“FORÇAS ARMADAS E “PRÓS E CONTRAS” Por João J. Brandão Ferreira (Oficial Piloto Aviador)
25/02/13
A emissão do conhecido programa “Prós e Contras” do passado dia 24/2, sobre aquilo a que chamam “reformas das Forças Armadas” (FAs), correu bem.
Bem, no sentido em que o debate foi sereno, onde se disseram coisas importantes, algumas delas pela 1ª vez em televisão (pecam só por tardias) e com a veemência e o sentimento requerido, notando-se, ainda, uma ausência total de disparates e de erros grosseiros de análise, o que muito apraz registrar.[1]
Estão, pois, de parabéns todos os intervenientes.
A única coisa que não correu bem foi a ausência de contraditório – dado que as intervenções correram todas no mesmo sentido. Ora isto não tirando valor ao programa, é uma menos - valia, deixando de haver o contraponto que o próprio nome indicia: prós e contras.
Mas, enfim, as coisas são o que são e percebe-se que os “governamentais” andem acossados e tenham dificuldades em defender os disparates que querem impor ao que resta da Instituição Militar. Que é já muito pouco.
Não me parecendo haver necessidade em rebater nada do que foi dito, pareceu-me útil trazer algumas reflexões sobre três ideias lá expressas e que nada têm a ver com o tema base do programa, mas que surgiram, naturalmente, durante a troca de ideias.
São elas a afirmação de que “a Democracia Portuguesa só tem 40 anos e não está madura”; “em Democracia há sempre soluções” e “ para haver Democracia é necessário dar um nível de vida mínimo à população”.
A ideia da maturidade percebe-se e tem razão de ser. Mas atentemos:
A ideia moderna de Democracia é recente. Desenvolveu-se primeiro em Inglaterra, sobretudo a partir de 1688 (depois de guerras civis sangrentas e da continuada tentativa de hegemonia inglesa sobre toda a ilha e da Irlanda) mas, sobretudo a partir da Constituição Americana (1776) a que se seguiu a Revolução Francesa (1789).
Esta última aguentou-se à custa de centenas de milhares de mortos, onde marcou presença o uso indiscriminado da guilhotina e o afogamento da nobreza nas margens do Loire.
Da guerra civil passou-se à exportação da ideia na ponta das baionetas, por toda a Europa.
A chacina só terminou em 1815, após Waterloo. Mas as ideias perduraram.
A partir daqui germinaram multitudes de “ismos”: o capitalismo, o socialismo, o comunismo, o trotskismo, o fascismo, o anarquismo, o nazismo, etc.
A bulha continuou.
Estamos a falar de ideias que se focalizaram sobretudo na Europa e nas Américas. Ou seja a maior parte do mundo era alheia à ideia de Democracia - o que se estende até hoje, sobretudo em África, na Ásia, Rússia e países muçulmanos; enquanto isso, todo o mundo foi sendo afectado, circunstancialmente, pelos “ismos”.
A ideia de estender o ideal democrático à Humanidade (nem que seja à bomba), a partir do Ocidente, só tomou um sentido uniformemente acelerado após o fim da IIGM. A ciência política estagnou e, pior, deixou de se fazer uso adequado do único laboratório que tal ciência dispõe: o estudo da História.
Em Portugal as ideias democráticas chegaram ainda no século XVIII, por via do ideário racionalista, mas a sua repercussão foi pequena (apesar do Marquês de Pombal ter sido um dos seus arautos).
O país só foi verdadeiramente afectado depois do imperialismo napoleónico ter sido expulso das terras lusas, começando a tomar forma após a Revolução de 1820 que instituiu o Liberalismo.
O processo, como se sabe esteve longe de ser pacífico e durou até 1926, registando-se o marco revolucionário de 5 de Outubro de 1910 em que, com a República, se implantou a “Democracia Directa”.
Ou seja quando se falou em 40 anos, não se referiu que para trás ficaram 90 anos de Liberalismo (1820-1910) e 16 anos de Democracia Directa (1910-1926).
Se agora se diz que a Democracia não está madura (pudera!), o que se poderá dizer do que se passou antes?
Vejamos, em 90 anos de Liberalismo, de lutas partidárias e demolições constantes, onde se desarticulou a Nação, contabiliza-se:
Seis monarcas (dos quais dois assassinados) e três Regências, uma chefia do Estado em cada década e qualquer coisa como 142 governos (um governo cada ano e meio); 42 Parlamentos, dos quais 35 dissolvidos violentamente; 31 ditaduras, de que resulta o Liberalismo ter vivido um terço da sua existência fora da normalidade; e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, sedições, etc.
De registar que ocorreu a maior e mais mortífera guerra civil que em Portugal já houve (1828-1834) e duas menores (Maria da Fonte e Patuleia, 1846/7).
Por outro lado, em 16 anos de (pavorosa) “Democracia Directa”, conta-se:
Oito chefes de Estado, dos quais um foi assassinado, dois exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído. Houve 45 governos (um chefe de governo assassinado) – o que dá uma média de três governos por ano; oito Parlamentos, dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras. Em súmula, dos 16 anos só cinco foram vividos dentro da Constituição de 1911.
Resultou de tudo isto que o país (e os militares) se fartaram de bagunça e instituíram uma ditadura militar até se institucionalizar o Estado Novo.
O País ficou tão farto de Partidos Políticos que se acabou com eles (durante 692 anos – 1128 a 1820 – a Nação, aliás, governou-se sem eles e nunca fez tão má figura como depois de terem surgido…).
Depois de 1974 voltou-se ao mesmo.
Bom, não voltámos a ter guerra civil (embora em 1975 tenha estado por um fio), mas perdemos 95% do nosso território e 60% da população e depois disso tivemos três intervenções estrangeiras para evitar a bancarrota.
Isto apesar de o anterior regime ter deixado 866 toneladas de ouro, 50 milhões de contos em divisas e uma das moedas mais fortes e respeitadas do mundo (seguramente uma “triple A” das agências de rating actuais); a economia estar a crescer a 7% ao ano e haver pleno emprego.[2]
E, já me esquecia, depois de a CEE/CE/UE, ter “injetado” cerca de dois milhões de contos/dia, no país, desde 1986.[3] Ou seja, quase tudo o que se realizou foi feito por riqueza não gerada na vivência desta 3ª República…
Convinha que o País refletisse sobre tudo isto e tentasse perceber como tal foi possível e ver se aprende alguma coisa com os acertos e erros do passado…
Isto depois de termos tido, desde o 25/4, quatro PRs (eleitos) e 19 governos constitucionais (um governo cada dois anos) e nenhum golpe de estado nem nenhuma guerra nas fronteiras.
Agora estamos com uma canga em cima do pescoço e perdemos o que nos restava de poder e liberdade. Não há “Norte” e a sociedade mergulhou no relativismo moral infrene.
Vejamos a questão, aliás tão cara ao Dr. Mário Soares, de que em Democracia há sempre soluções.
Bom, tem dias. E noutro regime qualquer, também há sempre solução, ou seja as águas vão sempre desaguar a qualquer lado. Ou não será assim?
Ora pondo de lado a questão não despicienda de se saber exactamente o que se entende por “Democracia” e o modo escolhido quanto ao seu exercício, deve ter-se em conta duas coisas primordiais: a competência, honestidade e patriotismo dos políticos e a sua representatividade.
A questão da representatividade é um assunto nunca resolvido e que pode ser sempre melhorada; a questão da probidade – que é o asseio da alma – é ainda mais importante: de que serve ter um regime democrático (ou, já agora, qualquer outro), se tivermos bandidos nos lugares de topo? Que soluções se encontrarão?
Por outro lado, discutir o “sistema” não faz parte da essência democrática? Porquê, então, ninguém o quer fazer?
E ao contrário do que se ouviu, a mim parece-me que o sistema em Portugal está bloqueado, pois entre o que diz a Constituição, os poderes do PR, a acção dos Tribunais e o espectro político do Parlamento – que determina o governo – que soluções diferentes se encontrarão?
Isto sem falar com o pano de fundo da deficiente preparação/alheamento cívico da generalidade da população.
A aplicação da Democracia “lato senso” regista, ainda, cinco principais problemas entre nós:
A Democracia não é um fim sem si mesmo e não deve ser considerado como tal. A Democracia é apenas um sistema político, não está acima da Pátria, da verdade, da Justiça, do Bem, da Liberdade, etc.;
O facto daquilo que interessa ser a quantidade, não a qualidade, facto consumado na “ditadura” do voto universal e igualitário;
A acção muito nociva dos partidos políticos que são os actores principais (e quase exclusivos) da cena política. O seu comportamento está eivado de erros e vícios que necessitam páginas para os descrever, mas que se sintetiza numa frase: em vez de serem uma escola de civismo comportam-se como se fossem agências de emprego;
A subordinação da actividade política aos ciclos eleitorais gera uma “guerra civil” permanente e demagogia a jorros, impedindo na prática qualquer governação. No fundo raramente se faz o que se deve mas sim o que se julga que rende mais votos. Tudo é centrífugo, nada é centrípeto; tudo é circunstancial, nada é institucional.
Finalmente uma questão psicológica sobreleva todas as outras: a falsa sensação que é transmitida para a opinião pública (e publicada) que os cidadãos, pelo simples uso do voto determinam os eventos.
Este último aspecto é aquele que melhor contraria a célebre frase de Churchill de que a “Democracia é o pior sistema político à excepção de todos os outros”…
Por último, atente-se a curiosa frase de que para se viver em Democracia é necessário dar um nível de vida mínimo às pessoas.
Esta ideia levanta duas questões principais: será que a Democracia se aplica apenas a países ricos ou razoavelmente ricos?
E, por outro lado, como então se chega à riqueza, através de ditaduras?
Curiosas estas questões, que davam excelentes prós e contras.
Não acham?
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Enfim, o orçamento relativo ao MDN merecia ser dilucidado.
[2] Apesar, farão o favor de notar, do país estar empenhado em três frentes de guerra, e ter cerca de 230.000 homens em armas espalhados por quatro continentes e quatro oceanos. Agora parece que não conseguimos ter 38.000 acantonados no “triângulo”…
[3] De que nunca se apresentaram contas.