Continuação da mensagem M559 - Porque não morri?! O último grande combate. Capítulo 1. Um conto de Victor Cerqueira
NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos.
A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo.
Diz o autor - Vitor Cerqueira:
"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora.
Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras.
Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa!
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Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço.
O ÚLTIMO GRANDE COMBATE
TCHAZICA | MOÇAMBIQUE
1974
VICTOR CERQUEIRA
2º CAPÍTULO
Os grupos especiais paraquedistas
GEP
Os grupos Especiais Pára-quedistas, GEP, foram fundados pelo General Kaúlza de Arriaga como uma tropa Moçambicana, formada preferencialmente por Moçambicanos e que tinha por trás a ideia de uma força militar para apoio de uma futura independência daquela Província.
Esta preferência por Moçambicanos era, ou pretendia-se que fosse, algo de estruturante, e por isso foi sempre mal acolhida pela Metrópole daí as verbas destinadas a estas forças virem das “sobras” do Comando-chefe…
Esteve sempre muito ligado a esta força especial o Engenheiro Jorge Jardim e era aliás, cognominada quanto a Lopes da Gama mal, pelos detractores locais e nacionais da ideia, “pela tropa do Jardim” e, por outro lado, pela Frelimo de mercenários.
De facto esta tropa era mais bem remunerada do que a tropa normal e até das diferentes tropas especiais. Mas esta ligação que de facto existia, sobretudo em termos de concepção, fundamentação ideológica e filosofia, dava-lhe a matriz de tropa Moçambicana para um futuro relativamente próximo, de total independência de Moçambique.
Se ligarmos os GEP aos GE (Grupos Especiais) mais esta matriz se acentuava.
A concepção destas forças especiais tinha como base princípios simples, ou seja: autonomia, enorme capacidade de sobrevivência com poucos meios e, por isso grande mobilidade e operacionalidade.
E barata.
Expliquemos: cada grupo era composto por oitenta homens, um Alferes e quatro Furriéis (na concepção original seriam cinco, um para apoio directo ao Alferes mas nunca se concretizou) divididos em quatro subgrupos de vinte homens. Os subgrupos eram comandados pelos furriéis e cada um destes subgrupos tinha uma equipa a que se chamava equipa de comando que era composto por um homem do morteiro sessenta, o homem da metralhadora mais pesada normalmente a HK21, o homem do rádio (racal) e o enfermeiro, todos cabos e comandados por um cabo. Depois mais três equipas de cinco homens também comandadas por cabos.
Esta pequena força, como se pode ver tinha uma larga capacidade de poder de fogo, mobilidade e por isso intervenção.
E, dada a natureza e origem dos seus homens, os GEPs podiam estar em operação, vários dias sem grandes preocupações de reabastecimento alimentar.
O primeiro comandante dos Grupos Especiais Pára-quedistas foi o Coronel Pára-quedista Costa Campos, um dos oficiais mais condecorados das forças Armadas por acções em combate e, aquando da atribuição deste comando, o mais jovem Coronel das Forças Armadas Portuguesas.
A má-língua que nos é tradicional, dizia aliás, que ele só tinha aceitado preparar esta força exactamente para ser promovido…
A preparação militar era administrada por Sargentos e Oficiais Pára-quedistas profissionais, todos eles com larga experiência operacional em diferentes teatros de guerra e com folhas de serviço impressionantes. A escolha foi tão criteriosa que se costumava dizer que tinham o dedo do comandante. O dedo e a confiança.
Alguns destes instrutores, depois de ministrar a preparação integravam os próprios grupos e foi assim sobretudo nos primeiros dois grupos, o 001 e o 002, embora esta filosofia fosse dentro do possível mantida ao longo da história desta tropa de elite, isto é os Furriéis e Alferes ministravam a preparação inicial dos seus próprios homens. Os Oficias e Sargentos “Paras” profissionais normalmente ficavam-se pela instrução.
Os primeiros soldados, que dariam origem ao 001, 002, 003 e suponho 004, tinham uma origem muito diversificada, sendo no entanto a maioria do norte com preponderância das etnias Macua e Maconde, que se foi alargando a quase todas a etnias de Moçambique.
Um aspecto muito importante a salientar é que muitos deles, alguns graduados em Furriéis, eram quadros e ex guerrilheiros da FRELIMO.
Penso aliás, que existiam em quase todos os grupos, no 006 eram seis entre soldados e cabos.
O Centro de Instruções de Grupos Especiais (CIGE) foi sediado no Dondo, pequena Vila a cerca de trinta quilómetros da Beira. Aproveitaram um antigo quartel que tinha sido desactivado e que estava em muito mal estado, mas que foi sendo recuperado pouco a pouco.
Como o Quartel estava no centro da Vila e era pequeno, aproveitava-se para a Parada o enorme largo central da mesma. O que acabava por se transformar num autêntico espectáculo com uma certa beleza, porque não só se fazia as praxes normais, apresentação dos Grupos, recepção dos mesmos quando vinham do mato, etc. etc., como se fazia a preparação física e de ordem unida. Era um espectáculo.
Esta era a filosofia que estava na génese da formação destas tropas de elite e que era coerente com a nova estratégia do Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique numa cada vez maior africanização da guerra.
A quando do envio para as zonas operacionais os GEPs ficavam dependentes do COFI (Comando Operacional das Forças de Intervenção) e adstritas em termos de logística a uma qualquer companhia que estivesse no local para onde eram mandados ou se não houvesse outras tropas seriam em termos logísticos autónomos.
Já os GE iam para junto das suas populações, de onde eram originários (normalmente) e viviam com as suas famílias, participando nas operações julgadas convenientes pelos seus comandantes e pelas tropas locais, com grande sucesso, diga-se de passagem. Mas o Poder central em Lisboa, nunca foi muito favorável a esta tropa pois percebia qual o seu grande objectivo futuro e, como é claro, não lhe agradava.
Desde sempre o Lopes da Gama e os outros quadros dos GEPs Moçambicanos percebiam e detectavam as tentativas de boicote, por vezes patéticas, de Lisboa.
Começaram por mandar Alferes e Furriéis da Metrópole para o CIGE numa tentativa de que entrassem naquelas tropas especiais GE e GEPs.
Ora, sendo aquela força totalmente voluntária, a grande maioria não queria entrar até porque percebiam que a instrução era bastante dura e que os riscos eram enormes.
Aqueles que se ofereciam, rapidamente entravam no espírito da força e a sua integração era igual às dos Moçambicanos de origem.
Por outro lado é preciso esclarecer que o RDM (regulamento de disciplina militar) era ignorado por estas tropas, eles, na sua maioria eram analfabetos, vinham do mato e estavam-se marimbando para regulamentos que não entendiam nem queriam entender.
Cinco dias de cadeia para eles eram cinco dias de “rabo para o ar”. A disciplina e as regras eram ensinadas pelo exemplo, ou seja, por modelação. Os Oficiais e Sargentos – estes sim sujeitos ao RDM – não tinham hipótese nenhuma de receber respeito dos seus homens se não actuassem exemplarmente. Só assim os conquistavam e uma vez conquistados eram TOTALMENTE fiéis.
Nos GEPs não havia falatórios, não havia comentários, não havia inconfidências, as coisas operacionais e disciplinares nasciam, desenvolviam-se e morriam no seio dos grupos. Nada mais!
Ora esta situação aliada ao voluntariado afastava a grande maioria dos “enviados” da Metrópole.
Por estas razões e mais outras aquela tropa não era para todos…
De qualquer forma é preciso dizer que os poderes de Lisboa tinham sobretudo uma permanente preocupação contra os GEPs, mas também em relação aos GEs daí a permanente e progressiva alteração da filosofia base da formação daquelas tropas africanas.
Estas alterações são relativamente fáceis de enquadrar no tempo. Vejamos; o General Kaúlza de Arriaga deixa o Comando-Chefe das Forças Armadas de Moçambique em Agosto de 1973, (é substituídos pelo General Bastos Machado) logo de seguida o Coronel Costa Campos deixa o Comando do CIGE e pede para passar à reserva.
Não era fácil resistir aos boicotes permanentes vindos de dentro das estruturas militares e políticas sem o apoio do Comando-Chefe e o Coronel Costa Campos não estava para isso.
E vem o Coronel Pinto Ferreira…
Como foi dito anteriormente, este militar não sendo propriamente um operacional, também não era um oficial do “ar condicionado” ou seja, dos “Estados Maiores” ou dos “Quartéis-generais”.
Vinha do Fingué onde comandava um batalhão.
Com a vinda deste Oficial Superior deixava de haver resistências há alteração orgânica dos GEPs e GEs. Avançando assim para uma organização tradicional de infantaria que era aquela que aquele oficial conhecia e que dizia que era o que faziam as chamadas tropas pára-quedistas uma vez que nunca ou quase eram lançadas de avião e, por outro lado um pouco surpreendentemente também o Coronel Pinto Ferreira, tal como a FRELIMO, considerava os GEPs e GEs… mercenários.
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Depois vim para baixo e, para mal dos meus pecados, fui escolhido para comandar o CIGE (Centro de Instrução de Grupos Especiais), que tinha os GEs, os chamados Grupos Especiais, e os GEPs, Grupos Especiais de Pára-quedistas, os únicos pára-quedistas negros do nosso Exército. De resto, nunca fazíamos operações com pára-quedistas – de resto, as nossas tropas de pára-quedistas em África foram sempre tropas normais de Infantaria, no terreno e não através de lançamentos por avião.
Estes homens GE’s GEP’s, etc., que lutavam connosco pode-se perguntar um bocadinho porque é que lutavam. A ideia lançada é que eles eram portugueses. Claro que não, eles eram totalmente mercenários. A qualquer negro, em qualquer dos sítios onde eu estive, a melhor coisa que se pode dar é uma bonita farda, é uma arma de fogo, ou uma mulher. Eles adoram isso! Eles estavam na tropa, nos Grupos Especiais, tinham um belíssimo ordenado para o que ganhavam normalmente.
In: Estudos Gerais da Arrábida – “A descolonização Portuguesa” | Painel dedicado a Moçambique (29 de Agosto 1995)
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Depoimentos do general Duarte Silva, coronel José Pinto Ferreira, Nuno Bederode dos Santos.
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa | Arquivo de História Social
Com a vinda dos Capitães, aquilo que se iria passar pela leitura do Lopes da Gama seria a progressiva substituição dos Alferes como comandantes dos grupos por Capitães, como se de companhias se tratasse e os Furriéis, por aqueles como se de vulgares pelotões se tratasse.
Entretanto cada Capitão pretensamente, iria “coordenar” dois grupos o que poderia vir a fazer sentir aos grupos que estavam no terreno um maior afastamento da cadeia de comando.
Na sua acção até ali o Lopes da Gama ainda não tinha tido intervenção de nenhum Capitão.
Estava tudo ainda, parecia, a “apalpar o caminho”.
No entanto o Lopes da Gama tinha uma ligação fortíssima com o Capitão Luís Fernandes que tinha sido seu Comandante no 005, e com os Capitães da fundação desta força militar que se pretendia diferente e especial.
Não tinha problemas de… coordenação.
Para os mais antigos não fazia nenhum sentido esta “evolução” que no entanto ficou pelo caminho porque entretanto se deu o 25 de Abril de 1974 em Portugal o que veio a alterar todos os pressupostos e as estratégias que eventualmente se tivessem programado.
(Fim do 2º Capítulo. Continua brevemente)