segunda-feira, 17 de agosto de 2009

M141 - CENTRO DE INSTRUÇÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS (CIOE) - A ESCOLA PRÁTICA DA CONTRAGUERRILHA PORTUGUESA EM ÁFRICA. pelo RANGER TGEN Augusto Monteiro Valente


Augusto Monteiro Valente 

CENTRO DE INSTRUÇÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS (CIOE) - A ESCOLA PRÁTICA DA CONTRAGUERRILHA PORTUGUESA EM ÁFRICA  

1. AS ORIGENS DO CIOE

No final da década de cinquenta a situação internacional prenunciava dificuldades graves para os então designados “territórios ultramarinos” portugueses em África. A guerra anunciava-se no horizonte. A defesa militar daqueles territórios estava entregue, na sua quase totalidade, a unidades de recrutamento local, enquadradas por alguns, poucos, oficias e sargentos da Metrópole, organizadas em regimentos ou batalhões/grupos independentes, deficientemente treinadas, mal equipadas e instruídas segundo o modelo convencional. 
A partir de então, a organização de forças militares para operações do tipo não convencional naqueles territórios (contraguerrilha) passa a constituir uma preocupação prioritária para o Governo e chefias militares. Neste contexto, surge a ideia da criação de um Centro de Instrução destinado à preparação de “unidades terrestres que, pela sua organização, apetrechamento e preparação, possam ser empregadas, sem perda de tempo, na execução das operações do tipo especial, previsíveis: operações de segurança interna, de contra-subversão e de contraguerrilha”, conforme directiva de 22 de Abril de 1959 do então ministro do Exército, brigadeiro Almeida Fernandes.
 
As características da nova unidade, bem como os programas, métodos e técnicas da instrução a ministrar são primeiramente inspirados na doutrina e experiência dos militares franceses. A guerra da Argélia, iniciada em 3 de Novembro de 1954, tornara-se o modelo da guerra subversiva e o laboratório das técnicas de contraguerrilha. Os franceses haviam começado por empregar pequenos grupos de combate constituídos por militares altamente treinados, do tipo “comandos”, apoiados na sua anterior experiência na guerra na Indochina. Assim, a mesma directiva de 22 de Abril de 1959, determina ainda que um pequeno grupo de oficiais siga para aquela colónia francesa, com a finalidade de estagiar nas unidades francesas envolvidas em operações de combate à guerrilha da Frente de Libertação Nacional e recolher ensinamentos com vista à preparação em Portugal de unidades especiais para a luta de contraguerrilha nas colónias africanas, que se admite então como certa, sendo apenas uma questão de tempo.  
Anteriormente, em 1956, uma primeira missão militar portuguesa de seis oficias do Exército, constituída pelos major Franco Pinheiro e capitães Costa Matos, José Basto Correia, Nuno de Almeida Frazão, Emiliano Quinhones de Magalhães e José Almiro Canelhas [1]  contactara já, durante cerca de um mês e meio, a Escola de Guerra Psicológica e Subversiva, na Argélia; seguira depois para França, onde os oficias que integravam a missão frequentaram o curso de Guerra Psicológica, ministrado pela Escola Superior de Guerra de Paris. Na Argélia estiveram mais tarde também, como observadores, os majores Hermes de Araújo Oliveira e Joaquim da Luz Cunha. Na nova missão de 1959 seguem, entre outros, os capitães Mário Lemos Pires, Sérgio Carvalhais, Luz Almeida e Vaz Antunes. 
Os ensinamentos recolhidos nestas várias missões servem de fundamento à introdução no Exército das novas doutrinas, tácticas e técnicas de combate de pequenas unidades em operações de contraguerrilha e à criação do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), formalizada pelo Decreto-Lei 42926, 16 de Abril de 1960.

“Considerando a necessidade imperiosa de intensificar e, até certo ponto, centralizar a instrução dos quadros e forças do Exército nas modalidades de «operações especiais»;
Usando da faculdade conferida pela 1 ª parte do n º 2 do artigo 109 º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1 º. É criado o Centro de Instrução de Operações Especiais (C.I.O.E.), com a missão de:
a)    Instruir os quadros do Exército nas várias modalidades de «operações especiais»;
b)    Realizar estágios de subunidades, tendo em vista aperfeiçoar a sua actuação numa ou mais modalidades destas operações;
c)    Levar a efeito estudos que, de qualquer modo, possam contribuir para melhorar a eficiência das Forças Armadas, no que diz respeito à sua actuação em «operações especiais», designadamente nas de maior interesse para a defesa do território nacional.
Art. 2 º O C.I.O.E. fica aquartelado em Lamego, nas actuais instalações do regimento de infantaria n º 9.
…………………………………………………………………………...”

A cidade de Lamego é escolhida para sede da nova unidade do Exército, depois de analisadas todas as hipóteses admitidas, por se concluir que a região onde se insere reúne um conjunto de factores geográficos e demográficos que a tornam particularmente recomendada para as características do novo tipo de instrução que se pretende incrementar, designadamente: isolamento, disponibilidade de uma vasta área utilizável para exercícios de campo, rigor do clima, orografia variada e dificuldade do terreno, diversidade da cobertura vegetal, hidrografia e proximidade de rios de caudal variável, reduzida densidade populacional associada a pequenos e dispersos aglomerados humanos em locais ermos. As outras hipóteses consideradas foram Covilhã, Lagos e Guarda. O subsecretário de Estado do Exército na altura é o tenente-coronel Francisco da Costa Gomes. 
A primeira proposta fora no sentido de instalar o CIOE no Batalhão de Caçadores   N º 5 (BC 5), em Lisboa, com a designação de Centro de Instrução das Tropas de Assalto. Mas esta unidade ficará reservada para a missão de selecção, organização e preparação inicial das companhias, seguindo estas depois para Lamego para a fase da instrução complementar especial.
 
Assim nasce a única unidade militar do Exército Português, durante todo o período da guerra colonial, primariamente vocacionada para a elaboração da doutrina e para o treino de forças e graduados para operações especiais de contra-insurreição, contra-subversão ou contraguerrilha nos territórios portugueses em África. Os manuais militares passarão a designar globalmente estas operações por “operações irregulares ou não convencionais”.

2. A FORMAÇÃO DAS PRIMEIRAS COMPANHIAS DE CAÇADORES ESPECIAIS E COMPANHIAS DE COMANDOS.

Companhias de Caçadores Especiais

As Companhias de Caçadores Especiais constituem as primeiras unidades instruídas e organizadas pelo CIOE.
Vindas do BC 5, chegam a Lamego, a 27 de Abril de 1960, as primeiras tropas destinadas à frequência da instrução complementar de contraguerrilha e à formação das primeiras Companhias de Caçadores Especiais (CCE). A cidade recebe-as em festa. A 6 de Junho, terminada a instrução e envergando pela primeira vez uniformes de combate camuflado, juram bandeira e recebem as boinas castanhas, símbolo das novas tropas especiais. No dia seguinte regressam ao BC 5 e, em 10 de Junho, embarcam para Angola (CCE N º 61, 62 e 63) e Moçambique (CCE N º 64). 
Nos termos da directiva de 22 de Abril de 1959, as Companhias de Caçadores Especiais são “Unidades terrestres que pela sua organização, apetrechamento e preparação, possam ser empregues sem perda de tempo na execução de operações de tipo especial: operações de segurança interna, de contra-subversão e de contraguerrilha”.
Quando, em 16 de Março de 1961, eclode a luta armada em Angola, as CCE N º 61, 62 e 63, e uma Companhia de Polícia do Exército, são as únicas unidades de combate metropolitanas presentes naquele território. Neste mesmo ano de 1961 são ainda apressadamente instruídas no CIOE mais quatro Companhias de Caçadores Especiais (CCE N º 74, 78, 79 e 80), precisamente as últimas formadas integralmente naquele Centro, as quais de seguida embarcam rapidamente para a Guiné (CCE N º 74), Angola (CCE N º 78) e Moçambique (CCE N º 79 e 80). Nestes territórios, todas estas unidades actuam como forças de intervenção directamente subordinadas aos respectivos Comandos-Chefes.
 
Mas o alastramento da luta armada naquelas três colónias impõe uma crescente necessidade de unidades militares, obrigando à alteração do conceito de formação daquelas companhias. Por outro lado, as chefias militares são pouco favoráveis à criação de forças especiais. A solução encontrada é a generalização da preparação e treino dos Caçadores Especiais a todas as Companhias de Caçadores. O CIOE passa, então, a ser um centro de formação de graduados dos quadros permanentes (capitães e subalternos), os quais, terminados os cursos, organizam e treinam as Companhias de Caçadores Especiais nas respectivas unidades territoriais mobilizadoras. Assim se constituem, nos anos de 1961 e 1962, mais vinte e cinco CCE. [2]
De então em diante, o CIOE começa a especializar-se como escola de formação de graduados para as operações de contra-subversão, contraguerrilha ou contra-insurreição nas colónias portuguesas em África.

Companhias de Comandos

As condições excepcionalmente favoráveis para o treino de operações irregulares e a experiência entretanto recolhida levaram a que o CIOE tenha igualmente sido escolhido para nele serem também treinadas algumas Companhias de Comandos.
Os primeiros grupos de “Comandos” nascem em Angola, dando origem, em 1965, à criação do Centro de Instrução de Comandos (CIC) em Luanda [3]. Mas a crescente necessidade deste tipo de especial de forças obriga a que ao CIOE seja transitoriamente também atribuída missão de as instruir. 
Durante todo o período da guerra colonial passaram pelo CIOE um total de vinte Companhias de Comandos, doze das quais receberam nele toda a instrução complementar, e as restantes oito apenas permanecido num curto período de tempo para organização inicial [4].  Com o agravamento da guerra, e a exemplo de Angola, também Moçambique e a Guiné passam a dispor dos seus próprios Centro de Instrução de Comandos

3. OS «RANGERS»

Em 1962 o Estado-Maior do Exército decide enviar o capitão Rodolfo Bacelar Begonha frequentar o curso «Ranger» nos EUA. Depois de regressar a Portugal, o capitão Begonha recebe a missão de organizar um curso similar no CIOE. Terminada a guerra na Argélia (3 de Julho de 1962), o Vietnam é agora o laboratório militar da guerra de contraguerrilha. As afinidades das características do terreno, vegetação e população com as de Angola, Guiné e Moçambique justificam também a preferência pela experiência dos militares americanos no Vietnam.

Em 29 de Abril de 1963 inicia-se no CIOE o primeiro dos cursos de “Instrutores e Monitores de Operações Especiais (tipo ranger)”. Daqui deriva o nome de «Rangers» porque passam a ser conhecidos daí em diante os militares de “Operações Especiais”. Entretanto, outros oficiais são nomeados para frequentar nos EUA o curso de «Rangers», designadamente os capitães Fernando Augusto Gomes, Henrique de Carvalho Morais e António Dinis Delgado da Fonseca.

Os cursos de Operações Especiais mantêm-se continuamente no CIOE até ao final da guerra colonial. Até 1968, são frequentados sobretudo pelos futuros alferes e sargentos milicianos (aspirantes a oficial e cabos milicianos durante os cursos), como especialidade complementar, e, a partir do início daquele ano, por instruendos dos Cursos de Oficiais e Sargentos Milicianos (COM/CSM), como especialidade base, primeiramente apenas durante o 2 º ciclo de instrução e, posteriormente, nos dois ciclos de instrução.

A instrução privilegia o conhecimento das técnicas de “infiltração profunda, orientação, ocultação, combate e sobrevivência de pequenos grupos de combate, com vista a detectar, surpreender e destruir objectivos rebeldes” .[5] O programa contempla diversas matérias, nomeadamente: preparação psicológica, treino físico, navegação fluvial, técnicas expeditas de travessia de cursos de água, tiro instintivo e manuseamento de engenhos explosivos. A ênfase é colocada no planeamento táctico, organização e conduta de patrulhas de longo raio de acção, montagem de emboscadas e execução de golpes de mão sobre objectivos sensíveis. A preparação psicológica e o treino físico visam sobretudo o desenvolvimento da capacidade de resistência em esforços violentos e prolongados e em condições particularmente adversas. Toda a instrução é conduzida com características próximas da realidade e em condições de dureza, incomodidade, fadiga, sobressalto, imprevisibilidade, irregularidade de horário, prontidão permanente e rigorosa disciplina [6].

Os graduados habilitados com o curso de “Operações Especiais” são posteriormente atribuídos às unidades mobilizadas, em regra um oficial e um sargento por cada companhia operacional. Têm por missão a organização, a instrução e o comando de grupos especiais para a execução de acções de maior delicadeza e risco nos territórios onde vão actuar. 



Ao contrário do que acontecera com as Companhias de Caçadores Especiais e do que sucede com as Companhias de Comandos, Batalhões e Companhias de Pára-quedistas e Destacamentos de Fuzileiros, ou com as unidades regulares, os militares de Operações Especiais não formam unidades de organização fixa; actuam normalmente em grupos especiais, de efectivo reduzido e composição variável, com base em pessoal seleccionado de acordo com a missão específica a executar e as aptidões técnicas e físicas exigíveis. Alguns deles, todavia, não respeitam esta regra geral, como acontece com os Grupos Especiais formados com base em militares do recrutamento africano, conhecidos por “GEs”, particularmente adaptados à contraguerrilha pelo conhecimento que têm do meio.

A dispersão dos militares de Operações Especiais pela generalidade das companhias e batalhões operacionais em todos os territórios coloniais, a natureza delicada e, por vezes, o secretismo das acções que realizam, associadas à discrição de comportamento que lhes é exigido, tornam-nos pouco conhecidos, mesmo quando morrem em operações. As várias histórias da guerra colonial pouco falam deles. O CIOE tem procurado fazer o levantamento dos militares de Operações Especiais mortos em combate nas três frentes de guerra. Até ao momento, tem identificados 1 capitão e 1 sargento dos quadros permanentes e 30 oficiais, 28 sargentos e 1 primeiro-cabo milicianos, não contabilizando as baixas ocorridas nas CCE.

4. OUTROS CURSOS

Além da formação destes especialistas em operações de contraguerrilha, que constitui a missão primária do CIOE, a unidade ministra ainda instrução especial, de duração reduzida (simples estágios) a oficiais e sargentos milicianos destinados aos pelotões de reconhecimento e informação e de defesa imediata atribuídos aos comandos de batalhão e agrupamento mobilizados. Igualmente, a quase totalidade dos comandantes destes batalhões e agrupamentos e respectivos oficiais de operações frequenta no CIOE cursos de “contra-subversão”, também conhecidos por “contra-insurreição”.

Ao longo dos treze anos de funcionamento do curso de Operações Especiais, estima-se que tenham sido instruídos no CIOE cerca de doze mil oficiais e sargentos «Rangers», na sua grande maioria milicianos.

Em conclusão, ao longo de todo o período da guerra colonial, o CIOE afirma-se como a autêntica “Escola Prática da Contraguerrilha Portuguesa em África”.

5. EXTINÇÃO E REORGANIZAÇÃO

Na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974 e do fim da guerra colonial, o CIOE é extinto em 31 de Julho de 1975, nos termos do Despacho n º 37/REO, de 14 de Julho de 1975, do Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), sendo criada nas suas instalações a Escola de Formação de Sargentos.

Em 01 de Fevereiro de 1981, nos termos do Despacho 101/REO de 22 de Janeiro de 1981, do Chefe do Estado-Maior do Exército, e no âmbito das novas missões das Forças Armadas, o CIOE é reactivado em Lamego. Para além da instrução de graduados, recebe agora também a missão de preparar forças de Operações Especiais com elevado grau de prontidão, intervenção e autonomia, visando o seu emprego prioritário em todo o tipo de acções de grande dificuldade e risco e no âmbito das Operações Não Convencionais, no quadro Nacional, da NATO ou da UE.

Em 1 de Julho de 2006, no âmbito de nova reorganização do Exército, o CIOE passa a designar-se por Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE) e a integrar a Brigada de Reacção Rápida.
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Bibliografia:

António José dos Santos Silva, “CIOE – Da Guerra do Ultramar aos Dias de Hoje”, Nova Arrancada – Sociedade Editora, SA, Lisboa, 2002.
Artigos diversos publicados na revista “Ponto de Reunião”, 1993, 1994.
Artigos diversos publicados pelo jornal “Ranger”, órgão de comunicação social da
Associação de Militares de Operações Especiais.
Documentos de arquivo do CIOE.

[1] António José dos Santos Silva, “CIOE – Da Guerra do Ultramar aos Dias de Hoje”, Nova  Arrancada – Sociedade Editora, SA, Lisboa, 2002, p. 43.
[2] Para mais pormenores, consultar a obra de António José dos Santos Silva, “CIOE – Da Guerra do Ultramar aos Dias de Hoje”, Nova Arrancada – Sociedade Editora, SA, Lisboa, 2002, p. 52.
[3]  Decreto-Lei n º 46410, Diário do Governo n º 142, 1 ª Série, de 29 de Junho de 1965.
[4]  Para mais informação ver a obra citada de António José dos Santos Silva, p. 56 e 57.
[5] Segundo texto de apoio à instrução.
[6] Idem.

Nota em 2012: Escrito em 2010, por Augusto Monteiro Valente com o pseudónimo de Carlos Dias de Sousa, para publicar a página WEB do CD25A.

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