Em memória de um "COMANDO AFRICANO"
10SET1974 – Brá (Guiné)
Esta é uma daquelas histórias que só o mero acaso desta vida origina, apesar de se contar em poucas palavras, e não deixar de impressionar, quer pelas três décadas que entretanto decorreram, quer pelas estranhas coincidências do destino.
Na Guiné, decorria o ano de 1974 e havia já sido entregue, pela minha companhia - a CCS do batalhão 4612 -, em 9 de Setembro, o aquartelamento de Mansoa, que foi um dos mais importantes e significativos, do dispositivo das nossas forças armadas naquela ex-província ultramarina, através duma cerimónia de que damos conta noutra página deste jornal.
Estávamo-nos, então, no batalhão de Engenharia, em Brá, a cerca de 3 quilómetros da cidade de Bissau, cujas instalações faziam paredes meias com o batalhão de COMANDOS.
E foi ali, num belo dia em que eu me encontrava de serviço, mais precisamente de "Sargento da Guarda", que veio ter comigo um daqueles que eu considerava, em todo o seu ser, um "Herói da Guerra do Ultramar": o "COMANDO" de nome Joaquim Gomes que, se a memória não me falha, era da 2ª Companhia de Comandos Africanos.
Trazia nas mãos uma imaculadamente alva, velhíssima e esburacada camisola, e um crachá dos COMANDOS, e para o meu espanto e petrificação disse-me emocionado:
- Meu amigo furriel Magalhães Ribeiro, peço-lhe encarecidamente um favor simples, do fundo do meu coração; que guarde consigo estas duas peças que eu usei como soldado e combatente do exército português com muito orgulho e honra. Foram-me entregues por soldados portugueses, e não quero que, de modo nenhum, caiam em mãos de gente menos digna.
Imaginem a minha estupefacção. Quem era eu para ser fiel depositário daquele espólio que, desde logo me apercebi, era considerado por um dos meus heróis um dos seus maiores tesouros pessoais? Que usara e defendera arriscando a morte em renhidos e mortíferos combates! Quantas vezes? Recordei-me que a última companhia de COMANDOS, a 38ª, havia já retirado da Guiné. Olhei para aquele envelhecido e amargurado Homem e, atrapalhado e sem jeito, retorqui:
- Amigo Joaquim, quem sou eu para ficar com estes teus símbolos COMANDO, que tão bem mereceste, prestigiaste e dignificaste em inúmeros combates, e que, como bem vejo nessa tua lágrima, são para ti um naco da tua vida, senão mesmo do teu corpo?
Mas, não havia nada a fazer, o Joaquim estava firme, decidido e inabalável naquela decisão e eu, para não o melindrar e desiludir, sequer mais um segundo, aceitei com uma estranho sentimento de fiel e firme guardião.
Guardei durante cerca de 30 anos, como duas preciosidades, a camisola e o emblema, até que há poucos meses atrás a primeira, que tão velhinha que já estava, quer pela passagem dos anos, quer pelas necessárias lavagens acabou, infelizmente, por se desfazer.
20OUT2003 – 29 Anos depois
Até aqui tudo não passaria de uma história "normal" mas, aconteceu que, no passado dia 20 de Outubro, desloquei-me a Lisboa para assistir à belíssima e sentida celebração do "Dia do Combatente”, que decorreu junto ao forte do Bom Sucesso, em Belém, num autocarro organizado pela A.P.V.G, que partiu da cidade do Porto.
Esta celebração decorreu como estava previsto, com a presença do Sr. Secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes, o Sr. General Avelar de Sousa, convidados, entidades religiosas, civis e militares, e milhares de ex-combatentes, e foi já no fim da cerimónia, cerca das 13h00, que eu me perdi do resto do pessoal, que ali se deslocou no autocarro do Porto.
Como era tempo de almoço, procurei caras conhecidas junto do autocarro que nos tinha levado a Lisboa e nada. Fui então até junto dos outros autocarros, que se deslocaram à mesma cerimónia, tentando arranjar companhia para o almoço.
Foi assim que na viatura de Braga encontrei 2 companheiros. Não os conhecia, mas não hesitei, minimamente, em convidá-los a virem almoçar comigo, já que só inevitavelmente é que almoço sozinho.
Depois de me apresentar, soube que os seus nomes eram Carlos Costa e Silva e João Gomes, tendo o primeiro serviu a Pátria em Moçambique e o segundo em Angola.
Estes dois amigos tinham levado farnel e começavam a preparar a mesa existente no autocarro, pelo que pensei: "Nada feito estes já estão desenrascados".
Mesmo assim disse-lhes:
- Desculpem amigos procuro companhia para ir almoçar, já que detesto comer sozinho.
Logo me responderam unanimemente:
- Não senhor, nós temos aqui comida que chega para os três. Sente-se aqui e faça-nos você companhia que é bem-vindo!
Verifiquei que realmente eles iam bem "equipados" e anui em juntar-me a eles, pelo menos digeria qualquer coisa acompanhado, o que eu considerei óptimo:
- Ok, muito obrigado, sendo assim junto-me a vocês com todo o prazer.
Enquanto debicávamos o faustoso farnel começamos a conversar das nossas vidas no Ultramar. Pensava eu com estive na Guiné e assim cada um de nós tinha estado numa ex-província diferente da do outro, pouco teríamos em comum além de sermos os 3 ex-combatentes.
A certa altura diz o João Gomes:
- Eu combati em Angola mas sou natural da Guiné, mais precisamente de Santa Luzia (localidade à saída de Bissau que se estende quase até Brá). Pertenço à etnia "Papel". Olha Magalhães Ribeiro, o meu irmão era COMANDO, chamava-se Joaquim Gomes. Foi assassinado tempos depois, na Guiné, pelo simples facto de ter combatido pela sua nacionalidade: Portugal.
Senti-me a cair das nuvens. Seria que eu estava frente ao irmão do Homem que me confiara uma "parte" da sua vida, desconhecendo, naturalmente, que o seu fim já estava traçado, e que eu guardara religiosamente durante os últimos 30 anos.
Contei-lhe então a minha "história com o Joaquim. Descrevi-o fisicamente e fisionomicamente. Tudo coincidia com as características do seu falecido irmão. É claro que o João, espantado foi ligando os factos e comovido perguntou-me:
- Magalhães sabes quantos "Joaquim Gomes", africanos, haveria nos "COMANDOS".
- Não faço ideia João. Mas se calhar só havia um! Sossega amigo João, que eu vou fazer o seguinte. Dadas as grandes probabilidades de que o Joaquim de que eu falo seja mesmo o teu irmão, vou entregar ao teu cuidado o emblema que tenho na minha posse, pois creio que fica muito bem entregue nas tuas mãos.
12JAN2004 – O “regresso” à família
Assim aconteceu no princípio do mês de Janeiro, do corrente ano, e com o testemunho do Presidente da nossa Associação - o RANGER Cutinho Bastos, o João tomou posse daquele velhinho e esmurrado crachá "COMANDO", que eu mantive imaculadamente guardado na minha vitrina de relíquias da guerra.
10SET1974 – Brá (Guiné)
Esta é uma daquelas histórias que só o mero acaso desta vida origina, apesar de se contar em poucas palavras, e não deixar de impressionar, quer pelas três décadas que entretanto decorreram, quer pelas estranhas coincidências do destino.
Na Guiné, decorria o ano de 1974 e havia já sido entregue, pela minha companhia - a CCS do batalhão 4612 -, em 9 de Setembro, o aquartelamento de Mansoa, que foi um dos mais importantes e significativos, do dispositivo das nossas forças armadas naquela ex-província ultramarina, através duma cerimónia de que damos conta noutra página deste jornal.
Estávamo-nos, então, no batalhão de Engenharia, em Brá, a cerca de 3 quilómetros da cidade de Bissau, cujas instalações faziam paredes meias com o batalhão de COMANDOS.
E foi ali, num belo dia em que eu me encontrava de serviço, mais precisamente de "Sargento da Guarda", que veio ter comigo um daqueles que eu considerava, em todo o seu ser, um "Herói da Guerra do Ultramar": o "COMANDO" de nome Joaquim Gomes que, se a memória não me falha, era da 2ª Companhia de Comandos Africanos.
Trazia nas mãos uma imaculadamente alva, velhíssima e esburacada camisola, e um crachá dos COMANDOS, e para o meu espanto e petrificação disse-me emocionado:
- Meu amigo furriel Magalhães Ribeiro, peço-lhe encarecidamente um favor simples, do fundo do meu coração; que guarde consigo estas duas peças que eu usei como soldado e combatente do exército português com muito orgulho e honra. Foram-me entregues por soldados portugueses, e não quero que, de modo nenhum, caiam em mãos de gente menos digna.
Imaginem a minha estupefacção. Quem era eu para ser fiel depositário daquele espólio que, desde logo me apercebi, era considerado por um dos meus heróis um dos seus maiores tesouros pessoais? Que usara e defendera arriscando a morte em renhidos e mortíferos combates! Quantas vezes? Recordei-me que a última companhia de COMANDOS, a 38ª, havia já retirado da Guiné. Olhei para aquele envelhecido e amargurado Homem e, atrapalhado e sem jeito, retorqui:
- Amigo Joaquim, quem sou eu para ficar com estes teus símbolos COMANDO, que tão bem mereceste, prestigiaste e dignificaste em inúmeros combates, e que, como bem vejo nessa tua lágrima, são para ti um naco da tua vida, senão mesmo do teu corpo?
Mas, não havia nada a fazer, o Joaquim estava firme, decidido e inabalável naquela decisão e eu, para não o melindrar e desiludir, sequer mais um segundo, aceitei com uma estranho sentimento de fiel e firme guardião.
Guardei durante cerca de 30 anos, como duas preciosidades, a camisola e o emblema, até que há poucos meses atrás a primeira, que tão velhinha que já estava, quer pela passagem dos anos, quer pelas necessárias lavagens acabou, infelizmente, por se desfazer.
20OUT2003 – 29 Anos depois
Até aqui tudo não passaria de uma história "normal" mas, aconteceu que, no passado dia 20 de Outubro, desloquei-me a Lisboa para assistir à belíssima e sentida celebração do "Dia do Combatente”, que decorreu junto ao forte do Bom Sucesso, em Belém, num autocarro organizado pela A.P.V.G, que partiu da cidade do Porto.
Esta celebração decorreu como estava previsto, com a presença do Sr. Secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes, o Sr. General Avelar de Sousa, convidados, entidades religiosas, civis e militares, e milhares de ex-combatentes, e foi já no fim da cerimónia, cerca das 13h00, que eu me perdi do resto do pessoal, que ali se deslocou no autocarro do Porto.
Como era tempo de almoço, procurei caras conhecidas junto do autocarro que nos tinha levado a Lisboa e nada. Fui então até junto dos outros autocarros, que se deslocaram à mesma cerimónia, tentando arranjar companhia para o almoço.
Foi assim que na viatura de Braga encontrei 2 companheiros. Não os conhecia, mas não hesitei, minimamente, em convidá-los a virem almoçar comigo, já que só inevitavelmente é que almoço sozinho.
Depois de me apresentar, soube que os seus nomes eram Carlos Costa e Silva e João Gomes, tendo o primeiro serviu a Pátria em Moçambique e o segundo em Angola.
Estes dois amigos tinham levado farnel e começavam a preparar a mesa existente no autocarro, pelo que pensei: "Nada feito estes já estão desenrascados".
Mesmo assim disse-lhes:
- Desculpem amigos procuro companhia para ir almoçar, já que detesto comer sozinho.
Logo me responderam unanimemente:
- Não senhor, nós temos aqui comida que chega para os três. Sente-se aqui e faça-nos você companhia que é bem-vindo!
Verifiquei que realmente eles iam bem "equipados" e anui em juntar-me a eles, pelo menos digeria qualquer coisa acompanhado, o que eu considerei óptimo:
- Ok, muito obrigado, sendo assim junto-me a vocês com todo o prazer.
Enquanto debicávamos o faustoso farnel começamos a conversar das nossas vidas no Ultramar. Pensava eu com estive na Guiné e assim cada um de nós tinha estado numa ex-província diferente da do outro, pouco teríamos em comum além de sermos os 3 ex-combatentes.
A certa altura diz o João Gomes:
- Eu combati em Angola mas sou natural da Guiné, mais precisamente de Santa Luzia (localidade à saída de Bissau que se estende quase até Brá). Pertenço à etnia "Papel". Olha Magalhães Ribeiro, o meu irmão era COMANDO, chamava-se Joaquim Gomes. Foi assassinado tempos depois, na Guiné, pelo simples facto de ter combatido pela sua nacionalidade: Portugal.
Senti-me a cair das nuvens. Seria que eu estava frente ao irmão do Homem que me confiara uma "parte" da sua vida, desconhecendo, naturalmente, que o seu fim já estava traçado, e que eu guardara religiosamente durante os últimos 30 anos.
Contei-lhe então a minha "história com o Joaquim. Descrevi-o fisicamente e fisionomicamente. Tudo coincidia com as características do seu falecido irmão. É claro que o João, espantado foi ligando os factos e comovido perguntou-me:
- Magalhães sabes quantos "Joaquim Gomes", africanos, haveria nos "COMANDOS".
- Não faço ideia João. Mas se calhar só havia um! Sossega amigo João, que eu vou fazer o seguinte. Dadas as grandes probabilidades de que o Joaquim de que eu falo seja mesmo o teu irmão, vou entregar ao teu cuidado o emblema que tenho na minha posse, pois creio que fica muito bem entregue nas tuas mãos.
12JAN2004 – O “regresso” à família
Assim aconteceu no princípio do mês de Janeiro, do corrente ano, e com o testemunho do Presidente da nossa Associação - o RANGER Cutinho Bastos, o João tomou posse daquele velhinho e esmurrado crachá "COMANDO", que eu mantive imaculadamente guardado na minha vitrina de relíquias da guerra.
Quanto à história do assassinato em massa, traiçoeiro e deshumano de cerca de 21 mil homens que serviram no Exército Portugês, muitos deles baptizados na religião católica como portugueses, com B.I. português, que vestiram uma farda portugesa, juraram, tal como nós, fidelidade à bandiera Nacional, cumpriram ordens de militares Lusos e foram abandonados à sua sorte, escreverei noutra mensagem.
Um testemunho deixo já aqui, é que eu sei e muitos centenas/milhares de ex-Combatentes, pois ouvimos clara e inequivocamente, já depois de concedida a independência à Guiné-Bisau, os elementos do P.A.I.G.C. garantirem àqueles que vieram a assassinar, para estarem confiantes e sossegados que nada lhes irira acontecer e que todos juntos não eram de mais para recsonstruir o seu país.
Assim foram traídos na sua boa fé os nossos incomparáveis, bravos e fiéis ex-Comandos Africanos, ex- Fuzileiros Especiais, ex-Milícias e restantes africanos que serviram nas tropas portuguesas.
1 comentário:
Olá, sim foi uma realidade e a mais falada foi essa que se passou na dita Guiné onde esses soldados foram mesmo assassinados pelos proprios compatriotas a qual entregamos um pedaço da nossa pátria mas nao podemos de deixar de apontar o dedo acusador aos nossos politicos dessa altura que nada quiseram fazer para salvar a vida desses militares e muito menos fizeram para pedir satisfações ao governo da guiné em vez disso deixaram os velhacos assassinos virem comprar casas com quintas cá em portugal e ainda aparecerem na tv a dar entrevistas como herois do povo deles cambada de FDP esses e os nossos politicos traidores muitos deles ainda vivos e no activo na politica, o nosso povo tem memoria curta infelizmente por isso ainda aplaude aos traidores da nossa pátria eu nunca, antes morrer do que ser traidor de PORTUGAL e dos Portugueses, obrigado !!!!
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