sábado, 17 de setembro de 2011

M367 – RANGER Eduardo Lopes do 1º Curso de 1969 – Recruta, Especialidade e Mobilização

RANGER Eduardo Lopes
1º Curso de 1969 

Recruta, Especialidade e Mobilização


Parte I

Há datas que nos marcam para toda a vida. O dia 8 de Outubro de 1968, foi uma das que marcaram a minha. Nesse dia iniciei a minha Vida Militar ao entrar na Escola Prática de Infantaria, quartel que ocupava quase toda a ala direita e a traseira do Convento de Mafra.

Depois de apresentação e da distribuição do fardamento atribuído a "olhómetro", tomei conhecimento da caserna onde ia pernoitar durante 3 meses, bem como da localização do refeitório e dos intermináveis corredores.

Todos estes espaços eram sombrios, frios, de tectos altos, onde qualquer espécie de conforto estava completamente ausente.

Foi-me atribuído o 4º Pelotão da 1ª Companhia de Instrução (composta pelos cadetes mais jovens). O 1º Pelotão era formado por trintões, todos licenciados, principalmente em Medicina, que sempre que possível se baldavam à instrução perante a complacência dos Instrutores.

Como bom desportista, que eu era na altura, não senti grandes dificuldades em acompanhar as provas mais duras da recruta. Esta era muito variada; ordem unida, preparação física, transposição de obstáculos, estudo de armamento, etc.

Assim, sem qualquer surpresa minha, fui seleccionado para a especialidade de OPERAÇÕES ESPECIAIS (RANGERS).

Após umas breves férias, que abrangeu o período do Natal e Ano Novo, apresentei-me no C.I.O.E., em Lamego, no dia 08JAN. Só para que possam comparar com os transportes na actualidade, parti então da estação de Santa Apolónia às 23h00 e cheguei a Lamego às 12h00 do dia seguinte.

O 1º Turno de 1969 foi terrível no que respeita ao tempo, pois o inverno desse ano foi particularmente rigoroso, tendo nevado várias vezes em Lamego, tendo até tido lugar um terramoto em Fevereiro, o que dificultou ainda mais o que já era muito difícil.

No entanto os Instrutores gritavam-nos que tínhamos muita sorte, pois no verão ainda era pior havendo apenas um cantil de água por dia.

Bem e eu pensava “que venha o diabo e escolha”.

Não vale a pena descrever o meu curso. Terá sido muito idêntico a todos os outros, creio eu! Quem não se lembra de não dormir uma noite sem ser interrompido para uma formatura? Do que um gajo passava para lhe ser distribuído o correio? Do que era ler uma NEP ou um discurso de Marcelo Caetano? De se levantar às 6 da manhã, passar pela cozinha para apanhar um cubo de Marmelada ou uma tablete de chocolate, e fazer uma hora de aplicação militar á chuva e á neve? Etc. Etc.

Lembro-me bem de em tronco nu, com luvas calçadas, ouvir as palavras reprobatórias de velhas senhoras bem agasalhadas, embrulhadas em xailes, nas paragens das camionetas: "Ai meus ricos filhos que vos matam de frio". Os instrutores de ouvidos moucos ainda faziam pior… metiam-nos nos lagos gelados da Av. da Nª SRª dos Remédios.

Quem não se lembra das 24 horas de Lamego? Da travessia dos esgotos em plena noite, sem qualquer luz? Dos três dias de campo sem ração de combate onde nos foi distribuída uma galinha viva, por equipa, que tínhamos de matar com a faca de mato e cozinhar à fogueira. No meu caso recordo a galinha a correr sem pescoço e a equipa a correr atrás do jantar?

Das longas patrulhas na serra das Meadas em que éramos metidos em camionetas fechadas, de olhos vedados e mãos atadas atrás das costa e largados sozinhos, há noite no meio da serra, tendo de voltar para o quartel a corta mato (quem fosse apanhado nas estradas que eram patrulhadas pelos instrutores ficava sem botas e meias e assim tinha de voltar para o quartel)?

Do slide (feito a medo na primeira vez mas depois pedido para repetir vezes sem conta) do cimo da Torre da Igreja e atravessando o rio Balsemão? Do Rapel nas Terras do Douro?

A meio da especialidade apareceu o então Capitão Jaime Neves, acompanhado com dois Tenentes Comando que mandaram formar a Companhia de Instrução, e após ordenarem “sentido” à Companhia de imediato lançaram duas granadas ofensivas para o espaço existente entre eles e a nossa formatura. Perante o movimento de alguns instruendos de se atirarem para o chão gritaram: "Está em sentido não mexe".

As granadas explodiram e 3 ou 4 instruendos pediram para sair da formatura para se deslocarem à enfermaria, pois tinham pequenos estilhaços de plástico nas pernas (felizmente sem gravidade).

Jaime Neves mandou um Tenente Comando ver o que se passava e depois autorizou a saída dos instruendos para a enfermaria. Tudo isto se passou na maior das calmas e descontracção.

Por fim o Cap. Jaime Neves perguntou quem se oferecia para os Comandos, tendo uma dezena de Instruendos dado um passo em frente.

Passados 3 meses recebemos com orgulho as placas de OPERAÇÕES ESPECIAIS.

Passadas mais umas breves férias recebi uma guia de marcha para me apresentar no RI 2 em Abrantes, cujo quartel á data era novo com óptimas condições. A messe de oficiais até tinha piscina. Era comandado pelo Cor Ernesto Macedo que, em Abril de 1974 (então Brigadeiro), comandava a Zona Leste em Angola.

Durante os 6 meses que permaneci em Abrantes dei instrução da especialidade de “atirador” a uma Companhia que seria mobilizada para a Guiné e que era comandada pelo Cap. Vasco Lourenço e àquela que seria a minha Companhia.

O Bat. Caç. 2887 juntamente com o Bat. Caç. 2886 e uma Companhia Independente embarcaram em 18OUT1969 no Cais de Alcântara, a bordo do Paquete Império que já não era um navio novo, antes pelo contrário, pelo que as condições de alojamento não eram as melhores, principalmente para os soldados que viajavam nos porões do navio, alguns metros abaixo do nível do mar, em péssimas condições.

Durante os 10 dias que durou a viagem visitei algumas vezes o local onde o meu pelotão viajava e deparei-me com a sujidade e o ar pestilento que se respirava no local, para além de viajarem como sardinhas em lata, em beliches de 3 andares.

Assim sugeri-lhes que pegassem nos seus cobertores e almofadas e fossem dormir para o convés, pois como navegávamos ao longo da costa ocidental de África, as condições meteorológicas assim o permitiam.

A 28OUT desembarcamos no Porto de Luanda, seguindo de imediato de comboio, em vagões de carga para o Grafanil. Durante esta pequena viagem atravessamos vários musseques (povoamentos angolanos) e como os miúdos nativos corriam ao lado do comboio os soldados atiravam-lhes moedas.

O quartel do Grafanil situava-se na Estrada de Catete, antes da povoação de Viana e servia de trampolim para as tropas recém-chegadas da Metrópole a Angola, antes de serem enviadas para o respectivo destino.

Dez dias, foi o tempo necessário para o Batalhão cumprir todas as formalidades e receber as armas (G3 novas) e todo o restante equipamento.

Fizemos fogos com as novas armas na carreira de tiro, visitamos as fábricas de cerveja da Cuca e Nocal e ficamos a conhecer a cidade de Luanda, que nos pareceu logo ser uma cidade bem portuguesa, com restaurantes com boa e tradicional comida da Metrópole onde não faltava o bacalhau, com boas praias (ilha do Mussolo e ilha de Luanda) e uma intensa actividade nocturna com cinemas ao ar livre (Miramar), boites, cabarets, casas de fado etc.

Também sentimos que a população civil nos aceitava bem e viam "os tropas" com bons olhos.

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