segunda-feira, 23 de julho de 2012

M519 - CRISE, ORÇAMENTO E TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (TC), pelo TcorPilAV Brandão Ferreira


CRISE, ORÇAMENTO E TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (TC)
                                                                                                                                13/07/12 

O recente acórdão do TC tornando inconstitucional o articulado da Lei do Orçamento que permite os cortes dos subsídios de férias e de Natal, que foi promulgado pelo PR, tem levantado o maior dos sururus.

O fundamento principal deste acórdão baseia-se no facto de ter sido ferido o princípio da igualdade, isto é os cortes apenas se aplicarem aos trabalhadores da função pública e não a todos os cidadãos.

Devo começar por dizer que considero o TC uma inutilidade dispendiosa; uma espécie de pendericalho de novos - ricos. Em primeiro lugar porque a Constituição da República (CR) – que deveria chamar-se Constituição de Portugal, ou da Nação Portuguesa – devia conter apenas princípios fundamentais, ser simples e clara, o necessário, para tornar qualquer dúvida de constitucionalidade um episódio raro; depois porque não se justifica a sua existência, já que um dos Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal de Justiça poderia ter uma “secção” especializada nesta matéria.

Finalmente, porque tendo a nomeação dos titulares, organização e funcionamento do TC, uma tónica eminentemente política, a independência dos seus juízes fica, desde logo, prejudicada.

Não sendo as coisas assim tão claras e face à contestação e controvérsia verificada, no caso vertente, só parece haver uma solução lógica para ultrapassar o imbróglio: a de criar mais um TC, este de 2ª instância, quiçá um Supremo TC!…

Bom, mas o que é um facto é que o TC existe, e existindo deve ser respeitado. Ora o próprio acórdão em apreço, contém os germes do desrespeito que o TC infligiu a si mesmo.

De facto não faz sentido que o TC decida que o corte dos subsídios é ilegal mas que, dado o “adiantado da hora”, essa ilegalidade só deve entrar em vigor em 2013… Qualquer assembleia de pastores dos baldios da Serra da Estrela conseguia, seguramente, lavrar uma sentença de melhor siso! (1)

E para o provar basta atentar no que diz o nº 1 do artigo 282º da CR:

Artigo 282

(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

Por outro lado, e com o mesmo critério, o TC deveria tornar inconstitucional, os cortes nos vencimentos da função pública. Porque não o fez? É a pedido?

E as vergonhosas excepções que se foram fazendo aos citados cortes, nalgumas instituições do Sector Empresarial do Estado, respeitarão o princípio da igualdade?

Ou será que o acórdão do TC (o que Deus não queira…), se destina apenas a facilitar a vida ao governo, de modo a mais facilmente poder cortar, no futuro o 13º e 14º mês ao sector privado?

Alega o TC que o Orçamento do Estado já levava seis meses de execução e que se a inconstitucionalidade vigorasse já para este ano, tal iria prejudicar muitíssimo os compromissos assumidos pelo Governo. É verdade, mas não foi isso que se lhes perguntou, nem vai evitar que o prejuízo não tenha que ser colmatado mais tarde.

E tudo não deixa de representar uma incongruência e uma trapalhada, justamente num processo em que, o que se pretendia era clareza, transparência e racionalidade.

Existe aqui, também, um problema de “timing”. O PR deveria ter exercido o poder que lhe é concedido pela CR e pedido a apreciação preventiva de constitucionalidade. Acresce, ainda, que os Senhores Juízes do TC deveriam habituar-se a ser mais expeditos na lavra dos seus acórdãos.

Averiguem, por ex., junto dos oficiais do Estado-Maior que preparou a última hipotética intervenção militar na Guiné, quantas horas é que dormiram a menos, durante largos dias…

Finalmente dois pontos devem, ainda, ser ponderados. Se verificarmos que o articulado da CR (partindo do princípio que ela é necessária), já não está ajustado às realidades actuais, a mesma deve ser revista.

Porém, os mecanismos que regulam a revisão da CR, se bem que tenham a sua lógica, tornam quase impossível revê-la (muito menos com celeridade) nos aspectos que envolvam controvérsia política.

Ou seja, a CR tem um ferrolho a guardá-la (a excepção dá-se quando existe um acordo, digamos que “por baixo da mesa”, dos partidos do “centrão” político, para adoptarem uma determinada imposição. Caso da dignidade e hierarquia concedidas às normativas oriundas de Bruxelas, que vigoram directamente na ordem interna portuguesa e que surgiu na última revisão ao modificar o artigo 8. Aspecto da maior gravidade que devia ter sido objecto de amplo debate e consenso e que só um referendo poderia legitimar.

O segundo ponto tem a ver com a excepcionalidade da situação existente, causada pela “crise financeira e económica” (que nos limita fortemente a soberania), reclamada em coro, por todos os actores políticos, sociais e económicos.

Bom, se a situação é de excepção (creio, até, que é muito mais grave do que isso), então porque não se toma medidas verdadeiramente de excepção, como seriam a declaração do estado de emergência ou de sítio?

Estaríamos, ainda, no campo constitucional e o PR (enfim, teria que ser outro), ficaria com a legitimidade para tomar as medidas que se imponham, sem um conjunto enorme de condicionantes, que estão a arrastar o país para o abismo.

Porém, nem estas me parecem que se possam aplicar, já que:

O estado de emergência, só pode ser declarado “quando se verifiquem situações de maior gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública”; e o estado de sítio é “declarado quando se verifiquem ou estejam eminentes actos de forças ou insurreição que ponham em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional democrática e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na Constituição e na Lei”.

Porque, de facto, nós estamos a fazer muito pouco para sair da “crise”, apenas nos limitamos a tomar medidas para adiar a queda no precipício…

Uma pergunta para terminar: será inteligente cogitar/acreditar, que os elementos da actual classe política e seus métodos, que nos guiaram ao presente desastre, podem ser os mesmos que nos poderão fazer emergir dele?

(1) E parece que também se terá enganado, ao considerar o corte do 14º mês só para o ano que vem, já que o subsídio de férias é referente ao ano anterior… Apenas o abono do 13º mês diz respeito ao ano em curso.

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