sexta-feira, 10 de setembro de 2010

M259 - Manuel Godinho Rebocho -“AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, Um Pára-Quedista Operacional da CCP123 do BCP12 - Guiné - XXI


ATENÇÃO: Esta mensagem é a continuação das mensagens M233 a M244, M246, M248, M249, M250, M252, M253, M254, M257 e M258. Para um correcto seguimento de leitura da sequência da narração, aconselha-se a iniciar na mensagem M233, depois a M234, M235… M236... M237… etc.

Manuel Godinho Rebocho

2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12 (Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123 do Batalhão Caçadores Pára-quedistas 12)
Bissalanca/Guiné
1972 a 1974

O Dr. Manuel Godinho Rebocho é hoje Sargento-Mor na reserva e foi 2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, escreveu um excelente livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, sobre as suas guerras em África (uma comissão em Angola e outra na Guiné combatendo por Portugal) e a sua análise ao longo dos últimos anos, de que resultou esta tese do seu doutoramento.

Nesta mensagem continua-se a publicação de alguns extractos do seu livro, já iniciadas nas mensagens M233 a M244, M246, M248, M249, M250, M252, M253 M254, M257 e M258:

(continuação)

POSFÁCIO / DEPOIMENTOS


2. António Augusto Soeiro Delgadinho
Cumpriu uma Comissão de Serviço, nos anos de 1973 – 1974, como Alferes Miliciano, Comandando um Pelotão Operacional, na Guiné.
Ao ser convidado para escrever parte do posfácio deste livro fiquei bastante surpreendido. Tenho a certeza que irá surpreender também todos aqueles que tiverem o privilégio de o ler.
Quero primeiro que tudo, realçar o trabalho efectuado na investigação e dedicação sobre a Guerra de África.
Nos anos de 1961 a 1974 quase todos os jovens passaram por este tipo de situações. Para nós jovens da altura tínhamos que dedicar estes cerca de três anos ao país para defender a Pátria, como nos diziam na altura.
Expressar aqui a minha vivência da Guiné, não é mais do que uma achega ao que está relatado; um parágrafo nesta história magnífica que deverá ser reconhecida pelos nossos governantes e servir de ensinamento aos vindouros.
Ensinaram-nos enquanto fazíamos a especialidade que deveríamos ir pregar a paz, o amor e ensinar os naturais desses países a serem felizes.
Ao mesmo tempo ensinavam-nos a manusear armas que só serviam para matar e ferir.
Com estes ensinamentos lá segui para a Guiné. O Batalhão instalou-se em Nova Lamego, área que, segundo os entendidos, era zona de poucos conflitos com o inimigo, facto que testemunho pelo tempo que lá passei.
Mas, a situação no teatro de guerra começou a ser diferente e o Batalhão teve que se transferir para o Sul, para reforçar a zona do Cantanhez.
À minha Companhia, depois de vir para Bissau, foi-lhe comunicado que, antes de se transferir para o Cantanhez, teria que fazer segurança a uma coluna de reabastecimento a Farim. A coluna até correu bem, mas, quando chegámos a Farim fomos informados que um dos Comandantes do P.A.I.G.C. iria para aquela zona.
Fomos logo no outro dia para Jumbembem, para reforçar a Companhia que se encontrava naquela zona, com o objectivo de emboscar a picada onde se esperava que o Inimigo iria passar.
A fronteira Norte, principalmente Guidage, encontrava-se cercada e sujeita a fortes bombardeamentos. Depois de 15 dias em Jumbembem recebemos nova ordem, segundo a qual deveríamos ir para Norte. Seguimos então para Binta numa Lancha de Desembarque Grande (LDG). Logo a seguir recebemos ordem para reabastecermos Guidage.
Numa zona fortemente flagelada pelo Inimigo, numa estrada cheia de minas e sem conhecermos absolutamente nada, lá tivemos que ir cumprir a missão.
Conseguimos arranjar uma pessoa em Binta que contratámos para nos ensinar o caminho, para evitarmos as zonas minadas e contornar o Cufeu, que era o “Corredor da Morte” para emboscadas e outras actividades do inimigo (IN).
Chegámos a Guidage e o que vimos foi desolador. Um quartel devastado pela artilharia inimiga, os soldados psicologicamente em baixo, poucas munições e de alimentos não havia nada.
Com a moral mais elevada conseguimos reabilitar o pessoal a fazer os reabastecimentos necessários e controlar a área circundante ao quartel.
Passados dois meses recebemos nova ordem. Agora para nos deslocarmos para o Sul, para o Cantanhez, que estava bastante ameaçado pelo IN.
Como era de esperar, a nossa entrada no Cantanhez teve logo uma recepção nada agradável. A Companhia que nos foi fazer protecção caiu numa emboscada logo de manhã. À tarde e como tudo indicava que não haveria problemas, estacionámos na zona e tivemos logo o primeiro contacto com o IN. Chegámos finalmente ao aquartelamento de Jamberêm e encontrámos uma zona desmatada, cercada por arame farpado com valas em zig-zag e nalguns pontos uns abrigos abaixo da cota do piso térreo cobertos ou por telhas de zinco ou lona militar.
Outros abrigos não havia, apenas um pequeno abrigo para o posto rádio. Tivemos grandes preocupações de aquartelamento a que demos a máxima prioridade. Abrimos um abrigo para a Enfermaria e criámos condições mais dignas para os militares.
O Cantanhez era agora “na altura” a zona mais apetecível para o P.A.I.G.C. passados que foram os acontecimentos de Guileje.
Os contactos no mato com o IN e os ataques deste ao nosso aquartelamento eram uma situação quase diária.
A estrada de ligação para reabastecimentos e correio era obstruída sistematicamente, quer pelo rebentamento dos pontões quer pela colocação de árvores de grande porte. O Aquartelamento era flagelado com ataques de morteiro, canhão sem recuo e até mísseis terra-terra. Chegámos a estar cerca de 60 horas debaixo de fogo.
Por incrível que pareça todas as nossas movimentações eram quase sempre procedidas com emboscadas, contactos, etc.
Foi neste panorama que estivemos até ao 25 de Abril, e mesmo depois, ainda tivemos algumas baixas, fruto da desorganização instalada nos nossos governantes.
De salientar que durante todos este tempo só fomos visitados uma vez pelo General Spínola e o apoio que deveríamos ter a nível superior nunca existiu.
Como conclusão quero aqui salientar mais uma vez o esforço, a dedicação e o empenho que o autor deste livro teve.
Permito-me aqui, em nome daqueles que passaram por esta tormenta, o nosso muito obrigado ao autor.

(continua)

Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados

 

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