A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEZ UMA NOTA (EM 16 DE DEZEMBRO DE 2022)
20/12/22
por João José Brandão Ferreira - Oficial Piloto Aviador (Ref.)
“A História é um conjunto de mentiras sobre
as quais se chegou a um acordo”.
Napoleão Bonaparte
Porquê em 16 de Dezembro? Pois, por perfazerem 50 anos sobre o alegado “massacre
de Wiriyamu”.
Tal nota culmina uma verdadeira campanha de denegrimento e difamação da Honra
Nacional Portuguesa e das suas Forças Armadas e dos próprios responsáveis políticos do país,
ao tempo. Ou seja, o próprio Estado. Feito por cidadãos nacionais.
Tal confluiu, em vários artigos, em jornais e revistas de grande circulação (não
propriamente de referência), entrevistas na televisão e até declarações da segunda figura do
Estado, pessoa cuja natureza e ideologia está longe de enobrecer o Parlamento. Tudo sem
cuidados de contraditório...
É difícil descer-se tão baixo. Culminou na nota da Presidência. Foquemo-nos nesta.
É raro conseguir-se num tão curto texto, tamanha sorte de disparates. É quase como em
cada termo se descobrir um erro, uma vacuidade, uma meia verdade, um aborto linguístico,
uma maleita de pensamento, um esgar demagógico, um enviesamento da verdade dos factos e
das circunstâncias, acompanhada de aleivosias ideológicas.
Nada está enquadrado, e é de propósito.
E sobre o que as intenções denotam, apontam e induzem, não há adjectivos
suficientemente poderosos para as classificar.
Começa a “Nota” por referir, que o ano de 1972, que estava a findar (supõe-se que para
situar o que vem à frente) foi determinante para a queda da Ditadura. Aqui começa logo o
disparate, pois o País vivia debaixo de uma ordem constitucional (aliás a única até hoje, que foi
plebiscitada) com todas as suas instituições a funcionar, reconhecida internacionalmente e até
onde o sistema de justiça funcionava melhor do que hoje. Já nem falo do resto.
Espraia-se a nota sobre o que referiu ter sido a “manutenção da chefia do Estado”, a
“aceleração da rutura da ala Liberal”, o “crescendo dos movimentos de oposição democrática,
estudantis, económicos e sociais, vários deles já de acção armada, e o distanciamento de
sectores católicos – culminando na vigília da Capela do Rato – aceleravam esse período
terminal”.
Não se entende nada do que este arrazoado – que expressa apenas uma pequena parte
do que se passava no país em termos de acção política e social, comum a diferentes épocas –
possa ter a ver com a finalidade da nota – aliás feita a despropósito.
E é curioso notar – mas não surpreende – que a “oposição democrática” realizasse
acções “armadas”, como se tal fosse curial acontecer.
E ainda, irrompe a nota – provavelmente também elaborada debaixo de “cansaço” de
uma noite mal dormida – pela guerra a que forças antiportuguesas e interesses internacionais,
sujeitavam o país, para afirmar que “o agravamento da situação na Guiné-Bissau, que não
pararia com o assassinato de Amílcar Cabral, e em Moçambique anunciavam os dias do fim”. Do
fim do quê, meu Deus? Do regime político em que vivíamos? Da guerra que aguentávamos
estoica e vitoriosamente há mais de 10 anos? Da substituição da ordem pelo caos? Da honra
pela desonra? O fim de uma “maneira portuguesa de estar no mundo”, pelo desnorte? A que
fim se refere esta malévola missiva? E que pretende subentender com a referência ao
“assassinato de Amílcar Cabral”? Que foi morto a mando das autoridades portuguesas? Ou que
a guerra terá piorado apesar da sua morte? 1
Para, em jeito de conclusão, afirmar esta cretinice: “Wiriyamu foi um sinal do desespero
nesses dias do fim. No modo como abalou toda a clássica argumentação da posição oficial do
poder de Lisboa, bem como a alegada legitimação do regime e da situação colonial”.
Será que o autor da nota estará no seu perfeito estado psicossomático? Vamos lá ver:
naquela época faziam-se 150 operações militares por dia, em Moçambique, a Frelimo estava
praticamente esgotada e Wiriyamu foi um sinal de desespero? A operação de facto correu mal,
não se atingindo o seu objectivo principal, que era a captura de um guerrilheiro (maconde) que
nos emboscava as tropas tendo, na sequência, sido mortos um número nunca avaliado, com
segurança (estima-se cerca de 200), de elementos da população que estavam debaixo de duplo
controlo, de uma forma pouco consentânea com as leis e ética militar (que, aliás, os
guerrilheiros nunca seguiram), que algumas atenuantes não desculpam de todo, tudo
derivando de um descontrolo de liderança, a um baixo nível de comando, e tal passa por ser
uma situação que envergonha a honra nacional?
Sendo um caso isolado (o que não se passava com a actuação dos agora apelidados
“movimentos de libertação”, que raptavam a população; faziam execuções selectivas, de quem
se recusava a colaborar, bombardeavam indiscriminadamente povoações onde havia unidades
militares; colocavam minas em percursos utilizados pela população civil e mais um rol extenso
de barbaridades, e o que resta dos portugueses (sim porque muitos dos que faziam estas
atrocidades também eram portugueses) - agora apenas europeus, mas cada vez com mais
“migrantes” provenientes dos países africanos e asiáticos que foram “libertados”- têm que
pedir desculpa por ter acontecido um acto infeliz numa campanha militar que durou 14 anos? E
cuja doutrina e comando superior nunca ordenou, por norma, algo que não fosse consentâneo
com a Moral, o Direito e a Justiça?
Mas que despautério e pouca vergonha é esta?
Por isso nada do que se passou pôs em causa a legitimação do Regime nem a posição do
Poder em Lisboa.
E será que o aparentemente ilustrado escrevinhador da nota, não saberá distinguir o
que é luta política contra, ou em defesa, de um sistema ou regime político – o que existe em
Portugal desde o tempo do Rei Senhor D. Afonso II – da defesa da integridade da Pátria, que se
traduz na defesa do território e segurança das populações, que foi o que se passou durante
cerca de 850 anos, tanto no território europeu, como no que foi sendo acrescentado pelo
mundo fora, o que ocorreu durante seis centúrias?
Sabe porventura o nome que se dá aos nacionais que se passam para o lado do inimigo?
Medite nisso.
Mas se a Presidência da República anda tão preocupada com estes casos, porque é que
tem mantido uma omissão dolosa – um exemplo entre muitos – sobre o bárbaro fuzilamento
de centenas de antigos comandos do Exército, guineenses, mortos pelo PAIGC, já a guerra tinha
terminado?
Já agora o “Movimento dos Capitães” não teve nada a ver com Wiriyamu, sendo certo
que alguns andavam assustados, mais até com aquilo que ouviam, do que com aquilo que
sabiam. Porventura, devem ter pensado que, vir para a Academia Militar ou para a Escola
Naval, era como empregar-se numa agência de viagens, que os levaria a irem fazer safaris na
Gorongosa...
Calhando, ainda são alguns dos que tem andado a condecorar a esmo e a despropósito,
ultimamente.
E atreve-se a falar no “conhecimento posterior dos seus contornos” (Wiriyamu)
certamente querendo fazer alusão à miserável notícia do jornal “The Times”, onde os tais
contornos foram falsamente ampliados e tornados escabrosos aproveitando-se tal notícia para
efeitos de propaganda política contra o governo português de então, cavalgada maldosamente
por elementos da chamada “oposição”, onde também se incluíam os “peixinhos vermelhos em
pia de água benta” (que passaram a pulular a partir do Concílio do Vaticano II), que a
desgastada figura presidencial foi homenagear há dias, na Capela do Rato?
Estamos conversados.
Só a tempo ainda de desmentir o último parágrafo da “Nota” que afirma ser “tempo de
assumir em plenitude o que foi a inaceitável e terrível obra de alguns” (presume-se que uma
parte dos elementos da 6a Companhia de Comandos, comandados por dois alferes e alguns
furriéis e todos do recrutamento de Moçambique), “mas acabam por responsabilizar, como um
todo, Portugal”.
Senhor escrevinhador de notas: o que se passou não foi escondido oficialmente, foi-se
revelando à medida que se foi sabendo (houve pelo menos três inquéritos) e logo foi assumido
oficialmente, em 1973, ainda no tempo do Professor Marcello Caetano – pessoa que, presumo,
o actual inquilino de Belém tenha conhecido bastante bem.
E, por último, faço uma pergunta: em 1972 Moçambique era oficialmente (de “jure” e
de “facto”) território português (ou não seria?); as populações eram portuguesas, portanto.
Ora, tendo havido uma acção menos própria das autoridades portuguesas, (assim a
modos como nos incêndios de Pedrógão, há poucos anos) a única coisa que se deveria ter feito
era pedir desculpa às famílias, injustamente atingidas e atribuir-lhes alguma reparação. E punir
os responsáveis que tinham o domínio do facto.
Estamos a pedir desculpa hoje, a quem, e à pala de quê?
Não tenho a certeza que tenha sido o Presidente, ele próprio, a escrever a nota, mas tal
não lhe retira a responsabilidade.
Quem escreve notas deste calibre, não se está a dar ao respeito, nem respeita o cargo
que ocupa. Por isso não pode, nem deve ser respeitado.2
(1) - Desde já se afirma (com o conhecimento que temos) que o líder do PAIGC Amílcar Cabral (que aliás nunca
combateu no mato), não foi morto por forças portuguesas.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)