JN 2009-10-11, 00h08m
CARLOS VARELA
Forças especiais da PSP, GNR, Marinha e Exército vivem no anonimato. E no fio da navalha.
Dos ninjas às rusgas no Bairro da Cova da Moura, passando pelo Afeganistão e Iraque e pela luta ao Gangue do Multibanco. São quatro as forças de operações especiais. Ao todo, englobam cerca de 500 homens.
Os rostos não podem ser fotografados e escondem-se atrás de capuzes ou tintas de camuflagem e quanto aos nomes são fictícios. Seja na GNR, na PSP, no Exército ou na Marinha, esta é uma matriz corrente, uma determinação para quem vem de fora e que reflecte o secretismo a que são obrigados os homens e as acções das forças de operações especiais.
Mas, afinal, que tipo de forças são estas e para que foram criadas? E qual a diferença entre as forças de operações especiais militares e policiais? As primeiras referências históricas a missões e forças que se confundem com o secretismo que rodeia as operações especiais vêm do Japão do século XV, através dos popularizados ninjas. Diz a wikipedia que um "ninja era um agente ou um mercenário encoberto do Japão feudal, especializado na arte da guerra não convencional". O abate de adversários, a espionagem ou reconhecimento, a infiltração e a sabotagem faziam parte das missões destes homens que, pela primeira vez, surgem como uma estrutura própria e um treino à parte.
Este tipo de forças de elite surge, no Ocidente, com mais destaque público durante a Segunda Guerra Mundial, graças aos ingleses, nas operações no Canal da Mancha, no Norte de África e no Sudeste Asiático. Em Portugal, só tem expressão com o deflagrar da Guerra Colonial, entre 1961 e 1974.
Mas o purismo militar que envolve o termo forças de operações especiais - equipas com quatro a seis homens, ligeiramente armadas e muito autónomas, com capacidade para operar na retaguarda do adversário - tem mais definição durante a Guerra Fria. E, em Portugal, o conceito só começa a ser modernizado após o fim da Guerra Colonial, com a consequente reorganização das Forças Armadas, terminando com o actual Centro de Tropas de Operações Especiais, no quartel de Lamego, do Exército, e o Destacamento de Acções Especiais (DAE), da Marinha.
Na PSP e na GNR, em contrapartida, as alterações são em parte influenciadas pelo deflagrar do terrorismo na Europa nos anos 70 e 80 - em Portugal também, com as FP-25 -, mas igualmente pelo agravar dos níveis de criminalidade, nos anos 90 e seguintes, que dão origem à criação do Grupo de Operações Especiais, da PSP (GOE), e do Grupo de Intervenção de Operações Especiais (GIOE), da GNR. São também forças de pequena dimensão e altamente preparadas, mas, ao contrário das operações especiais militares, estão vocacionadas para enfrentar um inimigo interno e operam no âmbito de inquéritos, sob a tutela do Ministério Público.
A ligá-las uma certeza: as missões são sempre de alto risco.
Blindados e homens cooperam na segurança
GIOE - GNR
JN 2009-10-11, 00h10m
O Iraque e a luta ao Gangue do Multibanco são as grandes bandeiras. Estão preparados para várias missões. São cerca de 150 homens.
O blindado aproxima-se do edifício e do piso superior do veículo nasce uma escada que cresce para a janela. Num ápice, quatro homens armados e equipados, as fardas negras, trepam o parapeito e entram no interior do edifício. É apenas um exercício do Grupo de Intervenção de Operações Especiais da GNR, mas dá para ver a flexibilidade de esta força actualmente dispõe. O comandante da unidade, o major Bola, concorda e destaca ao JN a experiência internacional adquirida, "Bósnia, Timor, o Iraque, já passámos em vários teatros de operações, enquanto força constituída". O Iraque, no entanto, acabou por ser o cenário com maior nível de violência a que os Operações Especiais da GNR tiveram que fazer face e o facto de estarem integrados na Unidade de Intervenção (UI) acaba por dar uma mais-valia a nível da operação de equipamentos. O GIOE, por exemplo, é a única força de operações especiais portuguesa que está preparada para operar com veículos blindados, recorrendo às mais de vinte viaturas Iveco atribuídas à UI, que é também a única força de segurança interna a dispor deste tipo de protecção. "Tivemos essa experiência no Iraque e nunca mais a perdemos", aponta um militar. Foi assim que nasceu o blindado que em simultâneo transporta uma escada, aponta um oficial, fruto da necessidade de entrar em zonas urbanas de risco e ter acesso aos edifícios. "Temos que ter capacidade para entrar por onde for mais fácil ou de molde a garantir sempre o factor surpresa". Mas se o Iraque e Timor foram marcos no GIOE a nível de intervenção no exterior, a luta contra o Gangue do Multibanco - que operou nas áreas de Lisboa, Setúbal e Centro - "deu-nos uma enorme experiência na investigação e combate ao crime violento", sustenta o comandante do GIOE. As operações tiveram, por exemplo, como novidade a implicação dos snipers em missões de reconhecimento estático. É uma missão mais comum em forças militares de operações especiais, mas a verdade é o GIOE começou também a aplicar estas técnicas. "Os snipers podem ser também aplicados nas acções de vigilância, antes de entrarmos numa zona crítica, e têm sido também operados nesse sentido", adianta um militar. Flexível e bem equipado, incluindo já disponde snipers pesados, algo também único em forças de segurança, o GIOE prepara agora um novo salto.
Da Cova da Moura para o Iraque
GOE - PSP
JN 2009-10-11, 00h10m
Foi a primeira força de operações especiais no âmbito da segurança interna. É composta por entre 60 e 80 homens.
A equipa entra de rompante no interior da habitação, gritos e armas apontadas intimidam os alvos, em segundos a situação está resolvida. São os GOE da PSP, tão escondidos de olhares indiscretos, mas seguramente os elementos de operações especiais mais conhecidos pelo grande público, mercê das rusgas constantes em que são chamados a intervir e por via de a PSP deter a competência territorial sobre os grandes centros urbanos, ainda mais reforçada na sequência da reestruturação do dispositivo das forças de segurança. "Estamos preparados para intervir em situações de alta violência", sustenta o subintendente Ribeiro, comandante do GOE, a unidade que está integrada na Unidade Especial de Polícia. A força é normalmente chamada a intervir em acções em apoio de uma força policial de investigação, da PSP ou da PJ, ou para dominar indivíduos de alta perigosidade. E para entrar nas casas não há como a "chave universal", como os homens do GOE designam na gíria o ariete, um cilindro metálico maciço com duas pegas nas pontas. "Não há porta que resista, a 'chave universal' abre tudo", dizem, entre gracejos, os agentes do GOE, após mais um dos inúmeros exercícios que regularmente executam. Os bairros mais perigosos de todo o país, como a Cova da Moura, são deles bem conhecidos, em acções que normalmente envolvem alto risco e perigosidade, mas a investigação criminal, ao contrário do que já acontece no GIOE da GNR, está-lhes vedada, se bem que as equipas de vigilância executem trabalho de reconhecimento. "Sim, é uma das nossas funções", admite o subintendente Ribeiro. No entanto, a sua actividade não se resume ao território nacional e têm sido com frequência recrutados para a protecção das instalações diplomáticas portuguesas no estrangeiro. "Estivemos, por exemplo, no Iraque, foi um trabalho bem duro", aponta um agente, sem adiantar mais pormenores, se bem que seja conhecido o permanente ambiente de tensão em que estes homens viviam, praticamente limitados durante meses ao espaço físico da embaixada. As saídas eram apenas aquelas que eram permitidas e previstas no âmbito da escolta e protecção dos diplomatas. Hoje, essa missão de escolta e protecção no exterior começou também a ser desempenhada pelo Corpo de Segurança Pessoal, mas em situação mais áspera aí está o GOE.
Fogo real prepara forças para novas missões
CTOE - Exército
JN 2009-10-11, 00h09m
Têm tido uma presença constante no teatro do Afeganistão e no Kosovo, além de Timor e Guiné-Bissau. São cerca de 200 homens.
"Ia no Humvee que foi atingido por um RPG". Mário responde com um sorriso que rasga o rosto jovem pintalgado em tons de verde. Foi numa missão no Afeganistão, no ano passado, e o sniper estava na altura integrado na companhia portuguesa destacada naquele país. "Só não houve nada de grave por acaso", aponta ao JN, mas o militar volta a responder com um sorriso e um "pois", sem manifestar a razão de ser do "acaso". Muito simplesmente, o rocket foi disparado pelo taliban a uma distância demasiado curta, não armou e acabou por perfurar o blindado, mas sem explodir, o que salvou a vida aos cinco portugueses que iam no seu interior. Mário sabe disso, mas sabe muito mais, bem mais, ele como os outros militares que compõem o Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE), com casa no quartel de Lamego, o que os transforma eles próprios em alvos valiosos. Cada homem recebe primeiro uma formação geral, após o que passa para a especialização, que pode ser em transmissões, sniper, ou outra, dependendo das necessidades. Mas, no final da formação, cada homem tem capacidade de sobreviver sozinho em território hostil, uma fórmula que "reside bem mais no equilíbrio psicológico" do que numa qualquer condição de "rambo", como sustenta o coronel Veloso, comandante desta unidade do Exército. A parte física não é descurada, mas toda a actividade da unidade e da preparação das forças passa muito pelo trabalho de conjunto e a criação das equipas, a estrutura base para as operações. E muita desta preparação passa por treinos intensivos, numa repetição exaustiva de cenários, com alteração de pormenores, e muito fogo real. Mário, o jovem sniper, tinha acabado de participar num destes exercícios, que congregara os vários componentes do CTOE. Armado com uma espingarda de precisão Barrett, de calibre .50, o chamado sniper pesado, o soldado divisava uma simples fechadura. Na casa, havia um refém para salvar e a progressão da equipa foi acompanhada pela protecção do fogo de metralhadoras. Mário apontou, disparou e o terceiro tiro fez saltar a fechadura, abrindo a porta. Lançando granadas de fumo, a equipa entrou na habitação e o refém foi rapidamente salvo. Mais um treino concluído e agora já com o olhar virado para um novo cenário, este bem real: o Afeganistão.
Os militares que fazem o combate ao tráfico
DAE - Marinha
00h08m
Actuam em particular em ambiente marítimo e o número de militares está entre os 40 e os 50 homens.
Do helicóptero sai um cabo e quatro militares deslizam na direcção do convés de um navio. Em minutos, o barco é dominado, as armas apontadas, cada porta vigiada, para abrir caminho à vistoria policial, em busca de droga. É o Destacamento de Acções Especiais (DAE), a unidade de elite dos Fuzileiros, tantas vezes usada no combate ao tráfico de droga. "É uma das nossas missões", concorda o comandante do DAE, primeiro-tenente Costa Dias. Com efeito, entre as forças militares, o DAE é o único que é chamado a assegurar missões no âmbito da segurança interna, no combate ao tráfico de droga marítimo, muito por força da colaboração permanente com a Polícia Judiciária, que até agora não tem optado por outra força. A actual revisão da Lei de Defesa Nacional vincou ainda mais essas missões, estabelecendo mais balizas legais para a operação dos militares no âmbito da segurança interna. Mas a actuação do DAE não se limita ao combate ao tráfico de droga. "Temos estado empenhados em vários teatros de operações", salienta um militar, se bem que as operações no exterior estejam limitadas, um pouco por via do não empenhamento do Corpo de Fuzileiros em teatros exteriores, em particular em áereas de conflitos. No entanto, estes homens estão especificamente preparados para o reconhecimento do poder do adversário em benefício de uma força principal de desembarque. É a chamada infiltração, que "pode ser feita de várias formas", aponta um militar. O submarino é um destes meios, com o desembarque nocturno de uma equipa de operações especiais, mas os novos submarinos já estão preparados para lançar os homens para a superfície a partir de uma situação de imersão, tornando ainda mais discreta a operação. No entanto, estes homens também estão preparados para recolher informação geral sobre uma região, uma acção que precede a chegada de uma força. "É verdade, foi o que fizemos há três anos no Congo", avança Costa Dias. A operação geral foi precedida pela chegada de operações especiais de vários estados ocidentais, entre os quais o DAE. Mas na primeira fase não iam fardados e sim à civil, "para melhor poder recolher informação sobre o ambiente no Congo". Era um meio disfarce, porque se sabia que trabalhavam no âmbito da ONU, mas o carácter aparentemente civil ajudou à missão.
JN 2009-10-11, 00h08m
CARLOS VARELA
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