colónias em África, a muitos quilómetros, aí estabelecesse numerosas bases logísticas em locais-chaves, de maneira a fornecer-lhe apoio, o preparasse com armas e equipamento especial e o treinasse para um tipo de guerra muito específico. O que se torna ainda mais digno de nota pelo facto de estas tarefas terem sido cumpridas sem qualquer experiência anterior, nem competência provada em campo, em matéria de projecção de poder ou de guerra de contra-insurreição, e, por conseguinte, sem beneficiar de instrutores competentes nessas especialidades. Para que se constate melhor este último ponto, e com excepção de algum episódio de pacificação colonial, Portugal não disparava um tiro desde a Primeira Guerra Mundial, quando a Alemanha invadiu o Norte de Moçambique e o Sul de Angola” (Cann, 1998: 19).
Tal como Trainor, também Cann não poupa elogios ao método desenvolvido por Portugal para conduzir a Guerra de África e, também ele, acentua a questão da experiência. Importa, contudo, tecer uma consideração: não se está, aqui, a apreciar a razão da Guerra, mas tão só a capacidade das elites para a sua condução. Quando defendo que fizeram bem, não estou a dizer «que fizeram bem em fazer a guerra» mas, tão só, que «fizeram bem a Guerra».
O objectivo principal numa guerra subversiva, como era o caso, consiste na conquista da população. Pode-se mesmo dizer que a população é o meio (no sentido de ambiente ou de campo de acção) no qual a subversão se processa, sendo também o objectivo a conquistar e ainda, uma das armas utilizadas para atingir esse objectivo. Nenhuma acção subversiva terá quaisquer probabilidades de êxito sem primeiro conseguir o apoio, voluntário ou forçado, consciente ou inconsciente, de uma parte numerosa da população; e, reciprocamente, uma vez conseguido esse apoio, as suas probabilidades de vitória são muito grandes. Como afirmou Mao-Tsé-Tung, “a população é para o insurrecto o mesmo que a água é para o peixe” (EME, Vol. I, 1963: Cap. I, 19).
A partir deste conhecimento as autoridades estabelecidas sabiam que, para combater a subversão, era necessário que fossem tomadas medidas que contrariassem as suas características. Desde logo, e porque sem população não há subversão, tinham que ser tomadas todas as medidas que impedissem a propaganda subversiva, no sentido de trazer a população para o lado das autoridades estabelecidas. Tanto mais que o que separa a população do Guerrilheiro é apenas o momento. Neste sentido, era por demais evidente que a luta contra a subversão não podia ser levada a efeito exclusivamente pelas forças militares através do combate à guerrilha. Mas, complementarmente, as forças militares podiam também ser utilizadas no apoio e assistência à população com os seus médicos e capelães, administrando justiça e instrução, fornecendo alimentação e medicamentos, aumentando-lhe o moral com a sua presença, bem como, quando necessário, assegurar o funcionamento de certos serviços essenciais desorganizados e auxiliar as autoridades e as suas forças policiais nas actividades que a estas competiam.
Importa conhecer a população que constituía o meio onde as forças portuguesas actuaram (2). Este caracterizava-se, quase sempre, por uma pequeníssima densidade de habitantes “civilizados” (3) e por habitantes nativos, em muito maior número, que tinham um nível de instrução muito baixo e costumes e crenças completamente diferentes dos europeus. Desta situação derivavam, para a luta contra a subversão, certas dificuldades que foram incidir em especial na organização, equipamento, instrução, instalação, modo de vida e combate das forças da ordem.
Se o mosaico populacional apresentava sérias dificuldades de actuação, as condições económicas portuguesas não eram melhores. Pelos padrões europeus, Portugal não possuía um aparelho económico poderoso com que pudesse suportar facilmente uma aventura militar distante e de grande envergadura. Basta comparar a situação portuguesa com a dos outros países, que enfrentaram guerras semelhantes que, todos eles, as perderam, para se concluir que assim era.
A Grã-Bretanha, que combateu na Malásia entre 1948 e 1960, e no Quénia entre 1952 e 1956; a França, que combateu na Argélia entre 1956 e 1962; e os EUA que combateram no Vietname entre 1965 e 1973. Ao lado destes veteranos em contra-insurreição, a economia de Portugal encontrava-se verdadeiramente anémica e levantava sérias dúvidas acerca da sua capacidade para sustentar um tal empreendimento militar. O PIB de Portugal nas vésperas da Guerra, em 1960, era de 2,5 biliões de dólares. O PIB da Grã-Bretanha era de 71 biliões de dólares, 28 vezes o de Portugal. O PIB da França era de 61 biliões de dólares, 24 vezes o de Portugal. O PIB dos EUA, era de 509 biliões de dólares, 203 vezes o de Portugal. Quando estes números se reduzem ao PIB per capita, que é o indicador da capacidade da riqueza produzida e tributada para apoiar uma Guerra, a relativa fraqueza económica de Portugal é tão evidente que suscita imediatamente a dúvida sobre a sua capacidade para sustentar e gerir qualquer Guerra (4).
Perante estes dados John Cann considera que Portugal “teria de adoptar estratégias diferentes das da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos. Teria de superar estas sérias limitações planeando formas de as contornar e de evitar o seu impacto directo na capacidade para gerir a guerra. Existiam dois elementos-chave que escoravam o esforço de Portugal neste campo. O primeiro era disseminar o mais possível o fardo da guerra; o segundo, manter o ritmo do conflito suficientemente lento para que os recursos fossem suficientes. Às práticas de contra-insurreição adoptadas por Portugal e que reflectiram estas duas políticas nacionais na condução das campanhas, pode dar-se o nome de «modo português de fazer a guerra»” (Cann, 1998: 29).
A interpretação deste autor quanto à forma como Portugal conduziu a Guerra de África, merece um amplo consenso. A situação não apresentava alternativa, pois a capacidade de Portugal manter uma campanha militar à distância teria de incluir, forçosamente, as vastas e dinâmicas economias de Angola e de Moçambique. No início do conflito, em 1962, o PIB de Portugal continental era de 2,88 biliões de dólares. A estes números devem acrescentar-se os 803,7 milhões do PIB de Angola, a importância semelhante de 835,5 milhões do PIB de Moçambique, e os 85,1 milhões da Guiné (Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1973: 76). Este quadro completo revela uma nação com um PIB de 4,6 biliões de dólares e modifica consideravelmente a equação da riqueza.
Segundo Cann, Portugal orientou o conflito disseminando os custos da Guerra e mantendo-a num ritmo lento, mas falta acrescentar que os militares portugueses, particularmente as Praças, prestaram o seu serviço militar praticamente sem qualquer vencimento (5). A alimentação fornecida a todos os militares era de má qualidade e de pouca quantidade: só a fome não escasseava. Os fardamentos apuravam-se até ao seu limite, passando de homem para homem: termo que uso intencionalmente, pois a distribuição de fardamento, já usado por outros militares, era extensiva a Sargentos e a Oficiais. As instalações, à excepção das existentes nas maiores cidades, não existiam: os militares viviam em tendas, quando as havia. Temos, então, que os custos com o pessoal foram extremamente reduzidos relativamente às outras guerras citadas.
Em resumo, os baixos custos da Guerra ficaram a dever-se às seguintes questões: baixa tecnologia da guerra, o que implicava baixos custos com material; baixa intensidade da guerra, o que implicava baixos consumos de material; baixos custos com pessoal, reflectindo-se nos baixos salários aos graduados; nos baixos (quase nulos) salários (pré) às praças; no fardamento muitas vezes já usado; na má alimentação, em quantidade e qualidade, e na inexistência de instalações.
Não obstante a situação descrita, em 1965, com quatro anos de Guerra, o orçamento da defesa representava 48 por cento do orçamento nacional de Portugal Continental. No fim do conflito, as três Colónias tinham contribuído aproximadamente com 16 por cento do orçamento da defesa (Cunha, Joaquim, 1977: 58). Esta contribuição, juntamente com a inclusão das economias coloniais, significava que Portugal estava a gastar em média, com a defesa, apenas cerca de 28 por cento do seu orçamento nacional, tendo alcançado um ponto culminante de 34 por cento em 1968 (Cunha, Joaquim, 1977: 61).
As Colónias não contribuíram para a guerra apenas em meios financeiros, visto o recrutamento local ter sido também significativo. Este teve início em 1961, com índices modestos, quando representava 14,9 por cento das forças em Angola, 26,8 por cento em Moçambique e 21,1 por cento na Guiné. Em 1974, por alturas do fim da guerra, e com a expansão das forças de segurança às milícias e outras organizações para-militares, os africanos representavam no total 50 por cento das forças em Angola, 50 por cento na Guiné e 54 por cento em Moçambique (Cunha, Joaquim, 1977: 130 e 159; e, EME, B, Vol. I, 1988: 259 e 260) para um total de 149 000 homens.
2 – A “AFRICANIZAÇÃO” PORTUGUESA
Portugal virou-se, continuamente e cada vez mais, para as Colónias, a fim de preencher a sua necessidade de efectivos militares, tal como fizera no passado, embora nunca com a dimensão destas Campanhas. As tropas africanas representavam uma tradição de serviço ou colaboração com Portugal em tempos de necessidade, desde os primórdios das Colónias. Em quase todos os anos, entre 1575 e 1930, houve uma campanha colonial algures na África portuguesa e as forças auxiliares e irregulares africanas provaram ser indispensáveis. Desde a chamada «guerra preta» das campanhas de 1681 até ao Século XX estas detinham um passado de lealdade e podiam ser reunidas num curto período de tempo (Boxer, 1963: 32). Esta flexibilidade significava que Portugal não tinha de mobilizar um grande número das suas tropas continentais e de transportá-las para África, em tempos de crise colonial. Embora as campanhas anteriores tivessem sido operações de pacificação e não do mesmo género das insurreições modernas, com a sua temática política tinham, no entanto, criado um precedente para a extensa africanização das Campanhas por Portugal.
Allen Isaacman fez uma valiosa apreciação do uso de tropas recrutadas localmente na campanha de 1870-1902 pelo controlo do vale do Zambeze, quando afirma: “A capacidade de Lisboa de recrutar uma grande força africana proporcionou um apoio crucial para o seu sucesso. Só menos de três por cento do total do exército de vinte mil homens eram de ascendência portuguesa” (Isaacman, 1976: 65). Esta informação histórica contribuiu de forma muito significativa, para se compreender a evolução do nosso Exército e a formação dos Oficiais de carreira. Como abundantemente se provou ao longo de toda a investigação, os Oficiais de carreira nunca comandaram tropas nativas, o que significa, muito claramente, que estas campanhas de ocupação foram comandadas pelos chamados «oficiais tarimbeiros» ou seja, aqueles que efectuavam o seu percurso com origem em Soldado.
No Século XX, a «guerra preta» continuou a ser utilizada, tanto em operações de pacificação, até ao seu final em 1930, como na Primeira Guerra Mundial, e resistiu como uma força considerável na defesa das Colónias (Dias, 1932: 611 a 619). O General Norton de Matos tinha recomendado, em 1924, que fossem mantidos em Angola níveis de tropas indígenas de 15000 regulares apoiados por um sistema que pudesse mobilizar mais 45000 reservistas em tempo de guerra (Norton, 1924: 85). A dependência continuada das tropas coloniais como fonte de efectivos, era uma política de defesa estabelecida, e em 1924 foi calculado que, de todas as fontes, 460 000 homens, em 28 divisões, podiam ser utilizadas numa crise nacional (Villas, 1924: 72). Neste cálculo, Angola e Moçambique deveriam fornecer 71 por cento, ou 20 divisões, totalizando 325 000 homens.
Moçambique fora também base fértil de recrutamento para necessidades de tropas noutras Colónias desde o princípio do Século XX. Eram formadas uma ou duas companhias por ano e utilizadas em turnos de dois anos entre 1906 e 1932 (Martins, 1936: 34). Estas utilizações incluíam quase todas as Colónias: Angola, Guiné, Timor, Macau, São Tomé e Índia. Consequentemente, a reputação das tropas moçambicanas estava bem estabelecida em 1961.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Portugal lutou em França, no Sul de Angola e no Norte de Moçambique. A maior campanha levada a cabo foi a defesa de Moçambique contra as incursões alemãs. Portugal enviou 32 000 homens da Metrópole e recrutou rapidamente outros 25 000 localmente (Cunha, Joaquim, 1977: 73; e, Selvagem, 1919: 410 a 416) (6).
Muitas companhias de pessoal indígena foram formadas e treinadas sob as mais difíceis condições, e tiveram um desempenho admirável nesta campanha. No final das hostilidades, um Major português que aí dirigira as tropas, reconheceu o seu papel vital neste conflito, afirmando: “Durante os quatro anos de luta, a nossa infantaria africana nativa lutou sempre com uma determinação corajosa, quando bem apoiada e dirigida... A maioria dos portugueses desconheceu esta valiosa colaboração pela causa por que lutávamos” (Aragão, 1926: 22 e 23).
Antes das campanhas de África (1961-1974), a história e os feitos das tropas africanas recrutadas localmente não foram muito apreciados, particularmente na Metrópole. A razão por que a sua contribuição permaneceu tão obscura é um mistério, apesar do facto ter sido o mais venerável de entre todos os poderes coloniais africanos (Cann, 1998: 133). John Cann considera esta falta de conhecimento público um mistério, todavia, a situação percebe-se claramente: os Oficiais de carreira, com mais cultura, foram os únicos a escrever as «crónicas dos feitos africanos»; como eles não comandavam, como nunca comandaram estas tropas, não lhes interessava elevar o seu desempenho, porque, ao fazê-lo, elevavam os feitos dos Oficiais tarimbeiros, que as comandavam. Afinal, as disputas entre os Oficiais dos vários quadros são tão antigas quanto o próprio Exército.
“Na campanha da África Oriental foram-nos muito dedicados os carregadores indígenas. Dos factos mais notáveis que testemunham essa dedicação podemos apontar, durante o cerco de Nevala, o feito de exemplar dedicação de uns 30 carregadores que foram buscar água a uns quilómetros de distância regressando uns 29, com a água colhida através das maiores dificuldades da marcha de noite, quando podiam facilmente ter fugido” (Martins, 1936: 80).
As Companhias de Carregadores, Auxiliares ou tropas de 3.ª linha tinham cerca de 150 homens e eram comandadas por Sargentos do Exército europeu (7), os quais, para o efeito, eram graduados em Capitães e passados alguns anos de bom desempenho, promovidos ao posto. Estes Oficiais eram conhecidos como “Oficiais da Mandioca” (8).
A longa experiência de “africanização” das nossas forças em África foi seguida no plano desenvolvido em 1968, no sentido de nivelar os esforços de recrutamento na Metrópole e expandir a força aos níveis desejados através do recrutamento cada vez maior no Ultramar. Os africanos que serviam nas unidades da frente representavam 30 por cento da força em 1966, e em 1971 tinham aumentado para 40 por cento. Esta expansão representou um aumento das tropas locais, em todos os teatros, de cerca de 30 000 para 54 500. No entanto, havia mais do que esta primeira camada de tropas no processo de “africanização”.
Antes das campanhas e deste aumento, as tropas locais foram reunidas não só pelas FA, mas também pelas autoridades civis e utilizadas como “unidades de segunda linha”, com as funções de guias, milícia civil, forças auxiliares, grupos de autodefesa para aldeias e outras funções especializadas (EME, B, Vol. I, 1988: 242). As unidades de autodefesa eram apenas civis armados que foram organizados e treinados para agir em defesa da sua aldeia, se esta fosse surpreendida pelos Guerrilheiros. A organização assim formada deu um certo grau de confiança às comunidades locais devido à capacidade, ainda que rudimentar, de defenderem os seus membros.
Em 1968 surgiram vários Grupos Especiais (GE) no Leste de Angola. Estes eram formados por rebeldes capturados ou por aqueles que se entregavam. Com o decorrer do tempo, foram utilizados em toda a Angola, especialmente no sector oriental. Havia noventa e nove grupos de GE e também estes foram incorporados nas forças regulares em 1972. Em 1974, estes noventa e nove grupos com a composição média de trinta e um homens totalizavam 3069 tropas.
Em Moçambique, os GE também foram organizados em 1970 e a sua estrutura, treino e funções eram semelhantes aos de Angola. A primeira organização consistia em seis grupos de 550 homens. Originalmente foram constituídos como pequenas unidades baseadas nos moldes de um típico pelotão ou grupo de combate ligeiro, e acabaram por atingir cerca de 7 700 homens em oitenta e quatro desses grupos. No princípio, eram liderados por Oficiais e Sargentos idos da Metrópole; no entanto, à medida que os quadros locais iam ganhando experiência, foram ocupando os lugares de comando e chefia.
Mais tarde, em 1971, os treinos dos GE foram alargados para incluir uma iniciação na qualificação de Pára-Quedistas. Foram estabelecidas doze unidades deste programa como Grupos Especiais Pára-Quedistas (GEP) e agregados à Força Aérea como um adicional das Tropas Pára-Quedistas normais. Cada uma das doze unidades tinha um Tenente como comandante, um Sargento especialista em operações psicológicas, quatro Sargentos como comandantes de subgrupo, dezasseis Cabos e quarenta e oito Praças, num total de setenta homens. Na totalidade, os GEP eram cerca de 840. Para além dos saltos de preparação, estas unidades raramente foram utilizadas nesta modalidade e eram posicionadas de helicóptero, à semelhança das unidades normais de Pára-Quedistas. Pode-se concluir que o seu treino especial era uma manifestação do interesse e apadrinhamento dos Pára-Quedistas portugueses pelo General Kaúlza de Arriaga, o qual, foi, enquanto Secretário de Estado da Aeronáutica, o criador das Tropas Pára-Quedistas.
Na Guiné, em 1964, foram criadas unidades semelhantes aos GE como forças para-militares, chamadas Milícias. Passaram a chamar-se Milícias Normais e Milícias Especiais, dependendo das funções de cada uma. As Milícias Normais tinham um papel defensivo, protegendo a população de ataques, viviam nas aldeias ou perto delas e estavam sob o controlo operacional do comandante militar local. A Milícia Especial conduzia operações de contra-insurreição ofensivas longe das defesas locais.
Em 1971, foi formado um Corpo de Milícias para integrar todas as Milícias e Tropas de 2.ª linha no Exército regular. O corpo foi organizado por companhias e juntou cerca de quarenta com mais de 8 000 homens, principalmente armados com espingarda G-3 e bazucas. Havia igualmente um Comando-Geral de Milícias que geria a sua administração e formação. A sua formação era conduzida em três centros e o respectivo curso durava três meses.
As Milícias eram bastante eficazes na protecção das aldeias e na consequente libertação de tropas regulares para outras operações. Já nas últimas etapas das campanhas, as Milícias eram responsáveis por 50 por cento dos contactos com os rebeldes. No final das campanhas, estas Milícias totalizavam quarenta e cinco companhias de Milícia Normal (cerca de 9 000 homens) e vinte e três grupos de Milícia Especial (cerca de 713 homens) (EME, B, Vol. III, 1988: 110).
Ainda na Guiné, os Comandos recrutados localmente eram conhecidos por Comandos Africanos (Cavalheiro, 1979: 1 e 2), cujas Praças eram integralmente constituídas por negros nativos. Acerca destas tropas diria Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, ao formar a 1.ª Companhia de Comandos Africanos, a 11 de Fevereiro de 1969, referindo-se às bases da sua formação e uso, conforme os princípios da africanização estabelecida em Lisboa em 1968: “A nossa Força Militar Africana tem-se afirmado gradualmente e inclui agora uma unidade de elite, a 1.ª Companhia de Comandos Africanos, formada exclusivamente pelos filhos nativos da Guiné... A vossa ascensão à posição de Comandos do Exército Português marca uma etapa significativa no progresso de todos os guineenses” (Cavalheiro, 1979: 1).
Ao transferir os seus esforços de recrutamento para o Ultramar para apoiar a Guerra de África, Portugal alcançou uma série de vantagens importantes. Em primeiro lugar, a pressão do recrutamento na Metrópole foi aliviada, com os consequentes benefícios na opinião pública. Nesta mudança, Portugal não só estava a seguir a tradição de utilizar tropas africanas para combater as guerras africanas, como também a aliviar os obstáculos domésticos à continuação da Guerra. Com esta mudança de atitude, diminuiu a pressão da mobilização na Metrópole, passando as necessidades de efectivos e as baixas a ser assumidas de forma crescente pelos recrutamentos locais nos três teatros de Guerra. Por conseguinte, havia menos testemunhos emocionais a regressar de África e a insatisfação pública doméstica manter-se-ia atenuada e até mesmo passiva por algum tempo.
Em segundo lugar, os africanos portugueses, que tinham o maior interesse nos resultados das Guerras e, por isso, a maior motivação para um final bem sucedido, iriam agora contribuir de forma visível para a luta. O envolvimento dos africanos na sua própria defesa era também visto como uma das melhores formas de mobilização política.
A partir do que fica analisado e desenvolvido, forçoso é concluir que os Altos Comandos Militares, função ao nível de Generalato, orientaram estrategicamente a Guerra, segundo as melhores perspectivas, face às aos recursos financeiros e humanos de que Portugal dispunha e do enquadramento internacional, que nos era totalmente desfavorável. O mesmo é dizer que este nível hierárquico possuía a formação adequada às funções que lhe foram atribuídas. Os erros e a falta de estratégia que influenciaram os resultados da Guerra de África são fundamentalmente da responsabilidade dos políticos. Isto não significa que se isentem os militares dos erros políticos que, nessas funções, possam ter cometido, mas tão só que se isola a estratégia militar da política, ainda que esta possa ser da responsabilidade da mesma pessoa singular. Se, com a informação disponível se pode ajuizar da formação deste nível de elites, não se pode, contudo, definir a sua origem segundo as hipóteses que à partida formulei.

Notas:
(1) John P. Cann, Oficial-Aviador da Marinha Norte-Americana na reserva, fez parte do Gabinete do Secretário Auxiliar da Defesa para Operações Especiais e Conflitos de Baixa Intensidade e, mais tarde, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Defesa. Doutorado em Estudos de Guerra pelo King’s College, da Universidade de Londres, tem publicado artigos sobre o tema da contra-insurreição. Prestou também serviço no Pentágono e no Comando Ibérico da NATO, em Oeiras.
(2) Sobre o tema «população» desenvolvi um estudo aprofundado, particularmente, no campo dos hábitos e da religião, porém, por “economia” de páginas da obra, resumi esse trabalho em apenas algumas linhas.
(3) Termo utilizado nos documentos oficiais das FA.

(4) Para melhor aprofundamento sobre esta matéria ver Cann, 1998, o qual desenvolve este tema com grande profundidade.
(5) Os vencimentos das Praças nem chegavam para os pequenos vícios pessoais: tabaco, café e algumas bebidas. Eram os pais e outros familiares que, da Metrópole, enviavam alguns reforços monetários, como forma de complemento, situação que eu próprio vivi enquanto Praça em Angola, em 1969 e 1970.
(6) Carlos Selvagem é o pseudónimo do Oficial de Cavalaria Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos.

(7) Termo utilizado nos documentos oficiais das FA e na própria Lei.
(8) Informação colhida junto do Capitão Mendonça, Sub-Director da BE, no dia 12/09/2002. O Capitão Mendonça vem, há anos, estudando este tema. Segundo este entrevistado, a promoção de Sargentos a Capitão, para comandarem este tipo de tropas, terá existido até 1930.

(continua)

Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

terça-feira, 10 de agosto de 2010

M233 - Manuel Godinho Rebocho - Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12


Manuel Godinho Rebocho
2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)Bissalanca/Guiné1972 a 1974


Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos anos.

Foi com muita satisfação pessoal e desde já com os meus melhores agradecimentos amigos, que este nosso camarada-de-armas da guerra do Ultramar, acedeu amável e incondicionalmente à publicação das partes operacionais do seu bem delineado livro, a que daremos início no presente poste, com seu o currículo pessoal, os agradecimentos, a constituição do livro, nota do autor e prefácio:

Currículo 

Manuel Godinho Rebocho nasceu a 4 de Dezembro de 1949, numa aldeia próxima de Évora. Ingressou como voluntário nas Tropas Pára-Quedistas aos 18 anos. Efectuou o antigo 5.º ano dos Liceus durante a sua comissão de serviço na Guiné, entre 1972 e 1974. Preparou-se para os exames do antigo 7.º ano dos Liceus durante a sua prisão, resultante dos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, de cujos actos foi judicialmente ilibado. Por ordem do então Chefe do Estado-Maior da Força Aérea permaneceu em residência fixa até 1982, o que o impediu de ingressar na Academia Militar, em 1976. Como alternativa à Academia, e com a devida autorização judicial, ingressou na Universidade de Évora, em 1976.
É Eng.º Agrónomo, Mestre em Economia Agrícola e Doutorado em Sociologia (ramo Sociologia da Paz e dos Conflitos). É Sargento-Mor Pára-Quedista, na reserva, à qual passou por limite de tempo no posto (oito anos).


AS ELITES MILITARES
E AS GUERRAS D’ÁFRICA
Aos que, na Guerra de África,
Deram parte de si à Pátria
E a Pátria nada lhe deu
AGRADECIMENTOS

A investigação desenvolvida e necessária para redigir a presente obra nunca seria possível sem que um elevado número de pessoas e instituições me tivessem concedido o seu apoio. Os dados estão dispersos, uns disponíveis em suporte de papel, outros constando apenas da memória de quem os viveu, deles ainda se recorda e se disponibilizou para os relatar. A todas estas pessoas e instituições, sem qualquer excepção, expresso o meu mais profundo agradecimento.
Quero agradecer particularmente à minha mulher, Maria Jacinta, e aos meus filhos Cláudia Leonor e Nuno Miguel, o apoio e incentivo que me expressaram.
À Professora Doutora Maria José Stock, agradeço todo o apoio que me concedeu na estruturação e leitura do texto. Creio mesmo que, sem o seu apoio, não teria alcançado o meu objectivo, nem a qualidade da obra atingiria o patamar que julgo ter conseguido.
À Instituição Militar, particularmente ao Exército, agradeço a permissão para consultar os múltiplos arquivos militares, onde obtive a informação que sustenta a obra; sem essa consulta seria absolutamente impossível efectuar a investigação com a objectividade conseguida.

O livro tem a seguinte estrutura e sequência de anexos:

Título
Dedicatória
Índice
Prefácio (páginas 1 a 6)
I Capítulo (páginas 7 a 82)
II Capítulo (páginas 83 a 240)
III Capítulo - desdobrado em 4 anexos - (páginas 241 a 428)
III I (páginas 241 a 341)
III II (páginas 342 a 369)
III III (páginas 370 a 400)
III IV (páginas 400 a 428)
IV Capítulo (páginas 429 a 506)
V Capítulo (páginas 507 a 532)
VI Posfácio (páginas 533 a 548)
VII Bibliografia (páginas 549 a 596)
Currículo Pessoal

NOTA DO AUTOR
O trabalho de investigação que desenvolvi, ao longo de vários anos, cujo resultado final constitui a presente obra, teve como fontes de informação fundamentais a análise que efectuei sobre diversos documentos militares, a minha própria experiência e um vasto número de entrevistas a Oficiais do Quadro Permanente.
A investigação científica que realizei provou que, no decurso da Guerra de África, os Oficiais do Quadro Permanente foram-se progressivamente afastando do Comando Operacional, para se instalarem nas posições de gestão militar. Desta situação, inusitada, resultaria terem sido os Milicianos quem, de facto, comandou as Unidades de Combate, nos últimos e mais gravosos anos da Guerra.
Reconhecendo esta situação e dado não ter ouvido, na dimensão adequada, os graduados milicianos, nem lhes ter dado o destaque que justamente merecem, entendi, para corrigir este lapso, convidar um miliciano para prefaciar a presente obra, para além de ter igualmente convidado um miliciano de cada uma das suas classes: Capitães, Alferes e Furriéis, para escreverem livremente um depoimento sob a forma de posfácio, enfatizando particularmente a sua experiência enquanto combatentes. Presto, assim, o meu total reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos Milicianos no seu todo, ao longo da Guerra de África.
PREFÁCIO
O dado fulcral, que faz da obra de Manuel Rebocho um caso singular, escorado basicamente em procedimentos metodológicos da “nova” sociologia, a observação-acção, ou melhor a observação empenhada, como dela disse Adriano Moreira durante a discussão académica, é o ponto de partida do investigador: foi a sua participação e envolvimento directo na guerra que, anos depois, viria a despoletar o seu interesse sociológico no tema, a ponto de a estudar e de apresentar a escrutínio doutoral os resultados a que chegou.
Não espanta, por isso, que, uma vez e muitas, se pressinta alguma dificuldade de “afastamento” e “isenção” do autor face ao real que analisa. Mas isso não menoriza ou empobrece a qualidade científica do trabalho, antes o valoriza: afinal foi feito por quem, com instrumentos da ciência social, se debruça sobre o que viveu e sofreu. Este trabalho, no essencial da obra, deve ser, por isso, entendido como portador de uma parcela autobiográfica, como uma “história de vida”, como sublinhou Maria José Stock, orientadora do novel Doutor.
Se é verdade que a Guerra Colonial demorou alguns anos a tornar-se tema ficcional, já hoje há obras bastantes, particularmente testemunhos pessoais mais ou menos ficcionados, que permitem uma visão global sobre a vida no teatro de operações. O mesmo não pode dizer-se quanto a estudos académicos sobre o interior da instituição que fez a guerra, as Forças Armadas. Este trabalho de Manuel Rebocho vem iluminar zonas das nossas últimas Campanhas em África que até agora se mantinham na sombra.
A radical mudança política operada em Portugal em 1974, protagonizada, aliás, pelas Forças Armadas que triunfando sobre a ditadura abriram, “ipso facto”, caminho à sua “derrota” na Guerra Colonial, não propiciou, por isso, condições facilitadoras do estudo do processo “Guerra Colonial”.
Ao rastrear os “curricula” e a formação dos oficiais, particularmente após 1959 – ano da criação da Academia Militar –, quando se tornara imparável e acelerado o movimento independentista dos territórios africanos administrados por potências coloniais e, face à intransigente política “ultramarina” de Salazar, a guerra era inevitável. Manuel Rebocho concluiu que a Academia Militar passou então a preparar a elite não para o comando operacional, mas sim para funções técnicas e administrativas.
Em vez de comandantes operacionais, os militares do quadro permanente, na sua esmagadora maioria e nos mais diversos escalões, tornaram-se, progressivamente, ao longo dos treze anos que a guerra durou, “administradores” da logística e gestores da estratégia dos três teatros de operações.
A guerra no terreno, na frente de combate, assente numa quadrícula à base da companhia e realizada quotidianamente a nível de meia companhia ou, mesmo, de pelotão, essa, passou a ser feita quase exclusivamente, por capitães e alferes milicianos que enquadravam furriéis milicianos e praças do serviço militar obrigatório – essa foi, de facto, a “guerra” em que eu combati, no norte de Moçambique, e foi a conclusão generalizada a que chegou Manuel Rebocho. Chamou-lhe, ele, a milicianização da guerra.
Sem a triagem quantitativa que este estudo nos aporta, já outros, antes, tinham chamado à atenção para este aspecto da gestão cirúrgica do pessoal; Diniz de Almeida refere que “acentuadas diferenças de colocação dos oficiais, quer do Q. P. (Quadro Permanente) quer do Q. C. (Quadro de Complemento), determinavam ainda a vida particular e profissional dos militares originando, assim, um novo quadro de injustiça a corrigir. Deste modo, em função das mais diversas motivações, eram normalmente colocados em funções burocráticas ou em quartéis de cidade, os oficiais afectos ao regime. Quanto aos restantes, menos identificados com o regime, aguardavam-nos, regra geral, os postos longínquos e incómodos do mato.”
Após dez anos de guerra, no dia-a-dia, os pouquíssimos militares profissionais (Quadro Permanente e Serviço Geral) que estavam na frente de combate “nunca” saíam para o mato, ficando no “arame farpado” em funções de comando, colheita e coordenação de informações, planeamento de operações e apoio logístico; na picada e no mato andavam os capitães, alferes e furriéis milicianos e os cabos e soldados do serviço militar obrigatório. A estes juntavam-se, no mato, mais ou menos regularmente segundo as dificuldades do teatro de operações, companhias de comandos, de fuzileiros e de pára-quedistas, nas quais, aí sim, os soldados eram enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente.
Foi essa realidade vivida na “frente” que Manuel Rebocho veio, agora, com números “arrasadores”, constatar: no Leste de Angola, de 1971 a 1974, das 68 companhias só 3 tinham capitães oriundos da Academia Militar; em Moçambique, em 1973, das 101 companhias apenas 1 era comandada por um capitão do Quadro Especial de Oficiais, e esse estava lá “por castigo”!
Reflexos dessa forma de administrar sabiamente “os riscos”, colhem-se, ainda hoje, quando se analisam as listagens de sócios da Associação dos Deficientes das Forças Armadas: o padrão médio indica-nos que cerca de 92% eram militares do Serviço Militar Obrigatório.
A gestão do pessoal afecto à guerra, feita pelas chefias militares, em seu benefício e salvaguarda, foi possível, sem escrutínio do poder político, porque o regime não permitia que, sequer, se questionasse a sua existência, nem mesmo na campanha eleitoral da “primavera marcelista”. O Ministro do Ultramar, Silva Cunha, era muito claro quanto a isso, dizendo que “o Governo não ia dizer (...) às Forças Armadas como combater” porque “a questão militar estava à parte do Governo, e a responsabilidade cabia ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
Ao considerar a “Guerra do Ultramar” como desígnio patriótico, inevitável e inegociável, porque culpa do “outro” e dos ventos da história, a ditadura remetia, implicitamente o seu êxito ou inêxito para a esfera militar, tanto mais que garantia na Metrópole, na retaguarda, as condições ideais para o êxito das nossas tropas, ao não permitir que a opinião pública a contestasse, a condenasse. Tal situação até dispensou, em última análise, o poder político de apetrechar as frentes com condições logísticas e de material de combate capazes de potenciar as hipóteses de êxito militar.
Até ao fim da Guerra, uma vara ou uma cana de bambu a que se atava uma ponteira de aço afiada, era o nosso detector de minas – o que explica o número “indecoroso” de amputados e de cegos que a guerra produziu.
Por isso, às vezes, ainda acordo a meio da noite, quando não devia, no estertor de um pesadelo.
Manuel Joaquim Calhau Branco
Licenciado e Mestre em História
Ex-Alferes Miliciano; deficiente das Forças Armadas.

Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

(continua)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

M232 - RANGER Inverno do 2º Curso de 1972



RANGER António InvernoAlferes Miliciano de Operações Especiais2º Curso de 1972GUINÉ 1972/74
Com uma Kalashnikov AK-47 

Mais um RANGER apresenta notícias suas neste blogue, o António Inverno que foi Alferes Miliciano na Guiné, comandando e combatendo por Portugal, nas 1ª e 2º Companhia de Caçadores do Batalhão de Artilharia 6522 e no Pelotão de Caçadores Nativos 60, na região de S. Domingos, nos anos entre 1972 e 1974. 



Conta-nos ele:
O meu Serviço Militar iniciou-se em 4 de janeiro de 1972, tendo assentado praça na Escola Pratica de Cavalaria, em Santarém, onde completei a recruta.
Dado o bom desempenho ao longo da recruta, fui enviado para o C.I.O.E., em Lamego, mais concretamente para o quartel de Penude, em Abril desse mesmo ano, onde concluí com aproveitamento o 2º curso de Operações Especiais/RANGER de 1972. 
Era hábito naquela Unidade, nesse tempo, os primeiros classificados serem convidados a ficarem por lá a prestar instrução e monitoragem, pelo menos ao curso seguinte.
Como a minha classificação final foi alta, aceitei o convite do comandante de instrução e fiquei por lá mais 3 meses a ajudar a “massacrar” o pessoal do 3º curso de 1972. 

Em Outubro fui integrado no Batalhão de Artilharia 6522, que embarcou para a Guiné em 6 de Dezembro de 72.
Chegado á Bissau embarcamos numa LDG para Bolama, onde realizamos o I.A.O. e onde conheci pela 1ª vez o Marcelino da Mata, que, com o seu grupo de combate, nos presenteou com algumas demonstrações e nos intruiu com várias dicas sobre os modos como se devia andar no mato, bem como sobre os cuidados a ter em relação ao IN. 

Logo no 2º dia em Bolama travamos o 1º contacto com o IN. 

Eles sabiam que tinham chegado os piras e resolveram flagelar Bolama a partir da ilha de S. João, digamos que a darem-nos as “boas-vindas”. 

Acabado o I.A.O., o batalhão foi colocado em Ingoré e procedeu-se à distribuição das companhias, pelo Sedengal, S. Domingos, Susana e Ponta Varela. 

Em S. Domingos, como um pouco por todo o território continuaram os ataques do P.A.I.G.C., com canhões sem recuo, morteiros de 82 mm e foguetes de 122 mm. 

Obviamente era costume manter a tropa frequentemente no mato, para tentar evitar que o IN se aproximasse muito dos aquartelamentos, segurança às colunas de viaturas, colocação de minas nos locais mais suspeitos, etc. 

Seria escusado dizer que todas as acções passiveis de maior perigo sobraram sempre aqui para este RANGER e, por isso, passei a comandar simultaneamente o meu grupo de combate e o Pel Caç Nat 60, já referenciado em anteriores mensagens neste blogue. 

Assim acabei por percorrer várias áreas do batalhão com o Pel Caç Nat 60. 

Mais tarde apareceu para comamdar o Pel CAaç Nat 60, o Alferes João Uloma (dos comandos africanos), de quem fiquei amigo e com quem fiz algumas incursões, por vezes dentro do Senegal e foi aqui que teve início a história da “Kalash”, que me foi trazida por ele juntamente com 5 carregadores cheios,experimentei-a,gostei dela e adoptei-a,e que passei a usar, não por ter algo contra a G3, mas porque era mais “maneirinha” e me dava mais mobilidade, além de ser útil porque confundia o IN. 

Soube mais tarde que o Alferes Uloma foi fuzilado pelo PAIGC, como aliás tantos outros. 

Em Setembro de 1974, fui eu que executei a cerimónia do arriar da Bandeira Nacional e testemunhei o acto de içar a bandeira da Guiné-Bissau, antes de partir para o porto local, onde me esperava uma LDM que me levaria para Bissau. 

Jamais esquecerei a tristeza que vi estampada nos rostos dos Felupes do Pelotão de Caçadores Nativos 60, quando me vim embora. Pareceu-me que aqueles Homens já adivinhavam o que os esperava, principalmente a do 1º Cabo Agostinho que muitas vezes me dava conselhos sobre a arte de montar emboscadas nos supostos percursos por onde o IN movimentava o seu material de guerra, a partir do Senegal para dentro da Guiné e nos locais de cambança. 

Nunca me arrependi de ter aceitado as suas sugestões. 

Por ultimo quero só dizer que jamais esquecerei a Guiné por todos os motivos já conhecidos e sentidos por todos nós e um, em especial, que não posso deixar de referenciar, que era o cheiro/odor da mata e da bolanha às 07h00 da manhã, que me entrou no sangue e perdurará para sempre.


Toca a gramar um dos diversos oficiais-de-dia
á companhia em S. Domingos na Guiné
Um abraço,
António Inverno
Alf Mil OpEsp/RANGER do BART 6522 e Pel Caç Nat 60

domingo, 1 de agosto de 2010

M231 - C.I.P.O.E. 2010 = Convívio Internacional de Patrulhas de Operações Especiais

CONVÍVIO * EMOÇÃO * AVENTURA * DESAFIO * DISCIPLINA * CAMARADAGEM * ALEGRIA
Aí está o:


RANGERS, Familiares & AmigosC.I.P.O.E. 2010
10, 11 e 12 de SetembroMarco de Canavezes

Está assumido o regresso do evento anual denominado por C.I.P.O.E. – (Convívio Internacional de Patrulhas de Operações Especiais), sendo já a sétima edição, tem por objectivo, reavivar e manter o espírito, praticando actividades desportivas baseadas nos conhecimentos militares/airsoft adquiridos, em permanente contacto com a natureza. Este evento não se trata de uma competição, mas sim de uma reciclagem dos conhecimentos adquiridos.

Este ano e mais uma vez resolveu-se contemplar a região do concelho de Marco de Canavezes para a sua realização pelas mais valias das condições oferecidas quer a nível geográficas e logísticas quer nos apoios já reconhecidos nos anos transactos necessários ao desenrolar do evento.

Este evento, previsto para os dias 10, 11 e 12 de Setembro, terá lugar, mais especificamente, nas regiões de Favões, Ariz e Vila Boa do Bispo em torno do Rio Tâmega, contando novamente com a colaboração de uma associação Espanhola homóloga da Galiza denominada “Asociación de Veteranos Boinas Verdes de Galicia”.

O C.I.P.O.E. como evento anual e pela análise feita dos anos transactos tem causado no público em geral e no mais interessado neste tipo de eventos uma certa curiosidade e afluência ao local das provas tendo as participação, desde a primeira realização, aumentado de forma exponencial levando a organização a limitar o número de participantes por não ter condições de oferecer a devida qualidade a um número superior.

Este ano contamos novamente com o apoio do Exército Português, e divulgação oficial nos meios de comunicação social generalistas com mais impacto no território Português.

Este tipo de prova associa todas aquelas aprendizagens militares e modalidade Airsoft que se possam traduzir em desportos, aplicando-os neste evento. Efectuam-se provas tácticas à realidade da modalidade AIRSOFT, provas de orientação por carta topográfica à escala de 1/25000 onde serão criados vários cenários de aventura que irão ao encontro da mais pura realidade.

Todos os interessados em participar devem desde já preparar a sua equipa/patrulha e efectuar reserva: (pinto.ar.hci@gmail.com) para que a Organização analise e aprove a participação da equipa em questão, não esquecer que todos os elementos devem ter equipamento usual na modalidade de AIRSOFT.

“VII Edição C.I.P.O.E. onde o AIRSOFT Acontecerá”

O Programa é o seguinte:

Inscrições para:
António Pinto
e-mail: pintoranger@gmail.com
Tlm: 939 884 185
http://cipoe.no.sapo.pt/