RANGER Eduardo Lopes
1º Curso de 1969
Continuando as memórias do RANGER Lopes, já
iniciadas em sete mensagens anteriores com as referências: M359, M360, M361,
M362, M367, M368 e M369, descreve-nos ele, aqui, a tão temida primeira operação,
devido à terrível angústia e adrenalina que as mesmas criavam ao pessoal
operacional. A incerteza dos resultados, o receio de perder homens (feridos ou
mortos), a tensão provocada pela espera da hora marcada, os calafrios causados
pela hipótese de se ter esquecido ou se ignorar alguma coisa fundamental ao bom
sucesso dos resultados finais da missão, etc.
III – Parte
A Primeira operação
Estávamos à três semanas em Balacende quando realizamos a 1ª operação e o consequente
baptismo de fogo. A Operação tinha por objectivo a recuperação de populações e
foi executada por 2 pelotões - o meu (3º pelotão) e o 4º pelotão do Alferes Miliciano
Alves -, comandados pelo Capitão Baptista.
A duração prevista era de 3 dias - um dia e meio para chegar ao objectivo,
umas horas para reconhecer a zona, destruir as cubatas e lavras e outro dia e
meio para o regresso (ainda os helicópteros eram uma miragem).
O objectivo localizava-se no Quifusse, que juntamente com o Canacassala
ainda eram dois santuários da FNLA. Estas duas zonas ficavam bem no coração dos
Dembos, região do Norte de Angola, muito fértil em rios e linhas de água, numerosas
montanhas que tornavam o terreno muito acidentado e cortado por vales profundos
cobertos por densa vegetação, muitas vezes quase impenetrável. É óbvio que,
nestas condições, a progressão das Nossas Tropas (NT) para atingirem esses santuários
inimigos (IN) se tornava num autêntico calvário de cansaço e sacrifício humano.
A transposição destes demorados, cansativos e penosos obstáculos foi ultrapassada
com o aparecimento das operações heli-transportadas. Primeiro com os Alouettes
III (cada um transportava uma equipa composta por 5 homens). Cada
"leva" de homens para o objectivo era composta por uma esquadrilha de
5 Alouettes, que nas suas deslocações eram protegidos por um heli-canhão (Alouette
com um canhão de 20 mm virado para bombordo) cujo nome de código, em
transmissões, era "Lobo Mau", ou com a protecção de uma avioneta Dornier
- DO 27 – equipada com rocketes montados sob as asas.
Mais tarde, a partir de Março de 1971, entraram em acção os helicópteros
SA330 Puma, que transportavam 20 homens devidamente equipados. Estas aeronaves
tinham a vantagem de transportar mais pessoal, mas apresentava um inconveniente:
a dificuldade em aterrar em locais de mata mais fechada.
Assim, normalmente aterrava nas "lavras". A minha companhia foi
das primeiras a utilizar este helicóptero e, da primeira vez que nele fomos
transportados, ainda seguiram connosco 2 técnicos franceses da fábrica Puma.
Bem mas voltemos à operação para o Quifusse. Eram 21h00 e as luzes do arame
apagaram-se - para a saída não ser detectada -, e nós saímos do quartel em
bicha do pirilau atravessando a picada e a pista e tomando o rumo do Quifusse.
A intenção era passar os morros que marcavam a entrada na zona do Quifusse
já noite adiantada, pois tínhamos a informação de que aí existiam vigias, que
se nos detectassem disparavam um tiro de alarme, para avisar as populações e
estas se refugiarem num local pré determinado.
Assim, quando pelas 04h00 do dia seguinte, avistamos os referidos morros,
saímos do trilho e, em silêncio absoluto, colámo-nos à orla da mata que
bordejava o morro da direita, entrando no Quifusse. Sempre à espera de ouvir o
tiro que deitaria abaixo as expectativas de êxito da operação.
À medida que avançávamos mais nos convencíamos que tínhamos entrado no
Quifusse sem ser detectados, e assim foi.
Ao fim da manhã do segundo dia de operação, caminhávamos em fila indiana,
com o meu pelotão na frente, num trilho bem batido, cheio de pegadas que nos
pareciam recentes, quando ao começar a descer o pequeno morro por onde seguíamos
o homem da frente mandou parar e agachar, passando palavra para eu - que seguia
na 4ª ou 5ª posição - chegasse à frente.
Ao chegar junto do soldado mais avançado, este limitou-se a apontar em
frente e ao seguir com os olhos aquela direcção fiquei de boca aberta, pois no
morro em frente desciam por um trilho dezenas de miúdos com cerca de 14/16 anos
despreocupadamente, com grande á vontade, encontrando-se já alguns no vale que
separava os dois morros a beber água de um ribeiro.
Passada a surpresa voltei atrás e junto do Capitão Batista e o Alferes
Alves, e sugeri que me deslocasse com uma equipa para o ribeiro, na tentativa
de apanhar alguns dos rapazes "á mão", enquanto o resto do pessoal
descia o morro e emboscava no trilho, que no vale seguia paralelo ao pequeno
ribeiro.
Perante a concordância do capitão segui com a equipa do 1º Cabo Moutinho,
com todas as precauções, agachados - como tinha aprendido na instrução em Penude,
no C.I.O.E. -, em fila um a um.
Chegados perto dos miúdos, que de joelhos bebiam água no ribeiro, passamos
para fila em linha e assim caminhamos mais alguns metros, até que ficamos em
frente dos putos, apenas separados pela linha de água.
Para nosso espanto eles continuavam tranquilamente a beber água, sem darem
pela nossa presença, até que na minha ingenuidade de "maçarico"
gritei: "Entreguem-se que não vos fazemos mal!".
Os miúdos que bebiam água e os que estavam atrás, levantaram a cabeça e
ficaram petrificados a olhar para nós. Passaram-se 2 segundos, que me pareceram
uma eternidade, e perante este cenário, que parecia a imagem parada de um filme,
senti a necessidade de fazer alguma coisa e assim comecei a dizer: "Vou
contar... ", mas nem tive tempo de acabar a frase, os rapazes como gazelas,
aos saltos enormes, desapareceram todos no meio do capim.
Ali, nada mais havia a fazer, pelo que voltei para o ponto de reunião.
Dirigíamo-nos para o referido ponto, quando rebentou um intenso tiroteio, com
balas a assobiar por cima da equipa, que de imediato se colou ao chão, rastejando
na direcção de onde tínhamos partido.
Assim como começou, terminou o tiroteio.
Chegados ao ponto de encontro, já lá estava o capitão e o resto do pessoal,
que traziam dois miúdos com cerca de 12 anos pela mão.
O capitão informou-me que quando se deslocavam no trilho, junto ao ribeiro,
foram alvo de tiros a que tinham respondido com intenso fogo de G3, e que os miúdos,
apesar do nosso fogo, tinham avançado para eles apenas com facas (tipo facas de
mato) e que as NT tinham feito alguns mortos.
Viemos depois a saber que os miúdos eram acompanhados pelo Comandante da
Zona, que estava armado com uma pistola, pelo Comissário Político, também
armado com uma pistola, pelo professor e pastor desarmado, e por dois guerrilheiros
com uma arma de repetição e uma PPSH e que tinham sido eles a abrir fogo sobre
as NT.
O resultado desta acção foi dois miúdos "aprisionados" e 12 miúdos
mortos. Chegados ao quartel, o Adão e o Lopes - assim se chamavam os miúdos -,
ao verem os Unimog’s em movimento libertaram-se das mãos dos soldados, que os
conduziam, e atiraram-se para o capim (nunca tinham visto uma viatura
motorizada).
O Adão e o Lopes ficaram connosco durante um ano, dormiam e comiam na messe
dos Sargentos e todos os graduados contribuíam para lhes comprar roupa, calçado,
refrigerantes e outra guloseimas com que os apaparicávamos.
Como já sabiam ler e escrever preparamo-los para fazerem a 4ª classe.
Talvez não estivéssemos de consciência tranquila, o certo é que enquanto
estiveram connosco nada lhes faltou.
Ao fim de um ano e por ordem do Comando do Batalhão, o Adão e o Lopes foram
entregues a uma Instituição Católica do Caxito.
Sempre que nos deslocávamos ao Caxito íamos visitá-los, levando-lhes sempre
algumas prendas e dinheiro.
Quando rodamos para a Fazenda Tentativa continuamos a interessar-nos pelo
seu futuro e quando regressamos à Metrópole, estavam eles para ir para o
Seminário de Luanda para continuar os seus estudos.
O Adão e o Lopes, tínhamos
acabado de chegar da operação. Eles tinha levado uns pensos na enfermaria a umas
feridas nas pernas e ainda estavam assustados.
Eu e o Adão
O Lopes, Eu, o Adão e o nosso inseparável pastor alemão
ALGUNS INSTANTÂNEOS DA OPERAÇÃO HELITRANSPORTADA
ALGUNS INSTANTÂNEOS DA OPERAÇÃO HELITRANSPORTADA
A chegada do primeiro Puma
A esquadrilha de helis na pista e o pessoal tomando contacto com aquelas impresssionantes máquinas
As equipas seleccionando o seu helicóptero
Partindo um a um rumo ao objectivo
A esquadrilha em pleno voo
A aproximação ao solo e a preparação para a saída o mais rápida possível, não fosse haver inimigos nas redondezas
A chegada ao terreno e a saída em corrida rumo a uma máscara. Nunca se sabe o que nos espera numa aterragem
A chegada ao terreno e a saída em corrida rumo a uma máscara. Nunca se sabe o que nos espera numa aterragem
Fotografias: © Eduardo Lopes (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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