RANGER Eduardo Lopes
1º Curso de 1969
O RANGER
Lopes (Alferes Miliciano da CCAÇ 2600 do BCAÇ 2887 = Companhia de Caçadores Nº 2600 do Batalhão de Caçadores 2887), continua a desfilar as suas memórias dos
factos, da sua experiência e vivência em África, dando seguimento a oito
mensagens publicadas neste blogue, com as referências: M359, M360, M361, M362,
M367, M368, M369 e M370.
Desta vez
presta aqui a sua melhor e mais sentida homenagem a um dos seus valorosos furriéis,
que ficou gravemente ferido numa missão de armadilhagem.
Homenagem ao Furriel Miliciano Patuleia
Camaradas, sinto necessidade premente de
relatar a minha vivência na Guerra do Ultramar, para a partilhar com todos os
Rangers e demais visitantes deste nosso blogue.
Desde que me reformei há dez anos (era quadro
bancário), que não passa um dia em que as recordações do Ultramar não me
assaltem.
Uma das memórias que mais me atormentam, foi o
que sucedeu ao Fur Mil Patuleia Mendes (até há pouco tempo Presidente da A.D.F.A.
- Associação dos Deficientes das Forças Armadas) e que pertenceu ao meu Pelotão,
meu Camarada, Amigo e Militar exemplar.
Na altura andávamos a dar protecção a uma
equipa de topógrafos da J.A.E.A. (Junta Autónoma das Estradas de Angola), que
fazia o levantamento topográfico do terreno, para a construção da estrada
CAXITO - NAMBUANGONGO.
Os pontos mais determinantes do seu trabalho
eram assinalados com telas de um metro de largura por cinco de comprimento,
dispostos em cruz, que posteriormente eram sobrevoados.
Chegados às "portas da guerra" (nome
dado a um ponto que se demarcava na estrada por dois enormes embondeiros, um de
cada lado da picada, a cerca de cinco quilómetros de Balacende na picada
Balacende – Fazenda Beira Baixa) as referidas telas eram colocadas quando o
trabalho terminava e eram roubadas durante a noite pelo IN, mais precisamente
pelos elementos da facção da F.N.L.A. (Frente Nacional de Libertação de Angola).
Perante esta situação sugeri ao nosso Capitão
Batista que fossem montadas emboscadas, ou que as telas fossem armadilhadas.
Como se aproximava uma grande operação (um assalto
à base “Checoslováquia” do M.P.L.A. onde era suposto encontrar-se o "Monstro
Imortal" – o Comandante da 1ª Região Militar do M.P.L.A. – Movimento para a
Libertação de Angola), a nível de Batalhão, em que o meu pelotão ia participar,
o capitão decidiu-se pela opção de armadilhar as telas.
Para esta missão encarregou então o
Cláudio Manuel Libânio Duarte, Furriel Miliciano de Operações Especiais, também da CCAÇ 2600, que seria acompanhado na protecção e segurança desta acção
por uma Secção do meu Pelotão.
O Furriel Patuleia ofereceu-se logo como
voluntário e eu, como se tratava de uma secção do meu pelotão e por
solidariedade para com o Patuleia, disse que também ia.
No dia seguinte, 23MAI1970, o Patuleia foi-me
acordar às 05h30 (pois a JAEA saía às 06h00) e eu, ainda ensonado e como também
naquele dia partíamos para a tal “Operação Checoslováquia” às 12h00, disse que
não ia e aconselhei-o a não ir também.
Desta minha decisão ainda hoje me recrimino.
O Patuleia com o seu espírito voluntarioso não
seguiu o meu conselho e foi.
Pelas 09h00, ouviu-se em Balacende uma enorme
explosão.
Segundo me contaram depois, estavam todos os
nossos homens ao lado uns dos outros e o
Cláudio Libânio, ao descavilhar
uma granada ofensiva para armadilhar as telas, afrouxou inopinadamente a
pressão manual sobre a sua alavanca.
O Patuleia ouviu o estalido do percussor e gritou-lhe
para ele arremessar a granada, mas o gesto instintivo do Libânio foi apertar a
alavanca e a granada, e encostar as mãos ao peito.
Este acto heróico do Fur Libânio,
que faleceu de imediato, permitiu atenuar os mortíferos e desbastadores efeitos
da granada, mas, mesmo assim, o Furriel Patuleia ficou com o corpo
(principalmente a cara) cheia de estilhaços da granada, bem como um Soldado, de
nome Arlindo.
Quando os feridos, transportados nos Land
Rovers da JAEA, chegaram ao quartel instalou-se ali um pandemónio.
Eu fiquei junto do Patuleia na enfermaria, por
alguns momentos, mas não suportei mais ouvi-lo pedir ao Fur Mil Enfermeiro
Fernandes que o matasse.
Fui para a messe, onde continuei a ouvir os
gritos de dor do meu Amigo, que, por volta do meio-dia, foi evacuado, bem como
o Soldado Arlindo, por helicóptero.
Quando estive de férias na Metrópole fui
visitá-lo ao Hospital da Estrela e vi que ele tinha, como ainda hoje tem, a face
cheia de estilhaços e tinha cegado.
Após dezenas de cirurgias - algumas realizadas
em Barcelona -, teve períodos em que recuperou alguma visão, mas, da última vez
que o vi, estava de novo totalmente cego.
Apesar de tudo, pelo menos até à última vez em que
conversamos os dois, sempre manteve o seu espírito brincalhão e a sua boa
disposição e Deus o permita continue manter essa sua excelente qualidade.
Este é o episódio que recordo com mais amargura
e desgosto da minha estadia em Angola, na Guerra do Ultramar.
Cumprimentos e um Abraço para todos,
Eduardo José dos Reis Lopes
Alf Mil OpEsp/RANGER da CCAÇ 2600 do BCAÇ 2887
Fotografias: © Eduardo Lopes (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos
reservados.
1 comentário:
... à consideração dos estimados veteranos 'ranger', Eduardo Lopes, e Eduardo Magalhães Ribeiro,
Onde está CCS, deverá estar CCac2600.
Igualmente, onde está «Furriel Comando Libónio Duarte» e «Fur Mil Comando Libónio», deverá estar...
Cláudio Manuel Libânio Duarte, Furriel Mil.º de Operações Especiais, n/m 12547769.
Saudações veteranas, do
Abreu dos Santos
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