terça-feira, 10 de agosto de 2010

M233 - Manuel Godinho Rebocho - Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12


Manuel Godinho Rebocho
2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)Bissalanca/Guiné1972 a 1974


Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos anos.

Foi com muita satisfação pessoal e desde já com os meus melhores agradecimentos amigos, que este nosso camarada-de-armas da guerra do Ultramar, acedeu amável e incondicionalmente à publicação das partes operacionais do seu bem delineado livro, a que daremos início no presente poste, com seu o currículo pessoal, os agradecimentos, a constituição do livro, nota do autor e prefácio:

Currículo 

Manuel Godinho Rebocho nasceu a 4 de Dezembro de 1949, numa aldeia próxima de Évora. Ingressou como voluntário nas Tropas Pára-Quedistas aos 18 anos. Efectuou o antigo 5.º ano dos Liceus durante a sua comissão de serviço na Guiné, entre 1972 e 1974. Preparou-se para os exames do antigo 7.º ano dos Liceus durante a sua prisão, resultante dos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, de cujos actos foi judicialmente ilibado. Por ordem do então Chefe do Estado-Maior da Força Aérea permaneceu em residência fixa até 1982, o que o impediu de ingressar na Academia Militar, em 1976. Como alternativa à Academia, e com a devida autorização judicial, ingressou na Universidade de Évora, em 1976.
É Eng.º Agrónomo, Mestre em Economia Agrícola e Doutorado em Sociologia (ramo Sociologia da Paz e dos Conflitos). É Sargento-Mor Pára-Quedista, na reserva, à qual passou por limite de tempo no posto (oito anos).


AS ELITES MILITARES
E AS GUERRAS D’ÁFRICA
Aos que, na Guerra de África,
Deram parte de si à Pátria
E a Pátria nada lhe deu
AGRADECIMENTOS

A investigação desenvolvida e necessária para redigir a presente obra nunca seria possível sem que um elevado número de pessoas e instituições me tivessem concedido o seu apoio. Os dados estão dispersos, uns disponíveis em suporte de papel, outros constando apenas da memória de quem os viveu, deles ainda se recorda e se disponibilizou para os relatar. A todas estas pessoas e instituições, sem qualquer excepção, expresso o meu mais profundo agradecimento.
Quero agradecer particularmente à minha mulher, Maria Jacinta, e aos meus filhos Cláudia Leonor e Nuno Miguel, o apoio e incentivo que me expressaram.
À Professora Doutora Maria José Stock, agradeço todo o apoio que me concedeu na estruturação e leitura do texto. Creio mesmo que, sem o seu apoio, não teria alcançado o meu objectivo, nem a qualidade da obra atingiria o patamar que julgo ter conseguido.
À Instituição Militar, particularmente ao Exército, agradeço a permissão para consultar os múltiplos arquivos militares, onde obtive a informação que sustenta a obra; sem essa consulta seria absolutamente impossível efectuar a investigação com a objectividade conseguida.

O livro tem a seguinte estrutura e sequência de anexos:

Título
Dedicatória
Índice
Prefácio (páginas 1 a 6)
I Capítulo (páginas 7 a 82)
II Capítulo (páginas 83 a 240)
III Capítulo - desdobrado em 4 anexos - (páginas 241 a 428)
III I (páginas 241 a 341)
III II (páginas 342 a 369)
III III (páginas 370 a 400)
III IV (páginas 400 a 428)
IV Capítulo (páginas 429 a 506)
V Capítulo (páginas 507 a 532)
VI Posfácio (páginas 533 a 548)
VII Bibliografia (páginas 549 a 596)
Currículo Pessoal

NOTA DO AUTOR
O trabalho de investigação que desenvolvi, ao longo de vários anos, cujo resultado final constitui a presente obra, teve como fontes de informação fundamentais a análise que efectuei sobre diversos documentos militares, a minha própria experiência e um vasto número de entrevistas a Oficiais do Quadro Permanente.
A investigação científica que realizei provou que, no decurso da Guerra de África, os Oficiais do Quadro Permanente foram-se progressivamente afastando do Comando Operacional, para se instalarem nas posições de gestão militar. Desta situação, inusitada, resultaria terem sido os Milicianos quem, de facto, comandou as Unidades de Combate, nos últimos e mais gravosos anos da Guerra.
Reconhecendo esta situação e dado não ter ouvido, na dimensão adequada, os graduados milicianos, nem lhes ter dado o destaque que justamente merecem, entendi, para corrigir este lapso, convidar um miliciano para prefaciar a presente obra, para além de ter igualmente convidado um miliciano de cada uma das suas classes: Capitães, Alferes e Furriéis, para escreverem livremente um depoimento sob a forma de posfácio, enfatizando particularmente a sua experiência enquanto combatentes. Presto, assim, o meu total reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos Milicianos no seu todo, ao longo da Guerra de África.
PREFÁCIO
O dado fulcral, que faz da obra de Manuel Rebocho um caso singular, escorado basicamente em procedimentos metodológicos da “nova” sociologia, a observação-acção, ou melhor a observação empenhada, como dela disse Adriano Moreira durante a discussão académica, é o ponto de partida do investigador: foi a sua participação e envolvimento directo na guerra que, anos depois, viria a despoletar o seu interesse sociológico no tema, a ponto de a estudar e de apresentar a escrutínio doutoral os resultados a que chegou.
Não espanta, por isso, que, uma vez e muitas, se pressinta alguma dificuldade de “afastamento” e “isenção” do autor face ao real que analisa. Mas isso não menoriza ou empobrece a qualidade científica do trabalho, antes o valoriza: afinal foi feito por quem, com instrumentos da ciência social, se debruça sobre o que viveu e sofreu. Este trabalho, no essencial da obra, deve ser, por isso, entendido como portador de uma parcela autobiográfica, como uma “história de vida”, como sublinhou Maria José Stock, orientadora do novel Doutor.
Se é verdade que a Guerra Colonial demorou alguns anos a tornar-se tema ficcional, já hoje há obras bastantes, particularmente testemunhos pessoais mais ou menos ficcionados, que permitem uma visão global sobre a vida no teatro de operações. O mesmo não pode dizer-se quanto a estudos académicos sobre o interior da instituição que fez a guerra, as Forças Armadas. Este trabalho de Manuel Rebocho vem iluminar zonas das nossas últimas Campanhas em África que até agora se mantinham na sombra.
A radical mudança política operada em Portugal em 1974, protagonizada, aliás, pelas Forças Armadas que triunfando sobre a ditadura abriram, “ipso facto”, caminho à sua “derrota” na Guerra Colonial, não propiciou, por isso, condições facilitadoras do estudo do processo “Guerra Colonial”.
Ao rastrear os “curricula” e a formação dos oficiais, particularmente após 1959 – ano da criação da Academia Militar –, quando se tornara imparável e acelerado o movimento independentista dos territórios africanos administrados por potências coloniais e, face à intransigente política “ultramarina” de Salazar, a guerra era inevitável. Manuel Rebocho concluiu que a Academia Militar passou então a preparar a elite não para o comando operacional, mas sim para funções técnicas e administrativas.
Em vez de comandantes operacionais, os militares do quadro permanente, na sua esmagadora maioria e nos mais diversos escalões, tornaram-se, progressivamente, ao longo dos treze anos que a guerra durou, “administradores” da logística e gestores da estratégia dos três teatros de operações.
A guerra no terreno, na frente de combate, assente numa quadrícula à base da companhia e realizada quotidianamente a nível de meia companhia ou, mesmo, de pelotão, essa, passou a ser feita quase exclusivamente, por capitães e alferes milicianos que enquadravam furriéis milicianos e praças do serviço militar obrigatório – essa foi, de facto, a “guerra” em que eu combati, no norte de Moçambique, e foi a conclusão generalizada a que chegou Manuel Rebocho. Chamou-lhe, ele, a milicianização da guerra.
Sem a triagem quantitativa que este estudo nos aporta, já outros, antes, tinham chamado à atenção para este aspecto da gestão cirúrgica do pessoal; Diniz de Almeida refere que “acentuadas diferenças de colocação dos oficiais, quer do Q. P. (Quadro Permanente) quer do Q. C. (Quadro de Complemento), determinavam ainda a vida particular e profissional dos militares originando, assim, um novo quadro de injustiça a corrigir. Deste modo, em função das mais diversas motivações, eram normalmente colocados em funções burocráticas ou em quartéis de cidade, os oficiais afectos ao regime. Quanto aos restantes, menos identificados com o regime, aguardavam-nos, regra geral, os postos longínquos e incómodos do mato.”
Após dez anos de guerra, no dia-a-dia, os pouquíssimos militares profissionais (Quadro Permanente e Serviço Geral) que estavam na frente de combate “nunca” saíam para o mato, ficando no “arame farpado” em funções de comando, colheita e coordenação de informações, planeamento de operações e apoio logístico; na picada e no mato andavam os capitães, alferes e furriéis milicianos e os cabos e soldados do serviço militar obrigatório. A estes juntavam-se, no mato, mais ou menos regularmente segundo as dificuldades do teatro de operações, companhias de comandos, de fuzileiros e de pára-quedistas, nas quais, aí sim, os soldados eram enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente.
Foi essa realidade vivida na “frente” que Manuel Rebocho veio, agora, com números “arrasadores”, constatar: no Leste de Angola, de 1971 a 1974, das 68 companhias só 3 tinham capitães oriundos da Academia Militar; em Moçambique, em 1973, das 101 companhias apenas 1 era comandada por um capitão do Quadro Especial de Oficiais, e esse estava lá “por castigo”!
Reflexos dessa forma de administrar sabiamente “os riscos”, colhem-se, ainda hoje, quando se analisam as listagens de sócios da Associação dos Deficientes das Forças Armadas: o padrão médio indica-nos que cerca de 92% eram militares do Serviço Militar Obrigatório.
A gestão do pessoal afecto à guerra, feita pelas chefias militares, em seu benefício e salvaguarda, foi possível, sem escrutínio do poder político, porque o regime não permitia que, sequer, se questionasse a sua existência, nem mesmo na campanha eleitoral da “primavera marcelista”. O Ministro do Ultramar, Silva Cunha, era muito claro quanto a isso, dizendo que “o Governo não ia dizer (...) às Forças Armadas como combater” porque “a questão militar estava à parte do Governo, e a responsabilidade cabia ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
Ao considerar a “Guerra do Ultramar” como desígnio patriótico, inevitável e inegociável, porque culpa do “outro” e dos ventos da história, a ditadura remetia, implicitamente o seu êxito ou inêxito para a esfera militar, tanto mais que garantia na Metrópole, na retaguarda, as condições ideais para o êxito das nossas tropas, ao não permitir que a opinião pública a contestasse, a condenasse. Tal situação até dispensou, em última análise, o poder político de apetrechar as frentes com condições logísticas e de material de combate capazes de potenciar as hipóteses de êxito militar.
Até ao fim da Guerra, uma vara ou uma cana de bambu a que se atava uma ponteira de aço afiada, era o nosso detector de minas – o que explica o número “indecoroso” de amputados e de cegos que a guerra produziu.
Por isso, às vezes, ainda acordo a meio da noite, quando não devia, no estertor de um pesadelo.
Manuel Joaquim Calhau Branco
Licenciado e Mestre em História
Ex-Alferes Miliciano; deficiente das Forças Armadas.

Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

(continua)

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