quinta-feira, 22 de setembro de 2011

M370 - RANGER Eduardo Lopes do 1º Curso de 1969 – A 1ª Operação no Quifusse



RANGER Eduardo Lopes
1º Curso de 1969

Continuando as memórias do RANGER Lopes, já iniciadas em sete mensagens anteriores com as referências: M359, M360, M361, M362, M367, M368 e M369, descreve-nos ele, aqui, a tão temida primeira operação, devido à terrível angústia e adrenalina que as mesmas criavam ao pessoal operacional. A incerteza dos resultados, o receio de perder homens (feridos ou mortos), a tensão provocada pela espera da hora marcada, os calafrios causados pela hipótese de se ter esquecido ou se ignorar alguma coisa fundamental ao bom sucesso dos resultados finais da missão, etc.

III – Parte
A Primeira operação

Estávamos à três semanas em Balacende quando realizamos a 1ª operação e o consequente baptismo de fogo. A Operação tinha por objectivo a recuperação de populações e foi executada por 2 pelotões - o meu (3º pelotão) e o 4º pelotão do Alferes Miliciano Alves -, comandados pelo Capitão Baptista.

A duração prevista era de 3 dias - um dia e meio para chegar ao objectivo, umas horas para reconhecer a zona, destruir as cubatas e lavras e outro dia e meio para o regresso (ainda os helicópteros eram uma miragem).

O objectivo localizava-se no Quifusse, que juntamente com o Canacassala ainda eram dois santuários da FNLA. Estas duas zonas ficavam bem no coração dos Dembos, região do Norte de Angola, muito fértil em rios e linhas de água, numerosas montanhas que tornavam o terreno muito acidentado e cortado por vales profundos cobertos por densa vegetação, muitas vezes quase impenetrável. É óbvio que, nestas condições, a progressão das Nossas Tropas (NT) para atingirem esses santuários inimigos (IN) se tornava num autêntico calvário de cansaço e sacrifício humano.

A transposição destes demorados, cansativos e penosos obstáculos foi ultrapassada com o aparecimento das operações heli-transportadas. Primeiro com os Alouettes III (cada um transportava uma equipa composta por 5 homens). Cada "leva" de homens para o objectivo era composta por uma esquadrilha de 5 Alouettes, que nas suas deslocações eram protegidos por um heli-canhão (Alouette com um canhão de 20 mm virado para bombordo) cujo nome de código, em transmissões, era "Lobo Mau", ou com a protecção de uma avioneta Dornier - DO 27 – equipada com rocketes montados sob as asas.

Mais tarde, a partir de Março de 1971, entraram em acção os helicópteros SA330 Puma, que transportavam 20 homens devidamente equipados. Estas aeronaves tinham a vantagem de transportar mais pessoal, mas apresentava um inconveniente: a dificuldade em aterrar em locais de mata mais fechada.

Assim, normalmente aterrava nas "lavras". A minha companhia foi das primeiras a utilizar este helicóptero e, da primeira vez que nele fomos transportados, ainda seguiram connosco 2 técnicos franceses da fábrica Puma.

Bem mas voltemos à operação para o Quifusse. Eram 21h00 e as luzes do arame apagaram-se - para a saída não ser detectada -, e nós saímos do quartel em bicha do pirilau atravessando a picada e a pista e tomando o rumo do Quifusse.

A intenção era passar os morros que marcavam a entrada na zona do Quifusse já noite adiantada, pois tínhamos a informação de que aí existiam vigias, que se nos detectassem disparavam um tiro de alarme, para avisar as populações e estas se refugiarem num local pré determinado.

Assim, quando pelas 04h00 do dia seguinte, avistamos os referidos morros, saímos do trilho e, em silêncio absoluto, colámo-nos à orla da mata que bordejava o morro da direita, entrando no Quifusse. Sempre à espera de ouvir o tiro que deitaria abaixo as expectativas de êxito da operação.

À medida que avançávamos mais nos convencíamos que tínhamos entrado no Quifusse sem ser detectados, e assim foi.

Ao fim da manhã do segundo dia de operação, caminhávamos em fila indiana, com o meu pelotão na frente, num trilho bem batido, cheio de pegadas que nos pareciam recentes, quando ao começar a descer o pequeno morro por onde seguíamos o homem da frente mandou parar e agachar, passando palavra para eu - que seguia na 4ª ou 5ª posição - chegasse à frente.

Ao chegar junto do soldado mais avançado, este limitou-se a apontar em frente e ao seguir com os olhos aquela direcção fiquei de boca aberta, pois no morro em frente desciam por um trilho dezenas de miúdos com cerca de 14/16 anos despreocupadamente, com grande á vontade, encontrando-se já alguns no vale que separava os dois morros a beber água de um ribeiro.

Passada a surpresa voltei atrás e junto do Capitão Batista e o Alferes Alves, e sugeri que me deslocasse com uma equipa para o ribeiro, na tentativa de apanhar alguns dos rapazes "á mão", enquanto o resto do pessoal descia o morro e emboscava no trilho, que no vale seguia paralelo ao pequeno ribeiro.

Perante a concordância do capitão segui com a equipa do 1º Cabo Moutinho, com todas as precauções, agachados - como tinha aprendido na instrução em Penude, no C.I.O.E. -, em fila um a um.

Chegados perto dos miúdos, que de joelhos bebiam água no ribeiro, passamos para fila em linha e assim caminhamos mais alguns metros, até que ficamos em frente dos putos, apenas separados pela linha de água.

Para nosso espanto eles continuavam tranquilamente a beber água, sem darem pela nossa presença, até que na minha ingenuidade de "maçarico" gritei: "Entreguem-se que não vos fazemos mal!".

Os miúdos que bebiam água e os que estavam atrás, levantaram a cabeça e ficaram petrificados a olhar para nós. Passaram-se 2 segundos, que me pareceram uma eternidade, e perante este cenário, que parecia a imagem parada de um filme, senti a necessidade de fazer alguma coisa e assim comecei a dizer: "Vou contar... ", mas nem tive tempo de acabar a frase, os rapazes como gazelas, aos saltos enormes, desapareceram todos no meio do capim.

Ali, nada mais havia a fazer, pelo que voltei para o ponto de reunião. Dirigíamo-nos para o referido ponto, quando rebentou um intenso tiroteio, com balas a assobiar por cima da equipa, que de imediato se colou ao chão, rastejando na direcção de onde tínhamos partido.

Assim como começou, terminou o tiroteio.

Chegados ao ponto de encontro, já lá estava o capitão e o resto do pessoal, que traziam dois miúdos com cerca de 12 anos pela mão.

O capitão informou-me que quando se deslocavam no trilho, junto ao ribeiro, foram alvo de tiros a que tinham respondido com intenso fogo de G3, e que os miúdos, apesar do nosso fogo, tinham avançado para eles apenas com facas (tipo facas de mato) e que as NT tinham feito alguns mortos.

Viemos depois a saber que os miúdos eram acompanhados pelo Comandante da Zona, que estava armado com uma pistola, pelo Comissário Político, também armado com uma pistola, pelo professor e pastor desarmado, e por dois guerrilheiros com uma arma de repetição e uma PPSH e que tinham sido eles a abrir fogo sobre as NT.

O resultado desta acção foi dois miúdos "aprisionados" e 12 miúdos mortos. Chegados ao quartel, o Adão e o Lopes - assim se chamavam os miúdos -, ao verem os Unimog’s em movimento libertaram-se das mãos dos soldados, que os conduziam, e atiraram-se para o capim (nunca tinham visto uma viatura motorizada).

O Adão e o Lopes ficaram connosco durante um ano, dormiam e comiam na messe dos Sargentos e todos os graduados contribuíam para lhes comprar roupa, calçado, refrigerantes e outra guloseimas com que os apaparicávamos.

Como já sabiam ler e escrever preparamo-los para fazerem a 4ª classe. Talvez não estivéssemos de consciência tranquila, o certo é que enquanto estiveram connosco nada lhes faltou.

Ao fim de um ano e por ordem do Comando do Batalhão, o Adão e o Lopes foram entregues a uma Instituição Católica do Caxito.
Sempre que nos deslocávamos ao Caxito íamos visitá-los, levando-lhes sempre algumas prendas e dinheiro.

Quando rodamos para a Fazenda Tentativa continuamos a interessar-nos pelo seu futuro e quando regressamos à Metrópole, estavam eles para ir para o Seminário de Luanda para continuar os seus estudos.


O Adão e o Lopes, tínhamos acabado de chegar da operação. Eles tinha levado uns pensos na enfermaria a umas feridas nas pernas e ainda estavam assustados.
 Eu e o Adão 

O Lopes, Eu, o Adão e o nosso inseparável pastor alemão

ALGUNS INSTANTÂNEOS DA OPERAÇÃO HELITRANSPORTADA 



  A chegada do primeiro Puma 

A esquadrilha de helis na pista e o pessoal tomando contacto com aquelas impresssionantes máquinas 


As equipas seleccionando o seu helicóptero 
A verificação final se tudo está a bordo e o último adeus antes da partida
Partindo um a um rumo ao objectivo
A esquadrilha em pleno voo

A aproximação ao solo e a preparação para a saída o mais rápida possível, não fosse haver inimigos nas redondezas

A chegada ao terreno e a saída em corrida rumo a uma máscara. Nunca se sabe o que nos espera numa aterragem 

Fotografias: © Eduardo Lopes (2011). Direitos reservados.

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

Sem comentários: