terça-feira, 20 de outubro de 2009

M166 - No âmago da acção

No âmago da acção 

Um dia reli no bloquito de notas 
Umas frases de uma anotação 
Duma história inacabada... dizia: 
Nome de código: Operação Ficção 

 Um civil acorrera a informar 
Que avistara um grupo "in" ali perto 
Cerca de vinte homens bem armados 
O combate era mais que certo 

 Missão: Pesquisa e destruição 
Daquelas onde o sangue corre 
Trilhos... mato... armas... tiros 
Onde se mata... onde se morre 

 Avançávamos a muito custo 
Atolados na lama da picada 
A trovoada e o céu escuro 
Pressagiavam nova chuvada 

 O ar quente fustigava-nos o corpo 
E o suor mesclado com a humidade 
Deslizava-nos pela pele pegajoso 
Aumentando a incomodidade 

 À nossa volta os mosquitos zumbiam 
As suas picadas vorazes... irritavam 
As redes enroladas em torno da cabeça 
Só os olhos por uma nesga espreitavam 

 Na época das chuvas os ponchos 
Eram bons abrigos mas estorvavam 
Tolhiam os gestos perigosamente 
E... os reflexos é claro... retardavam 

 O tarrafo ali era denso... “suspeito” 
Os sentidos vão em alerta total 
Os dedos roçam tensos nos gatilhos 
Rebusca-se todo e qualquer sinal 

 De vez em quando uma "boca" soa 
- Rai’s partam tanto lamaçal! 
A humidade ía até aos ossos 
Baixando o ânimo e o moral 

 A coluna seguia lenta... apeada 
Os homens iam bem espaçados 
Numa fila longa e serpenteante 
Em silêncio... no mato concentrados 

 Saíramos do quartel há duas horas 
Em missão de reconhecimento 
Num percurso em qu’era habitual 
O inimigo fazer o seu aparecimento 

 A rotina tornava-nos máquinas 
O tempo e a acção... experientes 
A tensão permanente... insensíveis 
O perigo e a morte... indiferentes 

 Valia-nos a sã camaradagem 
A partilha dos sonhos... dos receios 
A entreajuda física e psíquica 
A divisão das tarefas e dos meio 

 O convívio entre o pessoal 
Era fraterno... sincero... leal 
As amizades enraizavam-se 
Puras... firmes... fora do normal 

 Continuávamos a caminhar... atentos 
Perscutávamos no mato incansáveis 
Um movimento... um som... um odor 
Um indício dos “turras” insondáveis 

 Pensa-se nas instruções... uma a uma 
Nas minas... nos perigos qu'estamos a correr 
Ansiosos que nada aconteça 
Mas prontos para o que der e vier 

 Pensa-se nos objectivos pré-definidos 
Na surpresa... na eficácia... no dever... 
Se seremos o caçador... ou a presa? 
Sob o lema: Antes matar que morrer! 

 O prenúncio das hostilidades 
Vai arrefecendo e secando o suor 
A garganta parece dar um nó 
A atenção é cada vez maior 

 Aos poucos o sangue acelera 
O cérebro esvazia-se lentamente 
Atenção ali... algo se mexeu... 
Nada!... É só uma ilusão da mente 

 Da frente vem uma indicação: “ 
- Foi detectada uma mina!” 
Tudo em alerta d'imediato 
Aceleram os níveis d'adrenalina 

 Excitação... angústia... tensão 
Os olhos ardem da busca apurada 
Engole-se a escassa saliva 
Os ouvidos aguçam-se... mas nada 

 Um tiro... dois... está tudo a mexer… 
Procurando uma boa protecção… 
Mais tiros... explosões de granadas… 
Procura-se o “in” no meio da confusão… 

 As balas às centenas zumbem no ar… 
Em todos os sentidos e direcções… 
Buscam a vida em nome da morte… 
Com a mais maléfica das intenções… 

 Vozes, ordens, gritos... gemidos de dor… 
Numa amálgama digna do inferno… 
Matar ou morrer num crepúsculo dantesco… 
Impulsos, emoções, heróis, final… eterno! 

 Luso sangue salpica a fria terra 
Brotando das carnes feridas... rasgadas 
Vidas que se esvaem pela Pátria 
Aqui... longe... em África... nas picadas 

 Daqueles que dão o seu melhor 
Mais ou menos Heróis... sem presunção 
Servindo e morrendo em nome de Portugal 
Fazendo História... um Povo... uma Nação 

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