1º Curso de 1969
Continuando as memórias do RANGER Lopes, já
iniciadas nas mensagens: M359, M360, M361, M362, M367 e M368, descreve-nos ele,
aqui, a chegada da sua companhia a Balacende, as primeiras impressões, o contacto
com as instalações do quartel, a vivência com os “velhinhos” (os militares que
lá se encontravam), as primeiras reacções dos seu homens e a sempre problemática
e difícil adaptação ao desconhecido terreno africano (picadas e Mato).
A chegada a Balacende e a adaptação ao terreno
II - Parte
No dia 06NOV1969 partimos do Grafanil para Balacende, que seria o nosso quartel nos
próximos 18 meses. Formou-se uma coluna com cerca de 16 viaturas civis, com
taipais, que saiu do Grafanil às 05h00 da madrugada, ainda o dia não
tinha nascido.
Atravessamos Luanda ainda
adormecida, embora já se começasse a notar alguma azáfama própria de uma grande cidade e tomamos a
direcção do Norte, para fazermos o percurso Luanda – Cacuaco - Fazenda Tentativa - Caxito - Quicabo - Balacende.
Eu, contrariamente a outros
graduados que viajavam na cabine das camionetas junto dos condutores,
instalara-me junto do meu Grupo de Combate na parte de carga do camião.
Logo que deixamos Luanda para trás adormeci, pois já
estava habituado a dormir em qualquer situação (em Lamego até a andar adormecia), tendo sido acordado quando a
coluna parou no Caxito.
Aproveitei a paragem para beber um café e dar dois dedos de conversa com o
motorista civil, que me informou que a partir do Caxito começava a picada e a guerra.
No Caxito e em Quicabo, os militares aí estacionados, e já com largos meses de mato (os chamados
velhinhos) assustavam os nossos (chamados de Maçaricos - termo usado para designar a tropa recém-chegada, inexperiente e novata no mato),
assustando-os com patranhas do
género "cuidado que no sítio tal há emboscadas todos os dias”, “cuidado com as 7 curvas onde já morreram muitos
camaradas...", etc.
Os nossos soldados já nervosos e inseguros, mais assustados ficaram, tentando eu
desmitificar a situação com algumas
palavras e agindo com descontracção
e à vontade.
Logo a seguir ao Caxito por altura do cruzamento para as Mabubas, mandei
meter bala na câmara e a patilha
na posição de segurança.
Depois de uma paragem em
Quicabo, onde ficaram as viaturas que transportavam a CCS (Companhia de Comando e Serviços) e a
CCAÇ (Companhia de Caçadores),
partimos novamente para
Balacende.
Era nesta picada (Quicabo -
Balacende) que ficavam as tais "7
curvas", lugar mítico da
Guerra no Norte de Angola.
O sol já apertava e o pessoal já estava com as caras e os camuflados cheios de pó.
Conforme tinha combinado com o condutor da viatura, este avisou-me antes de começarmos a descer as “7 Curvas”
(no sentido Quicabo - Balacende), pelo que ordenei que passassem a patilha da
G3 para a posição de fogo e, de armas em riste prontos para tudo, passamos esta
zona sem qualquer problema.
Chegados a Balacende os “velhinhos” (CCAÇ 2365 do BCAÇ 2844) esperavam-nos
com uma amistosa recepção, em que predominava o tema "a vossa desgraça é a
nossa felicidade".
Eles, após 17 meses em Balacende, iam rodar para Maquela do Zombo, no sector
de Uíge.
Com esta companhia dos “velhinhos” tivemos cerca de 10 dias de sobreposição,
durante os quais tomamos conhecimento das rotinas do quartel (serviço nos
torreões, ida há agua e á lenha, limpeza do quartel, etc.), normalmente estes
serviços eram efectuados por um pelotão de velhinhos e um pelotão nosso.
Apesar da Companhia anterior à dos “velhinhos” ter sofrido uma emboscada, que ainda era comentada na Região Militar de Angola, pois devido às idas à água serem rotineiras (mesmo local e hora) e serem efectuadas apenas por uma secção, um dia o IN (inimigo) montou-lhes uma emboscada, tendo dizimado toda a secção (10 homens, incluindo os condutores) e levado as G3, cartucheiras, botas e outro equipamento, após o que incendiou as viaturas - um Unimog e a viatura com o depósito da água.
Os “velhinhos” apenas mudaram o local da recolha de água, para um sítio
mais próximo do quartel, mas mantiveram as mesmas rotinas (mesmo local e hora).
Logo da 1ª vez que acompanhei 2 secções do meu Grupo de Combate (GC) numa
ida á água, conferenciei com os meus furriéis, Patuleia e Louro, no sentido de
logo que ficássemos sós acabaríamos com tais rotinas. E assim o fizemos.
Os Locais para recolher água passaram a ser 3, distanciados uns dos outros
cerca de 300 metros e deixou de haver hora certa de a ir carregar, passando a
ser qualquer hora do dia ou da noite. Nós até preferíamos ir á água de noite,
pois aproveitávamos para caçar algumas peças de caça, como pacaças, gazelas, burros
selvagens, etc, que iam beber água aos mesmos lugares.
Numa patrulha de reconhecimento, com os “velhinhos”, para os lados do Quifusse, após termos percorrido um trilho durante cerca de 15 kms o Alferes Miliciano “velhinho” mandou fazer alto. Julgando que a paragem era para descansarmos e comermos umas latas da ração de combate, mandei instalar o habitual perímetro de segurança com alguns soldados. Então o Alferes “velhinho” informou-me, apontando para as centenas de invólucros que povoavam o trilho, que a partir dali a guerra era a sério e aconselhou-me a não passar daquele sítio.
Pensei logo que com o Capitão Batista (meu Capitão) e com o Comando do Batalhão era impossível seguir o seu conselho e assim foi, pois logo na primeira operação passamos e bem aquele fatídico e temido ponto, e entramos bem dentro do Quifusse.
Por incrível que pareça, foi com satisfação que vimos os “velhinhos”
partirem, pois as instalações do quartel estavam sobrelotadas (com as nossas duas
companhias) e o á vontade e descontracção com que os mesmos se deslocavam nas
picadas e no mato, estava já a contagiar a malta da nossa Companhia, que tinha ainda
bem presente a instrução, nomeadamente as regras da guerra de contra-guerrilha,
e os graduados queriam que assim se mantivesse, e porque, finalmente, ficávamos
responsáveis pela zona de acção atribuída á Companhia.
Suspiramos, enfim sós seria á nossa maneira.
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