quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

M572 - Porque não morri?! O último grande combate. 6º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira


Porque não morri?! O último grande combate. 6º e último Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira



NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos. 

A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo. 

Diz o autor - Vitor Cerqueira:

"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora. 

Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras. 

Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa! 

Transfira para a conta da Caixa Geral de Depósitos 0120 009848600 Ou NIB – 003501200000984860084.

Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço. 



PORQUE NÃO MORRI?! 


O ÚLTIMO GRANDE COMBATE 


TCHAZICA | MOÇAMBIQUE 


1974 

VICTOR CERQUEIRA 

6º CAPÍTULO
A traição

A manhã daquele dia 15 estava fresca, iria aquecer conforme fosse avançando o dia…
O Lopes foi tomar o mata-bicho, o Marco levou-lhe o café e umas torradas. Ele adorava torradas.
Passava das dez da manhã quando se aproximou o Régulo com dois guerrilheiros.
Percebeu que seria o encontro.
Perguntou pelo Comandante.
- O comandante onde está?
- Está ali senhor chefe, respondeu o Régulo, ele está ali naqueles casa e quer fazer banja com o senhor meu chefe.
- Mas porquê ali, porque não nos encontramos aqui?
- Ah meu chefe, é porque aqui é casa sua, ali não é de ninguém.
O sítio indicado era a cerca de trinta metros do destacamento, só os separava uma vala e era perfeitamente visível dali. Naquele momento estava a chegar o Jony Memba e o séquito, bastante diga-se de passagem, vestidos a rigor e a avançar com um “ar” muito decidido.
Chegara o momento…
Olhou à sua volta. Os seus homens, discretamente, iam-se colocando nos seus postos de segurança.
Em frente, avançando em direcção ao destacamento um grupo de “Frelimos” – para aí uns dez – e junto do Jony estariam pelo menos uns 20 à vista…
Era gente a mais…!
O seu coração saltava, a cabeça pensava a cem à hora, tinha de tomar decisões rápidas.
Foi-se vestir, com o seu velho camuflado de combate. Começou a acalmar, era sempre assim quando chegava o momento de avançar, a cabeça começava a ficar concentrada, diria mais, super-concentrada Lopes da Gama passava a ser… só cérebro uma autentica máquina de guerra!
Colocou o galão. Ia de camuflado de combate, mas de boina e galão!
Entretanto o Marco Chagas já se tinha ido vestir, e quando o viu assim fardado também foi colocar as suas divisas de cabo e a boina.
Entraram no “pincher”, ele e o Marco, desarmados, sem palavras um para o outro, com frieza e uma determinação terrível!
Seria o que fosse…!
Entretanto reparou que vinham cerca de vinte “Frelimos” em linha, para uma das laterais.
Assim, rapidamente na sua cabeça as contas eram de 10 + 20 + 20 = 50, gente a mais para uma visita… e estavam ainda mais uns 10 dentro do destacamento. Estávamos praticamente cercados!
Mau!
Foi o erro fundamental dos turras. O mesmo pensaram os seus homens quando viram aquela linha aparecer e ostensivamente foram todos eles buscar as suas armas.
- Isto não é visita não é nada… isto não é visita… porra, porra… diziam eles.
Entretanto o alferes e o cabo chegavam ao local. Estava armado o circo…! Na clareira estavam duas cadeiras, que depois foram aumentadas para três - uma para o Marco – os vinte homens em círculo, impecavelmente fardados, miúdos, quase todos eles.
- Bom dia caro Comandante parece que trouxe a tropa toda, disse o Alferes enquanto estendia e apertava a mão ao comandante.
Sorriu…
- Bom dia meu alferes, ainda tem os rolos das fotografias que tiramos?
- Não já as mandei revelar, estou ansioso de as ver, retratam um momento histórico o primeiro encontro da Frelimo com militares Portugueses em Tete/Manica e Sofala.
Era mentira, ainda tinha os rolos, mas não os daria por nada deste mundo.
Mas não tem mesmo? Gostaria de ser eu a mandar revelar.
Você? Onde?
- Temos os nossos meios de fazer chegar os rolos.
Estás bem tramado, Jony Memba, nunca mais verás as fotografias, pensou o Lopes…
Estava-se neste diálogo, quando chega o grupo do Joaquim – que tinha estabelecido os primeiros contactos – com um grande sorriso de satisfação e um aceno alegre para o Alferes Lopes da Gama.
O Jony Memba levantou-se de um salto e vai falar com ele, diz-lhe qualquer coisa e este avança para o destacamento.
Quando o comandante regressa ao local onde estávamos faz um sinal e logo dois homens agarram o Alferes por traz e o amarram enquanto um guerrilheiro, um puto, saltava à sua volta aos gritos.
- Queres morrer…? Queres morrer…? Queres morrer…?
E o Lopes da Gama resistia, saltando e gritando insultos e rodando o corpo, enquanto eles lhe pegavam nos braços e tentavam levá-lo em peso.
- Filho da puta…! Traidor de merda! Não me levas vivo… larga-me imediatamente cabrão!
O covarde do Jony Memba avançava para o interior do aldeamento em passo de corrida.
Entretanto no destacamento o seu soldado condutor Inácio vê o que se estava a passar e grita…
- O Alferes está amarrado, o Alferes está amarrado!
E começa o fogachal…
Mal os soldados dispararam os primeiros tiros, os dois “heróis” que o agarravam largam-no e fogem e ele atira-se para o chão.
Cai o dilagrama… o Lopes ouve os estilhaços voar ao seu lado, os tiros na sua direcção continuam, tiro a tiro, bala a bala, - os seus soldados certificavam-se assim da sua segurança – e ele continua no chão fazendo-se de morto, enquanto sentia os passos dos turras a correr em disparada.
O tiroteio era intenso, corpo a corpo e de todo o lado.
Mas, para a sua zona, só tiro a tiro, localizado, de forma a não o ferir e não deixar ninguém aproximar-se dele.
O Lopes da Gama já não suportava aquela imobilidade, tinha de ir em auxílio dos seus homens, já há algum tempo que não sentia ninguém a passar e levanta a cabeça.
Dá de caras com um turra que ia a correr e naquele exacto momento se virava para disparar.
Os olhos cruzam-se… ele faz uma espécie de sorriso, o Alferes encolhe-se em posição fetal, é agora!… pensa.
O turra dispara uma rajada, os projécteis silvam e batem no chão junto da cabeça e do corpo do Lopes, ele sente um ardor terrível na cabeça…
Tinha sido atingido…!
Encolheu-se mais, sentia o cheiro a queimado, mas mexia-se… esperou um pouco e levantou-se.
Correu para dentro da primeira palhota a poucos metros e tentou desamarrar-se - não conseguiu!
Estava possesso de raiva e angústia, os tiros já eram esporádicos. Voltou a correr, atravessou uma rua e atirou-se para dentro de outra palhota.
Nessa palhota rolou e puxou os punhos que sangravam, mas ele não sentia nada para além do ódio e angústia.
Tinha de se libertar para ir ter com os seus homens. Rolou novamente, puxou as cordas com os dedos e conseguiu soltar-se!
Estava livre!
Avança para o destacamento, primeiro a correr depois a andar.
Alguns dos seus homens avistam-no e gritam!
- O nosso Alferes está vivo…! O alferes está vivo…! E correm a abraçá-lo.
Alguns choram convulsivamente, com muita raiva à mistura, outros só encostam a cabeça ao peito e na cabeça do Lopes, como crianças, e apertam-no.
As lágrimas também corriam do rosto chamuscado e cheio de pó do Lopes, deixando sulcos na face.
O disparo do turra tinha-lhe queimado ligeiramente o couro cabeludo, o sangue já estava seco, os pulsos é que sangravam mas nada de especial.
O espectáculo que o Alferes via era dantesco. Mortos e ferido de ambos os lados dentro do destacamento, em alguns casos quase lado a lado.
Deu um berro para o rádio:
- Pede apoio aéreo!
- Já pediu, meu Alferes.
- Evacuação zero horas, com puma!
- Sim senhor.
Entretanto alguém lhe tinha posto a sua G3 na mão, começou a correr, desceu o pequeno declive, só pensava no Marco Chagas.
- Meu Deus, o Marco, meu Deus… dizia para dentro de si.
Correu para a zona onde se tinha dado a traição, lá estava o Marco, deitado de bruços, um braço encolhido por baixo o corpo.
Morto!
- Oh Marco, meu Marco, perdoa-me… gritava o Alferes Lopes da Gama debruçado sobre ele e deitando o corpo do Cabo no seu colo.
Alguns dos soldados que o tinham acompanhado na corrida afastaram-no do cadáver.
- Ele já não ouve, já não está cá, já foi embora…
Pegaram no corpo e transportaram-no para o destacamento.
O Lopes acompanhou-os enquanto tentava recuperar. Parou para fazer uma avaliação, era uma coisa nunca vista, devia ser assim nas guerras clássicas, mortos das forças em conflito perto uns dos outros, era disparar para a frente e para trás, num corpo a corpo mortal.
Pelo caminho tinha visto o Joaquim, morto, com um ar de completo espanto.
Tinha morrido sem saber nada, até nisso o “camarada” Jony Memba (Machesse), era um mau comandante - só os seus interesses e a sua segurança é que contavam.
Já o enfermeiro lhe tinha dito, três mortos e cinco feridos. Dos feridos só um é que lhe parecia grave. Tinha três tiros numa perna.
Foi para junto deles, estavam a ser tratados. O dos tiros na perna volta que não volta perdia a consciência e o Alferes agarrava-lhe as mãos. Numa das vezes que veio a si disse:
- É só pele, o sangue é igual, a gente sofre da mesma maneira… dizia apertando a mão ao Alferes.
Havia lágrimas, mas não gritos, era um sofrimento para dentro, sem queixumes ou acusações, mas com muito ódio e um grande desejo de vingança.
Entretanto tinham chegado os FIATs. Começaram a bombardear forte e feio a periferia… ”não queria estar no lugar dos turras…” pensavam todos.
Devia ter sido batido o recorde de prontidão da FAP (Força Aérea portuguesa), tal a rapidez de resposta.
A solidariedade na tropa não era de facto palavra vã!
Os hélios estariam a chegar para a evacuação, naquele momento era só o que lhe importava. O Lopes não deixava os feridos, embora precisasse de ir ao rádio para sossegar todos – deviam estar a pensar o pior – mas só depois…!
- Meus Alferes vêm aí os hélios, e vem o héli-canhão!
E vinha. Os disparos não se fizeram esperar. Catchapum, catchapum, catchapum…
O puma começou a baixar, as portas estavam já abertas, o pessoal que vinha dentro estava parvo com o espectáculo e estavam mais pálidos do que o alferes. Nem sabiam por onde começar!
Os GEPs não perderam tempo, em poucos minutos estavam todos dentro do puma. Os vivos e os mortos.
Três mortos e cinco feridos. Mais tarde para desespero do Lopes da Gama o ferido da perna, Moisés, viria a morrer com uma embolia pós-operatória. Da Frelimo três mortos.
Feridos, nenhum à vista! Mas teria havido muitos, pelos rastos de sangue que se viam um pouco por todo o lado!
Quatro GEPs mortos tinha custado aquela aventura.
E agora?
O rádio estava silenciado desde os primeiros tiros. Alguns guerrilheiros tinham metido as armas pelos buracos da palhota e dispararam a esmo. Só por acaso o homem do rádio tinha saído incólume e este não tinha ficado inoperacional Depois envolveu-se no combate e, acabado este,
nas acções de evacuação. Toda a rede estaria naquele momento em suspenso…
Foi para o rádio.
- Águia, leão zero.
Sentiu um “suspiro de alívio” na rede, mas o silêncio era a de um cemitério…
- Leão zero águia, estás bem?
- Tínhamos a informação que estavas ferido ou pior que tinhas sido morto ou capturado.
Foi muito mau isso?! Filho da puta, não se pode confiar nesses tipos.
- O que correu mal?
- Tudo! Tentaram um golpe de mão. Numa guerra de bate e foge tive um final de guerra corpo a corpo. Tenho três mortos e cinco feridos. Não conseguiram levar ninguém; eu levei uma rajada mas só me queimou ligeiramente o couro cabeludo e tenho umas feridas nos pulsos.
- Nos pulsos?
- Sim amarraram-me e tentaram levar-me em braços, mas mal os meus homens começaram a reagir, fodiaste, largaram-me logo!
- Tens de fazer o relatório pormenorizado de tudo.
A “velha veia” militarista burocrática dos papéis vem sempre ao de cima.
- Claro, entretanto vou fazer a perseguição com uma equipa. Estou cheio de ódio, de raiva, de pena de mim mesmo. Isto é um cocktail de sentimentos que nem sei se choro, se rio da minha burrice, ou simplesmente dou um tiro na cabeça!
- Vais nada ouviste!? Vai chegar reforços aí do 009 de Tete. Está quietinho e acalma-te.
Precisas de alguma coisa?
- Neste momento só de vingança, não sei se alguém perceberá o que sinto!
- Tem calma tem calma. Amanhã falamos.
- Águia quando chegarem os reforços saio para o mato, aí não há volta a dar!
- Ok Leão terminado.
Pouco depois chegou um subgrupo do 009 comandado pelo Alferes, comandante do grupo.
Mal saiu do hélio veio a correr dar um abraço ao Lopes da Gama. E como ele precisava daquele abraço, forte e silencioso.
Naquele momento não queria palavras. Queria acção!
Embora se fizesse noite saiu com alguns homens para o mato, seguindo as pistas bem patentes, dos turras.
Partiu na direcção que o camarada Machesse tinha tomado na sua fuga. Olhos no chão, atentos a todas as pistas, os seus homens, os mais especialistas em pistas, abriram uma linha ao lado, para evitar emboscadas. Todos com grande atenção aos sinais que eram muitos ali dentro do aldeamento.
Rapidamente afastaram-se em direcção ao rio…
Foi fácil seguir algumas pistas pelos rastos de sangue, esporadicamente no destacamento ouviam tiros e explosões ao longe, depois deixaram de se ouvir, Lopes da Gama e os seus homens, quase corriam, andavam de dia e de noite, conseguiram um guia turra que tinham apanhado ferido num ombro que depois de explorado os encaminhava para a base do Machesse, a alcunha do militar estava viva bem viva, Alferes base, nada o impediria de descobrir e atacar a base.
Teve sorte, a atenção às pistas e a necessária fuga aos trilhos foi tão grande que quando deram por ela estavam a entrar pela base a dentro ao meio dia do segundo dia, em linha e aos tiros.
Avistou o Régulo na base, não ficou nada surpreendido, mais uma vez a sua “pulga atrás da orelha” estava certa. O traidor que foi apanhado à mão em voo quando tentava fugir por um dos homens do Lopes, levou um murro que o atirou contra outro soldado que lhe deu um monumental pontapé, pôs-se de joelhos com medo e o espanto espelhado no rosto quando olhava para aquele miúdo que estava vivo mas velho, bem mais cocuana que ele próprio…
Gritava!
- Meu alferes desculpa por favor, não queria isto, mas não queria mesmo, foi obrigado pela Frelimo…
- Foste uma merda, se não querias, se não foste cúmplice porque fugiste? Porque não me avisaste? Porque estás aqui?
E ele gritava e chorava com a G3 encostada à testa.
E o Lopes disparou!
Do comandante Machesse nada, tinha escapado.
Esteve fora mais de três dias, sem rádio, num silêncio total e em silêncio voltou.
Quando a andar mais lentamente voltava para o destacamento, parou num morro e formou um círculo com os homens que o acompanhavam, olharam-se entre eles, olhos nos olhos, não falaram, olharam-se bem e depois olharam para o céu e para o horizonte.
Há distância já cheirava a cadáveres putrefactos. E estando o céu cheio de abutres, aquelas aves execráveis que juntamente com as hienas limpavam o mato, outros estariam em decomposição espalhados pela floresta. Durante a noite bem tinham ouvido as hienas a “rir”…
Um cheiro a morte insuportável tinha aquele aldeamento e aquele destacamento.
As hienas tinham desenterrado os turras e eles estavam todos esventrados e em decomposição total.
O Lopes não conseguiu deixar de pensar que tudo aquilo cheirava como ele se sentia.
Morto, enterrado e…podre.
Ninguém fez perguntas. Nos GEPs não há comentários não há…
Mandou reunir a população do aldeamento.
Levou consigo as armas dos turras mortos no destacamento e os dos outros. Não estava muita população, mais mulheres e crianças e tinham um ar entre assustados e envergonhados.
Perguntou como era? Estava vivo para surpresa deles e queria saber o que pensavam e porque tinham alinhado com o Régulo.
Um dos velhos respondeu.
- O meu alferes não teve culpa, nós estar contente com o chefe estar vivo e ter armas deles; não foi bom a Frelimo, não era assim que agente queria; mas cabeças deles é que sabe, quem paga somos nós com mais sofrimento… Mas o meu chefe tem todo os razão de estar zangado.
Não podia haver mais os guerra.
Lopes da Gama tinha consciência que o facto de estar vivo e ter ido desarmado para o encontro, mais o facto de usar barba e a luta que tinha havido, queria dizer para aquelas almas que o seu “espírito” era muito forte. Incrível!
Não era por acaso que quem falava era o feiticeiro mais velho do aldeamento…
E agora perguntou-se:
- Agora vão enterrar os mortos da Frelimo bem enterrados com bastantes pedras.
- Sim senhor pode deixar.
Estavam mansos que nem cordeiros. A família do Régulo não abriu a boca e não olhava de frente para o Lopes.
Estavam assustados.
E não era para menos, a frieza e dureza na expressão daquele jovem, que naquele momento parecia ter envelhecido uns anos, era de facto de assustar qualquer um.
Alguns dias depois veio a ordem de regresso ao CIGE, o 006 iria ser substituído no Massangano e em Tchazica.
Ele iria fazer todos os preparativos para a rendição com todo o cuidado, não fosse o diabo tecê-las e o Machesse ainda tivesse forças para tentar uma emboscada. O Lopes iria mandar um subgrupo a pé para emboscar algumas zonas do percurso entre o Massangano e o Tchazica de forma a proteger o grupo que vinha e depois iria recuperando os seus homens ao longo do caminho.
Mas o grande e secreto desejo do Lopes é que a emboscada sucedesse e que fosse comandada pelo Machesse para ele o apanhar.
No Guro, o Alferes Lopes da Gama iria fazer um relatório circunstanciado dos acontecimentos e uma leitura da estratégia política da Frelimo que na sua opinião estava a tentar algo de sensacional de forma a pressionar Lisboa nas negociações que decorriam em Lusaca (imaginem o que seria aparecer um oficial GEP amarrado em Lusaca) e que por isso todas as forças militares deviam estar bem alerta.
Pouco mais de quinze dias depois, para vergonha dos militares portugueses, aconteceu Omar!
O aviso cairia em saco roto…
Entretanto depois da banja, o Lopes que não tomava banho para aí há cinco dias e mal se tinha alimentado, foi para o rio tomar banho. Levou a G3, a toalha, o sabão “macaco”, deu uma série de tiros para o rio. E mergulhou.
Sentia-se sujo com um cheiro pestilento que parecia sair dele próprio esfregou-se ensaboou-se vigorosamente várias vezes e mergulhava no rio, mas nem o cheiro saía nem ele se sentia limpo.
Parou e olhou para a berma do rio, uma série de soldados mantinham a sua segurança e, de vez em quando, lá davam mais uns tiros para a água à sua volta para afugentar os crocodilos, outros dos seus companheiros despiam-se, para também eles virem tomar banho. O Alferes comoveu-se depois de tudo aquilo que ele tinha causado e do que tinham passado, estavam preocupados com ele e com a sua segurança… estava a ficar uma merda de um sentimentalão.
Mas talvez por isso mesmo o pensamento insidioso que o perseguia dia e noite desde a morte do Marco Chagas, veio mais forte do que nunca do interior das suas entranhas e martelava na sua cabeça e na sua alma…

PORQUE NÃO MORRI?!
Pequeno glossário: 

Banja – Reunião alargada
Pincher – Pequeno veículo de transporte todo o terreno Mercedes Benz do tipo
Unimogue mas bem mais pequeno e instável por ter rodas muito altas e ser estreito.
Pacassa – “Alcunha” da chamada tropa normal.
Milando – Chatices e confusões entre as pessoas (na dialecto Ronga).
Puto – Como os negros chamavam a Portugal.
Muana – Miúdo em dialecto Sena Como Mufana em dialecto Ronga.
Cocuana – Velho. No dialecto

Se acabou de ler este conto, tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora.
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M571 - Noções básicas de armamento - Parte 4





(Continua)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

M570 - FORÇAS ARMADAS: ASSIM SE VAI FAZENDO A HISTÓRIA E JORNALISMO. por Brandão Ferreira

FORÇAS ARMADAS: ASSIM SE VAI FAZENDO A HISTÓRIA E JORNALISMO 



Perigosos opressores colonialistas eliminados pelos libertadores de Angola (1961) 

Com parangonas e ar de escândalo, a edição do jornal “Público”, do pretérito dia 16 de Dezembro, entendeu dar a conhecer aos seus leitores que “tropas portuguesas decapitaram em Angola”, remetendo para páginas adentro os comentários a tais façanhas retiradas de um relatório de uma acção militar, em 27 de Abril de 1961, na sanzala Mihungo, Norte de Angola.

Este relatório terá sido encontrado nos arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo, constando de um livro recentemente editado.

Presumo que o livro não trate só desta questão, mas foi esta que foi puxada à colação pelas duas jornalistas autoras do referido artigo, que enquadram o episódio na alegada “Guerra Colonial”, termos com que a ignorância atrevida e as ideologias malsãs teimam em apelidar o conflito havido.

CONTINUAR A LER EM: 


sábado, 15 de dezembro de 2012

M568 - Porque não morri?! O último grande combate. 5º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira



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PORQUE NÃO MORRI?! 


O ÚLTIMO GRANDE COMBATE 


TCHAZICA | MOÇAMBIQUE 


1974 

VICTOR CERQUEIRA 

5º CAPÍTULO
Lopes da Gama

Toda a vida tinha lutado, era do contra, sempre do contra, manifestava sempre a sua opinião e, quase sempre, da maneira mais imprópria e inconveniente, porque dizia o que tinha a dizer muitas vezes de uma forma dura e quase sempre aos “berros” com alguma mistura de raiva e revolta.
Mas era assim, de uma franqueza brutal, dizia o que pensava sem subterfúgios e acabava muitas vezes por magoar as pessoas e quase sempre quem menos queria magoar, deixando-o de rastos.
Como lhe dizia na sua adolescência o seu melhor amigo, o Sodas:
- Tu não percebes que na maioria dos casos nem sequer percebem o que tu queres dizer, as análises e os raciocínios das pessoas ficam muito pela superfície, não vale a pena irritares-te…
O Sodas foi o amigo que conseguiu fazer o Lopes aliar a sua curiosidade, a sua necessidade de leitura, quase compulsiva, com o estudo formal, curricular. Estudo formal esse que o “irritava”, detestava os horários, as normas, o ter que agradar, ter de ir às aulas aquela hora naquele dia e com cumprimento total de uma certa rotina. Foi por isso mais “fácil” para ele o estudo Universitário, que ele geria, do que os estudos secundários, em que era… gerido. De qualquer forma o facto de o Sodas o “obrigar” a uma certa disciplina fez “disparar” algumas notas do Lopes para surpresa… dele próprio.
Esta sua maneira de ser, associada à sua coerência, parecia que “assustava” as pessoas, retraías e, por isso, embora ganhasse alguma respeitabilidade esta era associada à fama de “intratável”, com as inerentes consequências.
Quase se poderia dizer que o Lopes tinha sido “um menino de rua” os seus Pais viviam muito do trabalho e para o trabalho, ele costumava dizer que estavam entretidos… a ganhar dinheiro, não lhe dando muito apoio afectivo e social.
Como os Pais trabalhavam na indústria hoteleira vivia muito sozinho desenvolvendo por isso uma grande autonomia, era ele que se alimentava aquecendo a sua comida desde muito miúdo.
Além disso tinha muito tempo para estar na rua, onde “criava” brincadeiras e aventuras, tanto nas barreiras, com alguns amigos vizinhos da rua e do prédio onde vivia, como também na sua imaginação inventava histórias de amor e viagens como se de realidades se tratassem. Nos dias de festas e feriados, quando os Pais dos outros estavam em casa os Pais dele estavam a trabalhar e o Lopes não deixava de sentir isso.
O espírito aventureiro era praticado com os seus amigos e vizinhos de infância nas brincadeiras que tinham nas chamadas barreiras, em Lourenço Marques mas também nos Escuteiros, que foi uma experiência não muito agradável e mais tarde já com dezoito anos no primeiro curso de pára-quedismo civil realizado pela Mocidade Portuguesa em Lourenço Marques. Também estava a tirar o Brevet de piloto e, já no pré-voo, desistiu por insistência da sua companheira. Mal ele sabia como todas estas experiências de vida viriam a ser tão úteis na guerra.
Mas o menino Lopes só queria que gostassem dele, ao fim e ao cabo só queria ser amado.
Como diz o poeta: “As coisas vulgares da vida não deixam saudades, só as lembranças que doem ou nos fazem sorrir.”… (Fernando Maurício)
O Lopes tinha muito mais lembranças que lhe doíam profundamente do que das outras.
Sobretudo da sua infância, e por isso aprendeu a não esperar nada. Nem dos outros nem da vida, ia vivendo…
O que se calhar lhe valeu era a seu gosto pela leitura, que lhe enchiam as noites e os dias em que estava sozinho é que ao fim e ao cabo quem lê está sempre acompanhado…
O que o tirou das ruas, de alguma maneira o disciplinou e educou foi o desporto.
O desporto em Moçambique era algo bastante cultivado pela sociedade. Assim, os Pais tinham-no posto a aprender a nadar para aí com três anos, na Associação dos Velhos Colonos com o Senhor Matos, onde andou algum tempo e uns anos depois, já noutro clube, o Desportivo de Lourenço Marques, acabou por se dedicar a sério à competição com alguns bons resultados.
Foi com o acompanhamento do seu treinador Eurico Jorge, seu “Pai”, seu “irmão”, seu Amigo seu mentor e dos seus colegas e Pais destes, onde estava incluído o Sodas que, finalmente, o Lopes “assentou” e teve suporte social e emocional para o seu desenvolvimento pessoal, social, cultural e evidentemente físico e emocional.
Não abandonado nunca a sua veia de “malandreco”…
Pelo facto de ter feito parte da selecção Nacional isso permitiu-lhe conhecer a Europa e o Brasil (de Norte a Sul) o que lhe deu uma real perspectiva do que era o regime autocrático em que se vivia na Metrópole e em África, o que acabou por lhe dar uma aprendizagem muito esclarecedora e prática daquilo que desejava para o seu futuro e para Moçambique.
Muito cedo constituiu família, para aí com dezanove anos. Esta sua companheira já vinha de um casamento falhado e com uma filha. Sabia que a prazo poderia não resultar, mas não podia “usar e deitar fora”, não era a sua maneira de ser.
Tentava tudo para criar o ambiente familiar que idealizava e nunca tinha tido, sobretudo porque tinha uma enorme adoração pela miúda que considerava como filha.
Mais uma vez tinha começado tudo… demasiado cedo!
Quando foi chamado para a “tropa” poderia ter pedido adiamento por estar no Instituto Industrial, mas não quis. Tinha já responsabilidades familiares, tinha de cumprir o serviço militar, não tinha tempo para perder tempo… O mesmo aconteceu quando acabou o CSM (Curso de Sargentos Milicianos) foi convidado para fazer o COM (Curso de Oficiais Milicianos) recusou na hora. Ele não dava nenhuma importância a cargos e honrarias e não lhe fazia sentido que numa guerra ter o 7º ano fosse sinónimo de bom combatente e de bom oficial. Para ele era ridículo este conceito, como a realidade das tropas pacassas no mato lhe provavam isso mesmo até à saciedade, sobretudo com os oficiais do quadro permanente mas também com os milicianos.
Felizmente foi para uma tropa que provava isso mesmo, durante algum tempo o valor de comando foi avaliado e conquistado em acção, mais nada.
Fruto da sua capacidade física tinha feito a preparação militar com alguma facilidade mas com total empenhamento, e desde que tinha ido para o CIGE que usava barba que era rala, enfim, mais uma colecção de pelos do que barba propriamente dita.
Não queria morrer na “praia”, isso não! Aliás, este aspecto, o de morrer no fim da comissão era um “fantasma” que perseguia todos os militares, e, nas circunstâncias presentes, ainda muito mais… era insuportável!
As suas preocupações estavam no auge. Tudo lhe vinha há mente. O passado, o presente e, sobretudo, o futuro! E por isso não podia deixar de pensar no reabastecimento do grupo. Normalmente ou ia a Mandia, a Tete ou ao Guro.
Mandia era uma pequena povoação a cerca de 100 km dali, onde estava uma companhia de pacassas e onde ele já se tinha chateado com o primeiro-sargento vagomestre e com o Capitão que não queriam perceber que o Lopes abastecia-se com o que queria e não com o que eles queriam ou lhes interessava… Depois de esclarecidas as coisas e estabelecidas as regras de jogo as relações normalizaram.
Aquela povoação tinha sido um centro de investigação e desenvolvimento de gado, nomeadamente de “caraculo”, uma raça de ovelhas que se adaptava bem aos climas quentes.
Era impressionante a qualidade das instalações agrícolas, embora simples, tinham um sistema em que o gado ao sair para pastar e depois ao recolher não podia deixar de passar por zonas de desinfestação e desinfecção dos animais.
A quando da sua primeira ida para a zona, no GEP 005, ainda tinha tido a noção da quantidade e qualidade do gado ali existente. Agora, com a guerra, estava tudo parado e as populações mais pobres, e senão estavam mais ainda era porque a “tropa” ia comprando o gado para seu sustento. Só que sem a orientação anterior este caminhava para o fim.
Era assim que o Lopes da Gama sonhava com o “seu” Moçambique, uma terra com o desenvolvimento assente em si próprio – na sua realidade, na sua investigação, no seu conhecimento.
Numa espécie de política da negritude (valorizar aquilo que é Africano, como por exemplo as casas, em detrimento do Europeu) iniciada por Sengor no Senegal.
E isso acreditava ele, era perfeitamente possível. Acreditava que com um governo razoavelmente competente em meia dúzia de anos Moçambique seria verdadeiramente independente política/económica e financeiramente. O que significava para o Lopes também a auto sustentação alimentar.
Ao contrário daquilo que sucedia na Metrópole, em Moçambique não passava pela cabeça de ninguém tirar um curso de agronomia, agricultura ou veterinária e depois ficar em Lourenço Marques ou noutra grande cidade. Quem tirava cursos especializados, era para ir (e queria ir) para o mato… onde havia muito trabalho a fazer!
A guerra tinha acabado com muitos sonhos deste Moçambique. E agora, mais do que nunca, tinha a intuição que se calhar não teria lugar naquela sua terra…
Mas ele para abastecer preferia ir ao Guro, embora bem mais longe. Significava para aí cerca de 400 km de picada, mas era a sua gente os seus camaradas do CIGE, que o recebiam de braços abertos com tudo do bom e do melhor que conseguissem arranjar.
Quando tinha transporte dos Fusos, ir a Tete subindo o grande Zambeze.
Estes pensamentos vinham-lhe à cabeça, de uma forma compulsiva, estes e outros. Até parecia que estava a “pôr as contas em dia”.
A vida, tal qual um filme, ia-lhe surgindo, mas não de uma forma cronológica mas sim de forma anárquica. Agora uma coisa, depois outra, numa mistura de histórias que ocasionava ao mesmo tempo uma mistura de sentimentos e emoções difíceis de controlar.
Mais uma vez sentia uma profunda solidão, sem minguem com quem partilhar as suas preocupações e as suas ideias como foi quase sempre ao longo da sua vida, sentia-se tremendamente só.
Só!
Estava com um terrível problema nas mãos, criado por ele e que ele tinha de resolver e ia resolver, pensou, quando se levantou do embondeiro de repente.
Em frente dele uma criança, também de cócoras, olhava muito séria para ele, e se assustou com o gesto repentino dele, há quanto tempo estaria ela ali? Perguntou-se.
Se fosse um turra tinha-lhe metido a kalash pelo cu acima.
Que importava isso, merda!
Regressou ao destacamento. Era hora de contactar com Massangano – com tanta preocupação tinha-o abandonado um pouco, ao fim e ao cabo era lá a “sede” e ele estava ali “emprestado” até ao nascimento do filho do Furriel Mico. A propósito, já teria nascido?
Teria corrido bem? Seria menino ou menina? Se bem se lembrava ele queria uma menina.
Leão 3, Leão zero escuto!
Leão zero, Leão 3 escuto!
- Como correm as coisas por aí?
- Por aqui tudo bem, também nervosos mas tudo bem, quando é que pensa fazer o reabastecimento?
- Não é para já enquanto não chegar o Leão dois não é possível, atenção à caça, não quero caça grossa neste momento é muito perigoso, vamos estar atentos à segurança, segurança mais segurança, entendido leão três?
- Entendido Leão zero.
- Então terminado até amanhã.
- Terminado.
As suas conversas eram rápidas e incisivas, o alferes Lopes não era de estar muito tempo no rádio e naquele momento muito menos.