Júlio Pinto (ver mensagem M63) recorda duas histórias da sua comissão em Angola e um poema dedicado a todos os combatentes que não regressaram.
BANHO FORÇADO
Um belo dia numa picada que não era utilizada havia vários anos, seguia o meu GC (Grupo de Combate) em coluna motorizada e, a dada altura, procedemos à troca de posições, tendo-me tocado a mim ir para a cabeça da coluna num Unimog 406.
Lá íamos abrindo caminho quando, de repente, nos surge uma ponte com muito bom aspecto (já que os madeiros do tabuleiro se apresentavam muito certinhos), enfim tudo muito bem parecido.
Dada a minha preparação de Lamego, onde frequentei o 2º curso de Operações Especiais/RANGERS em 1967, havia-me tornado mais perspicaz, pelo que, quando olhei melhor para a ponte desconfiei que algo não “batia” certo e disse ao condutor, de nome Assis, que hoje vive nos U.S.A. (estive com ele em Abril último):
Mal ele encostou as rodas do Unimog na ponte, esta começou a ranger ameaçando cair.
- Pára pá e faz marcha-atrás! - disse eu.
Ele assim fez e eu disse então ao pessoal para se apear.
- Passa lá agora.
O Assis, que era um pouco gago, virou-se para mim e disse:
- Pois o condudududutor ééééééééé que se fofofofofofofode se isisisisisttototo cacacacair".
Vai daí digo-lhe eu:
- Se caíres não cais sozinho.
Saltei para cima da viatura e atrás de mim veio o Cabo Maia (camarada este que eu nunca mais o vi até aos dias de hoje).
O Assis mais apoiado moralmente torna a avançar com a viatura para a ponte.
Deu-se então a previsível queda da ponte, que nos atirou a todos para o rio com uma velocidade fulminante. Felizmente ninguém se feriu, porque a viatura ficou de lado e eu e o cabo saltamos logo para fora dela. O Assis ficou agarrado ao volante e, como o rio não era fundo, ficou meio dentro de água, meio fora de água.
Ainda hoje passados estes 40 anos, parece que estou a ver no ar, à minha frente, aí a uns dois palmos do meu nariz, os pés do Cabo Maia, que voou literalmente para o rio.
E pronto, lá endireitamos a viatura e seguimos viagem. Eu, o Cabo e o Assis íamos encharcados, tal como os pintos caídos à água.
Este incidente, hoje recordado com muita piada, podia ter sido bem mais grave mas, felizmente, não foi.
COMO QUASE MATEI UM CAMARADA
Uma bela noite de África quente, com aquele cheiro maravilhoso daquela terra vermelha, que ainda hoje sentimos nas narinas, estávamos sentados à conversa, quando de repente se ouviu uma rajada de G3, ou de arma parecida, mais ou menos a uns 80 metros de nós.
O relógio rondava as 22h00, não se via nada, pois não havia luz pública e a das casas era fraca.
Lá foi a cadeira, onde estava sentado, não sei para onde, corri porta adentro do meu quarto, peguei a minha FN e duas granadas ofensivas.
Pedi ao Furriel Carneiro, encarregado do gerador para ir apagar a luz, entretanto saio a correr de FN em punho para trás de um muro, que circundava o edifício onde dormíamos.
Por entre o intervalo dos tijolos do muro enfiei a FN e comecei a perscrutar o mato, no meio da escuridão da noite, a ver se via algum movimento suspeito. Atrás de mim vieram os outros Furriéis e o Alferes, tomando posições idênticas à minha.
Pensei: “Venham os gajos, que eu estou pronto!”
De repente aparecem-me dois vultos na frente, surgidos do meio da escuridão, não sei que me deu ou que “bateu” cá dentro e contra todas a regras gritei: “Quem vem lá?"
Respondeu-me um camarada, o Furriel Milº Soares: "Estai quietos, sou eu e o soldado (não me lembra o nome dele)".
Eu respondi-lhe: "Ainda bem que não gaguejaste, senão furava-te todo."
O que se tinha passado: O Soares foi passar uma ronda aos postos das sentinelas e já no regresso passou no posto policial, onde havia 5 ou 6 polícias.
Conversa para ali, conversa para aqui, um dos polícias tinha uma FBP e, sem querer puxou o gatilho, enfiando junto às pernas do Soares 20 balas no chão.
Incrivelmente, não se feriu ninguém, mas podia ter sido uma tragédia. O Soares quando chegou à nossa beira vinha branco como a cal da parede, pudera!
Claro que, excepcionalmente nessa noite, tivemos direito a mais um tempo extra de luz (pois o gerador só aguentava trabalhar 4 horas consecutivas - e esse habitualmente era entre as 18 às 22 horas).
Passado o alarme, fomos “apagar” o susto no bar, bebendo uns copos e relembrando o acontecido, coisa que, ainda hoje a esta distância, recordamos alegre e sadiamente.
POEMA AOS QUE NÃO REGRESSARAM
Homenagem que dediquei a todos aqueles que deram a vida pela Pátria, em África, com um grande abraço para todos os restantes ex-Combatentes do Júlio Pinto.
O MENINO
Como sorria
Quando acordava,
Ao ver a Mãe, que o amava
Como sorria.
A Mãe, com ele ao colo, sorrindo,
Ao tempo que o mimava,
Rezava a Deus pedindo,
Se do mundo o guardava.
Cresceu. Veio a tropa, veio a guerra.
Á pressa num homem se tornou,
Teve que deixar a terra,
Um dia, uma bala a vida lhe roubou
E voltou de novo, à terra,
E a Mãe, que o amava, chorou, chorou...
Autoria Júlio Pinto (09/03/1998)