Nasceu na lua-nova de 3a feira 07 de Maio de 1940, na povoação da Ponte Nova, circunscrição de Tite na região centro-oeste da Guiné Portuguesa; filho de Marcelina Vaz e de Martinho da Mata, ambos de etnia papel.
Após completado o ciclo preparatório em Tite, vai para Bissau: seu pai estava no Brasil e queria que ele fosse estudar lá; mas Marcelino matricula-se em Bissau numa escola particular, onde conclui o ciclo liceal; (entretanto, seu pai morre no Brasil).
– «Quando [em meados de 1959] voltei de Bissau para casa, com o 7º ano, o meu irmão mais velho tinha 1 postal para ir à tropa. Mandou-me ver o que se passava e fui para Bolama, onde me incorporaram pensando que o estavam a incorporar a ele: fiquei com o nome dele. Na altura não havia médico e quem fazia a inspecção era 1 sargento enfermeiro. A inspecção foi assim: ele deu-me 1 murro no estômago, eu encolhi-me e ele disse “é bom”. Fui incorporado em 3 de Janeiro de 1960 [no CIM-Bolama]. Quando acabaram os 2 anos do meu irmão saí, fui à minha terra buscar 1 certidão de nascimento, apresentei-a no quartel e o capitão de artilharia que lá estava disse que eu tinha cumprido os 2 anos do meu irmão e agora ia cumprir os meus.»
– «Fiz a recruta em 5 meses e depois tirei a especialidade em 4 meses. Era condutor-auto. Na recruta éramos 3 naturais da Guin黹.
No início de 1962, é integrado em Bissau na CCac74/BC5 (sob comando do capitão de infantaria Alcides José Sacramento Marques); mas em 19Fev62 transita para o BCac356/BC5 como soldado-condutor; meses depois o batalhão, comandado pelo tenente-coronel de infantaria João Maria da Silva Delgado, passa a constituir uma força de intervenção às ordens do CTIG brigadeiro Fernando Louro de Sousa.
– «Fui para a escola de cabos mas como falo muitos dialectos (balanta, mandinga, fula, mandeco, mancai, um pouco de nalu e de beafada), qualquer tropa que ia para o mato em operações me levava como intérprete.»
Ao entardecer de 23Jan63 perto de Fulacunda, um grupo do PAIGC guiado pelo balanta Diallo e comandado por Arafan Mané, monta uma emboscada na picada Guinala-Buba e lança o 1oataque armado sobre uma patrulha do Exército português.
No mês seguinte, o referido BCac356 (açoreanos com apenas 3 guineenses) é transferido do sector de Bissau para Catió, iniciando a actividade operacional:
– «Começámos a actuar. A 1a operação que fiz foi com um batalhão de açoreanos, o Batalhão 356. Tínhamos 2 companhias operacionais de caçadores, a 76 [i.e, CCac414] e a 91 [i.e, PelMort41]. Eu fui para lá como operacional e intérprete, porque falo 7 dialectos da Guiné, mas na altura ainda não tinha tirado o curso de “comando”. Fomos para a zona sul e, como eu falava balanta, levaram-me como intérprete. Estivémos lá 2 meses. Quando voltei fui integrado na 2aRepartição, o Serviço de Informação Militar. Fui para lá mandado pelo major José Maria Carvalho Teixeira. Como esse major precisava de um intérprete mandou-me chamar e fui como condutor dele. O Carvalho Teixeira veio embora e foi para lá um outro major, de artilharia, que tinha a mania que era bom. Chateei-me e vim-me embora. Foi aí que me ofereci para os “comandos”»¹.
Em 19Jun63 perto de Catió, o furriel miliciano João Nunes Redondo (da CCS/BCac356), morre em combate junto à tabanca do Cubaque.
– «Comecei a perceber o que estava em causa, quando a guerra começou: eu tinha de lutar de um lado; e esse lado era – e é –, Portugal. A princípio não percebia nada de política, mas como não gostava de caboverdeanos e eles estavam à frente do PAIGC, eu estava contra eles; depois, comecei a não gostar do comunismo. Quando se apanhava alguém no mato, ele ou ela dizia logo que não falava português e então eu perguntava de que etnia era, e interpretava para o oficial-comandante. Foi nessas operações em que servia de intérprete que me habituei a estar debaixo de fogo, que comecei a ganhar prática. Apareceu um alferes chamado Maurício [Leonel de Sousa] Saraiva a pedir voluntários para formar um grupo de “comandos” e eu ofereci-me.»
Em 29Out63 tem início no CI16-Quibala (noroeste de Angola), um curso especial de “comandos” ministrado a 9 militares oriundos do CTIG, entre eles o primeiro-cabo de infantaria Abdulai Quetá Jamanca e o soldado de infantaria Abdulai Jaló. E em 06Dez63 os militares oriundos da Guiné, concluem o seu curso de “comandos” e regressam a Bissau:
– «Fui directamente [às 10:00 de 14Jan64] para um navio [fragata F-332 Nuno Tristão], para participar na Operação da ilha do Como. Foi durante essa operação [Tridente] que fizemos [com o alferes Maurício Saraiva] a preparação da IAO, que era à bruta com tiroteio que até fazia suar: havia tantos soldados quantos os inimigos. Era um batalhão de Cavalaria [BCav490], o nosso grupo [25 homens], os pára-quedistas [30 do PelPQ111], 2 destacamentos de fuzileiros especiais [DFE7/8], artilharia e aviação [1 parelha de caças-jacto “North American F-86F 35-NA Sabre” e 3 caça-bombardeiros mono-hélice “Harvard Mk.III (AT-6D)”, do AB2]. Havia operações de noite e de dia, bombardeamentos de noite e de dia. A ilha tinha árvores muito cerradas, com mais de 100 [!?] metros de altura: isso causava problemas com os bombardeamentos, porque as bombas rebentavam nas copas. De dia, a 1 metro, não se via ninguém: só dávamos pelo inimigo quando ele abria fogo; a ilha estava [está] toda cheia de pântanos, de lodo até aos joelhos e de água até à cintura. De cada vez que íamos para o mato, o major Sá Carneiro [i.e, tenente-coronel de cavalaria Fernando José Pereira Marques Cavaleiro], que era o comandante [do BCav490], pedia 1 coisa: 1 dia, para trazermos 1 inimigo vivo, nós trazíamos; depois 1 arma, nós arranjávamos a arma. [...] O batalhão, com quem o “grupo de comandos” teve algumas operações conjuntas, teve vários [2 da CCav487] mortos [em 24Jan64] e 1 dezena de evacuados por causa da matacanha, um bicho que se mete debaixo das unhas: os brancos não conheciam o bicharoco e então mandaram vir 150 estivadores pretos só para tirar as matacanhas. Numa vez, havia 2 pelotões de pára-quedistas vindos de Angola, que diziam que estavam cercados junto a uma ribeira: o grupo de “comandos” foi convocado e desembarcou lá; eles estavam numa situação difícil. Mas conseguimos várias vitórias. Um dia pusémo-nos junto a uma povoação: o inimigo atacou outra unidade à qual causou mortos, e quando voltou à povoação estava lá a nossa emboscada – deixaram alguns mortos; na noite seguinte voltámos lá, eles passaram, começaram a apanhar com o nosso fogo e começaram a retirar. Estivemos lá 75 dias com o meu grupo a trabalhar com o Batalhão de Cavalaria 490 e outras forças. Mas conseguimos limpar a ilha: nós sofremos bastantes [!?] mortos [10 falecidos em combate, mais 48 feridos e doentes evacuados], mas eles sofreram 3 ou 4 vezes mais [...]. Eu tinha conhecido o [comandante do DFE8 primeiro-tenente FZE Guilherme Almor de Alpoim] Calvão, na operação que fizemos na ilha do Como, onde estivemos 75 dias. A ilha do Como estava totalmente ocupada pelo PAIGC. Conseguimos limpar a ilha toda, até deixámos lá ficar 1 companhia de caçadores [CCac557]. Tivemos algumas baixas, mas limpámos a ilha toda. O Calvão tinha 1 segundo-comandante, um cabo [Sebastião Dias da Rosa] que era o imediato e era um maluco. Íamos os 2 pela mata e caçávamos javalis e gazelas. Um dia tivemos 1 emboscada, mas lá nos conseguimos desenrascar e matámos 2 gajos, e apanhámos 1 mulher que vinha com 1 PPSH na mão. O brigadeiro que lá estava nessa altura deu-me 1 condecoração, mas castigou-me por ter ido caçar para o mato. Deu-me 1 Cruz de Guerra de 1a classe e 3 dias de detenção. Nessa operação tivemos para aí umas 30 baixas. Os do PAIGC não se soube bem. Às vezes chegávamos ao mato e encontrávamos carne agarrada às árvores. A artilharia e a aviação bombardeavam. A aviação mandava as bombas e elas rebentavam nas árvores. Havia árvores com 100 [!?] metros de altura e as bombas não chegavam ao solo. Era uma mata cerrada e também muito pantanosa. Durante 40 dias as operações foram contínuas, saía 1 companhia e entrava outra»¹.
Em 24Mar64 o comando-chefe da Guiné dá por terminada a Operação Tridente e o BCav490 regressa a Bissau; o primeiro-cabo Marcelino da Mata fica adstrito à CCS/QG.
Em 29Abr64 em Bissau realiza-se uma cerimónia publica, durante a qual todos os efectivos do “grupo de comandos” actuante na Operação Tridente, recebem as respectivas insígnias “comando”.
E a partir de 23Jul64 integra em Brá, o 1o corpo de instrução do CIC (Centro de Instrução de Comandos) da Guiné.
Em 12Out64 participa como guia do “GrCmds Gatos” numa operação no Sec03 (Mansabá), durante a qual «se aproximou com a mais perfeita técnica do acampamento visado, localizando a sentinela terrorista que acto contínuo pôs fora de combate, abrindo por esta forma caminho ao grupo, na testa do qual prosseguiu no assalto aos bandoleiros, de que resultou a captura de vário material de guerra».
– «Fiz o curso de “comandos”, que durou 9 meses. Quando acabámos o curso, a 1a operação que fizemos foi no Morès. Fomos lá dar porrada aos gajos. O objectivo era destruir o acampamento e apanhar inimigos. Nessa 1a actuação, em que participaram o Alves Ribeiro [!?] e o Saraiva, fizemos 7 mortos e capturámos 3 homens e material-de-guerra. A partir daí comecei a actuar. A guerra na Guiné fazia-se assim: destruíamos os acampamentos, apanhávamos os gajos e o material. O nosso comandante era o [alferes Maurício] Leonel Sousa Saraiva e quem comandava os “comandos” [em Brá 23Ago-17Nov64] era o tenente-coronel [i.e, major de infantaria “comando” António Dias Machado Correia] Diniz, que já morreu [em 25Nov85]. Fizemos várias operações com esse grupo [“Os Fantasmas”] e formaram-se depois mais 4 grupos [Gatos, Camaleões, Panteras, Diabólicos]. O meu comandante [dos “Panteras”] passou a ser um tenente chamado [António Manuel Bairrão] Pombo [dos Santos], que era filho de um general ou brigadeiro [António Augusto dos Santos] que na altura era o [segundo] comandante militar de Moçambique. Este Pombo era [em Bissalanca o comandante do PelAAA943] da artilharia antiaérea e ofereceu-se para os “comandos”»¹.
Em 30Dez64 participa numa acção do “GrCmds Panteras”, no sector L1 (Fá Mandinga): «Pelas 03H00, em que infiltrando-se apenas com dois outros camaradas num acampamento inimigo, conseguiu proteger o avanço do grupo que distava 150 metros do local».
Em 1965, além das operações acima referidas e tendo já participado em 15 acções de “comandos”, termina o seu tempo de serviço nas fileiras, mas apresenta requerimento e é readmitido nas Forças Armadas do CTI-Guiné.
E em 17Mai65 recebe um louvor do comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, brigadeiro Arnaldo Schulz.
– «Saí dos “comandos”. Fui para Farim, no norte, falei com o comandante, tenente-coronel Agostinho Ferreira do Batalhão 1887. Pedi-lhe para me deixar formar um grupo especial [“Os Roncos”]. Na altura a aviação não ia a Farim, a coluna não se fazia, os barcos também não iam lá. Estava tudo bloqueado e o povo tinha fome. Eu formei o grupo, instruí os homens e começámos a actuar. Consegui abrir a estrada para Mansabá, afastei o inimigo e os barcos começaram a atirar. Quando chegou a época do cultivo, abrimos o outro lado do rio, o povo atravessou o rio e começou a cultivar. Na altura o PAIGC estava a 2 km de Farim. Afastei os gajos todos»¹.
Em 28Mai66 é integrado na secção de um grupo de combate da CCac1548, aquartelada em Teixeira Pinto mas reportando ao respectivo BCac1887 sediado em Farim; em 16Jul66 segue com aquela subunidade para Cuntima, posto fronteiriço do norte-centro.
Em 26Jul66 é agraciado com a Cruz de Guerra de 2ª Classe.
Em 02Jan67 participa com a sua secção do grupo de combate “Os Roncos” na Operação Cajado; a sua acção em combate merece em 05Abr67 mais um louvor do brigadeiro Arnaldo Schulz.
E em 09Mai67 é agraciado com a Cruz de Guerra de 1a Classe.
– «O [comandante do CTIG] brigadeiro Sá Carneiro, deu-me uma Cruz de Guerra de 1a classe e outra de 2a, e vim recebê-las em 1967 [sábado, 10 de Junho] ao Terreiro do Paço. Quem me condecorou foi Salazar, que me disse que eu era um herói nacional e que, por aquilo que tinha lido de mim, eu merecia a medalha que tinha no peito. Foi a 1a vez que vim ao Continente e não cheguei a ver Lisboa – foi desembarcar no aeroporto, dormir, ir à parada e voltar a apanhar o avião –, porque estava em preparação uma operação de envergadura no Cumbamorie, no norte, com 3 companhias de tropa [do BCac1887] e o meu grupo [Os Roncos]. No aeroporto de Bissau [BA12-Bissalanca] estavam à minha espera, vesti o camuflado e meti-me numa avioneta directamente para Farim. Quando lá cheguei estavam a arrancar para o mato e eu fui com eles. [...] Esta operação era 40km [!?] dentro do Senegal. O meu grupo empurrava o inimigo para uma clareira, e quando ele chegasse à mata do outro lado deviam estar lá as outras companhias para o limpar. Tinha havido muito tiro, vários tipos atingidos; eles a correr para a mata e nós a deixarmo-nos ficar para trás, para não sermos apanhados pelo fogo da emboscada dos nossos. Mas as companhias não estavam lá; eles começaram a mandar-nos morteiradas. Nesse dia [2ªfeira, 19Jun67] tive 4 mortos: 2 brancos e 2 pretos [registada a morte em combate de 3 guineenses]. Mesmo assim apanhámos imenso material que fizemos carregar aos 21 inimigos que tínhamos apanhado e viemos a pé até à Guiné. [...] Actuava no máximo com 8 homens. Quando não sabia onde eram os acampamentos, ia até à fronteira do Senegal com uma farda do PAIGC e uma bolsa de enfermeiro, entrava numa povoação e dizia: “Venho do Senegal, sou enfermeiro e fui mandado para a zona tal”. E eles encaminhavam-me até ao acampamento, ficava por lá 2 ou 3 dias, tratava dos homens, dava injecções. Às 5 ou 7 horas da noite ia-me embora e apanhava o meu grupo. Às 5 da manhã já estávamos em cima deles.»¹
– «Nunca fui ferido em combate, mas fui ferido várias vezes dentro dos quartéis. Apanhei 1 tiro numa perna quando ia a atravessar uma parada, dado por 1 tipo que estava sentado à porta da caserna a limpar a arma: fiquei 2 dias no quartel; e apanhei 3 tiros de rajada no ombro, dados por 1 amigo meu que, na brincadeira, visou baixo de mais. Os grupos que tive foram “Os Roncos” [Mai66-Jan68], que eram 15 pretos e 15 brancos [da CCac1548] e davam-se todos como irmãos; comigo tinha que ser assim. [...] Parti a cabeça em Farim em 68 [BCac1932, PelMort1210, PelRec1134/2047], numa noite em que estava num destacamento [da CArt1691?], e havia outro a 2 km que estava a ser atacado. Metemo-nos numa viatura e, num cruzamento, ao virar o inimigo emboscado deu 1 bazucada na roda do jipe: dei 6 cambalhotas, bati com a cabeça e parti 1 braço que ficou com o osso todo esmigalhado; levantei-me e eles começaram a gritar “agarra!”, disparei com o outro braço e fiz 2 mortos; eles fugiram e a seguir desmaiei. Puseram-me 1 bocado de metal. Uns tempos depois 1 condutor despistou 1 Unimog, demos várias cambalhotas e o metal entortou; puseram-me outro e noutra operação caí mal ao saltar de 1 helicóptero, o ferro voltou a entortar e tiveram que me meter outro.»
– «Voltei uma 2a vez a essa zona. Havia lá uma vila chamada Quirivam, onde os do PAIGC andavam misturados com a população do Senegal. Fomos lá 15 homens e arrasámo-los. [...] Voltei 3a vez, em 1967 [07Ago67?]. Foi uma das operações que gostei mais de fazer. O comandante [tenente-coronel de infantaria Manuel Agostinho Ferreira] chamou-me e contou-me que a companhia [CCac1546 sediada em Binta] do capitão [miliciano de infantaria Fernando Luís Banha Soares] Carracha, que estava a fazer operações de patrulha na zona da fronteira, fôra toda apanhada à mão pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! –, e que eu tinha de ir lá buscá-los. Na vila para onde os levaram, além do PAIGC havia 1 batalhão de pára-quedistas senegaleses. Fomos 19 homens, todos muito armados, menos eu que ia vestido com uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Entrei na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos homens todos sentados na parada, só em cuecas; nem as meias lhes tinham deixado. O 1o que me reconheceu passou a palavra ao capitão e depois passaram todos uns aos outros. Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. Mas custou-me chegar à fronteira porque os brancos não estão habituados a andar descalços. A tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam 9 do meu grupo à frente a escoltar os nossos e 10 atrás a aguentar o tiro do inimigo – foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 [?] km. Pusemos os nossos na fronteira e ainda voltámos para trás para repelir o PAIGC. Nesta operação ganhei a Torre e Espada.»
Em 06Jun69, com o posto de segundo-sargento de Engenharia Rodoviária do CTIG, é agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
– «Depois dos Roncos, o meu grupo de 20 homens era [desde Jan68] “Os Vingadores”, que eram só pretos, e dependíamos do Centro de Operações Especiais chefiado [desde Ago69 pelo major de infantaria Mário Firmino Miguel e em Dez70-Ago71] pelo actual [Mar88-Set94 director da Arma de Cavalaria] general [então major de cavalaria João Ramiro] Alves Ribeiro. E depois foram sempre grupos de brancos integrados em companhias [de “comandos africanos”]. Não tivemos mortos nem feridos, apesar de no início os 5 homens de trás [da 1ªCCmds] terem caído numa emboscada que era suposto não os deixar passar. [...] Habitualmente o PAIGC vinha do Senegal ou da Guiné-Conackry, fazia um ataque e voltava para lá. E depois nós íamos lá, atacávamos e queimávamos tudo.»
– «A situação tornou-se muito crítica na parte leste do Norte da Guiné e foi necessário fazer uma operação para derrotar um efectivo muito numeroso que estava lá instalado. Isto passou-se [na 4acomissão ultramarina, 3a na Guiné] em 1969-1970. A operação foi planeada a nível do comandante-chefe. [...] Os homens do PAIGC estavam na República da Guiné, tinham uma base encostada à fronteira e eu, quando fui de avião, vi a base e pedi ao oficial de artilharia que ia comigo para fazer um plano de fogo. À tarde, quando estávamos na reunião, eu disse a Spínola que tinha visto a base do lado de lá e ele ordenou-me que bombardeasse. Fiquei indeciso e Spínola perguntou-me se eu estava com medo. Depois deu-me a ordem por escrito. Realmente eles fizeram fogo do lado de lá, mas eu não [!?] mandei fazer fogo do lado de cá. Tivemos a sorte daquilo cair nos paióis e incendiou-se tudo. Foi a 1a vez que atacámos a República da Guiné. Foi a operação em que eles tiveram mais baixas. A artilharia acertou em cheio. A partir daí criou-se o gosto de atacar bases na República da Guiné. Às vezes a Força Aérea bombardeava e o Marcelino da Mata ia lá com o seu grupo. Armadilhavam com minas um corredor, destruíam uma ponte ou faziam outra acção e depois eram recolhidos ou vinham pelo seu próprio pé. As operações eram estudadas e levava-se o armamento necessário para a acção: RPG, Kalashnikov. O Marcelino tinha um grupo de indivíduos e fazia também a sua guerra pessoal com o PAIGC. Ele tem para aí uns 16 filhos, legítimos e ilegítimos. Uma vez foi fazer uma operação comigo e quando voltou trazia um bebé. Eu disse-lhe: “Tu, que tens tantos filhos, agora vens com mais um bebé!”. Ele disse-me: “Alguém tinha que tomar conta do menino!”. Era a maneira de ser dele.»²
Em 09Mar70 no noroeste da Guiné, junto à estrada de Teixeira Pinto para o Cacheu, tem lugar nochão manjaco o 3o contacto directo e secreto com elementos do bi-grupo das FARP comandado por André Pedro Gomes, comparecendo desarmado o governador general Spínola, acompanhado pelo seu ajudante-de-campo capitão de cavalaria “comando” João de Almeida Bruno e respectiva escolta chefiada pelo segundo-sargento “comando” Marcelino da Mata.
– «Depois o coronel Rafael Durão, pára-quedista [i.e, o comandante do CAOP1 tenente-coronel pára-quedista Alcínio Pereira da Fonseca Ribeiro], pediu-me para ir para Teixeira Pinto comandar um grupo da 16aCCmds, comandada pelo [capitão de infantaria Jorge] Duarte de Almeida. Quando lá cheguei pedi ao coronel que me deixasse independente, e ele disse-me que sim. Peguei no grupo, dei-lhes mais um bocado de instrução e comecei a actuar sozinho. Depois fui destacado, com esse grupo, para proteger as colunas que iam a São Vicente levar géneros. Um dia à tarde, no ano de 1970, aterrou de avioneta o [comandante do COP3 capitão-tenente FZE] Alpoim Calvão. Disse-me que tinha andado à minha procura e que, afinal, eu estava ali escondido. Eu disse-lhe que não estava escondido, que estava a comandar um grupo de brancos.»¹
– «Um dia [no final de Abr70] apareceu-me [na CCac2547/BCac2879 do tenente-coronel Agostinho Ferreira] em Farim, o comandante Alpoim Calvão e disse que precisava que eu fosse para Cabo Verde dar recruta aos caboverdeanos, de quem eu não gostava. Uma semana depois, estava no mato, veio um helicóptero buscar-me; também fui de helicóptero de Bissau para Cabo Verde [i.e, ilha de Sogá no arquipélago dos Bijagós] e no dia seguinte chegou um barco-patrulha com uns tipos que falavam (francês) uma língua que eu não percebia.»
– «Ao fim de 1 semana [início de Mai70], Calvão mandou-me 1 intérprete que falava crioulo e francês. Depois apareceu o [segundo-comandante do DFE21 segundo-tenente FZE Alberto] Rebordão de Brito e foram vindo mais grupos de homens da Guiné-Conackry, até que se juntaram 400; eu e o Rebordão éramos os únicos portugueses e quem dava instrução aos opositores do Sekou Touré. Passámos 7 meses nisto, ninguém mais sabia de nada a não ser o Calvão e Lisboa.»
– «Quando o Calvão foi ter comigo, disse-me que queria trabalhar comigo. Tinha ido ao comando-chefe fazer uma requisição para me levar. Disse-me que tinha um trabalho para mim: eu iria para Cabo Verde dar instrução à tropa caboverdeana. Assim, eu e o Rebordão de Brito fomos de helicóptero para uma ilha desabitada na Guiné, nos Bijagós. O Rebordão de Brito perguntou-me o que é que nós estávamos ali a fazer. Disse-lhe para ter calma, porque eu também não sabia de nada. No dia seguinte, encostou lá uma LDM, lancha de desembarque militar, com uns gajos pretos e a falar uma língua que eu não conhecia. No 3o dia apareceu o Calvão, que me disse para eu os preparar. Eles falavam francês, mas eu não percebia nada de francês e perguntei-lhe: “Como é que eu vou preparar estes gajos se não percebo a língua deles?”. Ele então arranjou-me um intérprete, um guineense que vivia no Senegal, Alberto Sanque. Eram homens da Guiné-Conackry. A princípio eram uns 30, no fim eram já uns 400. Estivemos lá 7 meses. Preparámos os homens para a Operação Mar Verde, em Conackry. Os únicos que sabiam daquela operação eram o [novo comandante do COE capitão-tenente FZE] Alpoim Calvão, o [CEM-QG/CCFAG tenente-coronel de cavalaria João Paulo] Robin de Andrade,³ e o [governador e comandante-chefe general António Sebastião Ribeiro de] Spínola. Eu sabia porque estava dentro do assunto, andei a preparar os homens, sabia que no dia 22 de Novembro íamos actuar em Conackry. A data podia variar, dependendo do tempo que levássemos a preparar os homens.»¹
Nos dias 19-22Nov70, participa na Operação Mar Verde:
– «No dia 19 de Novembro de 1970 arrancámos para Conackry com 1 companhia de Comandos [1ªCCmdsAfric] e 1 destacamento de Fuzileiros especiais [guineenses DFE21], que só souberam para onde iam já dentro dos barcos – só os oficiais e eu sabíamos antes. Houve tipos que começaram a chorar, porque se contavam muitas histórias acerca de Conackry: um furriel enfermeiro, que tinha andado no PAIGC e se entregou, dizia que estava tudo electrificado, que se tocava num arame e morríamos todos – ele jogava com 1 pau de 2 bicos –, e eu perguntei-lhe como é que eles tinham dinheiro para fazer armadilhas eléctricas, se nem tinham dinheiro para comer. [...] O meu grupo [de assalto “Oscar”] de 5 homens [i.e, 40] era comandado por 1 alferes branco [Abílio Rodrigues Ferreira] que ia na sua 1a operação: era de Administração [com a especialidade “ranger” do CIOE e integrado na 1ªCCmds] e nunca [!?] tinha ouvido um tiro; recebeu a informação de que o seu objectivo era tomar o controle de 1 quartel [na cidade de Conackry] onde estavam apenas 30 homens: afinal era 1 regimento de tropas especiais [Guarda Nacional da Guiné-Conackry] com mais de 1600 homens que tinham sido treinados por checos. Eu só tinha o sabre porque a minha arma tinha caído à água quando passámos do navio-patrulha [i.e, da LDG-Montante] para o bote de borracha [Zebro-III]. Eles detectaram a nossa aproximação e fecharam o portão: eu parti o vidro da casa do guarda [entrando de cabeça seguido de rolamento] e matei o sargento-da-guarda à faca, abri o portão e o grupo entrou; mas o alferes, em vez de entrar, ficou ao meu lado e levou uma rajada. A minha sorte foi que eles não valiam nada – éramos 5 [i.e, 40] e fizemos o que quisemos durante ¼ de hora [04:15–04:30 22Nov70]. Controlámos rapidamente a resistência e só tive 1 morto, que foi o alferes.»
– «Quem foi para o aeroporto, foi o tenente [graduado “comando”] Cicri Marques Vieira que, quando lá chegou, não encontrou nenhum MIG. Encontrou 4 Boeing 747 [i.e, Caravelle], incendiou-os e veio embora. O [tenente “comando”] Januário ficou no cruzamento para impedir o avanço dos carros de combate que vinham de Alfaaia [i.e, Alfa Yaya]. Eu comandava 1 grupo de 5 homens meus [mais 33 guinéus com o citado alferes Abílio Ferreira, que morreu logo à entrada do quartel da Guarda Republicana]. A informação que me deram foi que o quartel em Conackry onde eu devia entrar, era o quartel da tropa que tinha sido especializada na Checoslováquia. Era a tropa da segurança do Sekou Touré. Disseram-me que eram 30 homens. Mas quando entrei nesse quartel vi que era um regimento, tinham aí uns 1600 homens. Como já lá estava dentro dei ordem para fazer cair tudo o que aparecesse. Entrei sem arma. Não tinha arma, só tinha uma faca e o cantil da água, porque quando desembarquei do barco para o bote deixei cair a arma ao mar. Fui o 1o a entrar no quartel. Quando cheguei à porta de armas estavam lá 4 pessoas a conversar. Viram-me, avisaram os sentinelas e fecharam o portão. Nós tínhamos um chapéu grande, do tipo daqueles que os americanos usam para não apanhar sol, enfiei o chapéu pela cabeça, mandei uma cabeçada no vidro e entrei pela janela. Caí em cima da mesa do sargento-da-guarda, ele pôs-se debaixo da mesa e dei-lhe 2 punhaladas, matei-o. Depois, dei a volta e fui abrir o portão. Mal entrámos, o corneteiro começou a tocar a corneta e os gajos começaram a aparecer. A partir daí dei ordem para abater tudo o que aparecesse. Ou morríamos ou matávamos. Ao fim de ½ hora [04:45] tomámos conta do quartel. Agarrámos os inimigos e pusemo-los sentados debaixo do pau da bandeira. De manhã, deixei lá 3 homens e fomos para a sede da polícia. Entrámos na polícia, estava lá ½ dúzia de homens. O Calvão disse-me, através do rádio, que a emissora ainda estava a emitir. O que se passava era que, afinal, a Guiné-Conackry tinha 2 emissoras. Fui para o posto da emissora, rebentei com aquilo e voltei para trás. Passados 10 minutos, o Calvão voltou a dizer-me que a emissora ainda estava a emitir. Eu disse-lhe que era impossível. Voltei lá, atirei 6 granadas ofensivas e o prédio caiu. Quando cheguei outra vez ao quartel, o Calvão voltou a dizer-me que a emissora estava a emitir: era a emissora de Conackry que o João Maka era para destruir mas teve medo de lá ir. Depois peguei no jipe dos gajos, fui com o Martinho e rebentámos a linha do comboio, para não poderem chegar reforços, e voltámos para o quartel. Estivémos lá até às 4 da tarde [i.e, 08:00], os outros embarcaram às 5 da manhã. Nós não soubemos de nada porque o rapaz que ia comigo deixou cair o rádio na água salgada. Estivemos lá até às 4 da tarde [i.e, 8 da manhã] e depois apareceu o Rebordão de Brito para nos vir buscar. Fomos num bote que nos levou para o patrulha. Fui o último a sair de Conackry, às 4 da tarde [i.e, às 08:20]. O objectivo da operação era matar o Sekou Touré e expulsar o PAIGC de Conackry. A operação falhou porque, segundo me disseram, houve alguém que a sabotou. Pagaram a uma pessoa qualquer para sabotar a operação. O João Maka era para ir ao palácio do Sekou Touré. Quando ele desembarcou, à esquerda ficava o cemitério, onde estava o casco de um submarino. O João Maka e um grupo de 60 homens enfiaram-se dentro do submarino e não saíram de lá. A operação falhou logo. O Amílcar Cabral não estava lá, tinha saído 3 dias antes»¹.
Resumo da acção da “equipa Óscar” durante a Operação Mar Verde (Conackry, 22Nov70):
– «18 comandos africanos chefiados pelos alferes Ferreira e Tomás Camará, coadjuvados por Barry Ibrahim com 19 guinéus do FNLG, largam da LDG-Montante em zebros manobrados por pessoal do navio, às 01:35 desembarcam [no dique norte] e seguem ao quartel da Guarda Nacional que assaltam por 2 lados, o alferes Ferreira é mortalmente atingido junto ao portão e o segundo-sargento Marcelino da Mata entra pela janela da casa-da-guarda, liquida os militares que ali se encontram e abre o portão, os restantes comandos entram e liquidam os guardas que saem das casernas, libertam cerca de 400 presos políticos (entre eles na cela 37 o capitão Abou Sommah) encarcerados nas masmorras do quartel, que é entregue à chefia de Barry Ibrahim; já em pleno dia os comandos desta equipa retiram para a praia, onde cerca das 08:20 são os últimos recolhidos por zebros da equipa Victor sob chefia do 2Tn FZE Rebordão de Brito.»
Em 21Abr71 é agraciado com mais uma Cruz de Guerra de 1ª Classe, na sequência de um louvor do MDN por proposta do CCFAG general Spínola: «No decorrer de uma operação [Mar Verde]excepcionalmente difícil e em que, face ao aparecimento de situações imprevisíveis, pôs à prova as suas invulgares qualidades de decisão, de desembaraço e de inultrapassável espírito de missão – tendo morrido em combate, pouco depois do assalto a um aquartelamento inimigo, o comandante do Grupo que desencadeara a acção –, foi o Sargento Marcelino quem assumiu o comando das forças executantes [...]. Face à resistência que o inimigo ofereceu em diversas ocasiões, o Sargento Marcelino, pessoalmente, causou ao inimigo elevado número de baixas, actuando com uma coragem e decisão verdadeiramente notáveis, sendo-lhe devido o êxito total da acção, que decorreu sempre com iminente risco de vida».
Em reconhecimento por feitos cometidos em campanha, é sucessivamente promovido aos postos da cadeia hierárquica, nomeadamente por distinção a primeiro-sargento, e graduado em alferes com a especialidade ‘comando’.
Em 02Nov71 «no decorrer da acção Karen, tendo o inimigo desencadeado um ataque de surpresa, reagiu pronta e decididamente, abatendo um adversário e obrigando os restantes a dispersar, conseguindo, com o seu admirável sangue-frio, suster a natural desorientação dos seus homens».
– «Depois da operação [Mar Verde] fiquei com o meu grupo [“Os Vingadores”] no comando-chefe, em Bissau na Amura. Actuava em toda a Guiné. Estive 14 anos na guerra e nunca gozei 1 semana de férias. Não houve nenhuma operação na Guiné em que eu não tivesse entrado. [...] Na Guiné há muitos pântanos e a mata é cerrada, principalmente na zona sul. Na zona sul anda-se 1km em terra seca e andam-se 4 km com lodo e água até ao peito. O que dava cabo dos brancos era o clima e a água, que não prestava. A maior parte dos brancos que fizeram a tropa na Guiné vieram com o estômago rebentado; a água não prestava, o clima era húmido, havia um calor enorme. Mas, pior do que isso, é que os brancos iam daqui sem conhecer o terreno, sem instrução nenhuma. Eu é que depois andava de batalhão em batalhão a dar a IAO aos homens. O que eles deviam fazer, que precauções deviam tomar no mato, etc. Uma vez cheguei a Bolama e encontrei um batalhão de “periquitos” novos. O alferes, quando lhe pus uma granada na mão para lançar, disse-me que nunca tinha lançado uma granada. Dei-lhes instrução, levei-os para o mato para ouvirem as balas do inimigo e as nossas, para verem a diferença. Quando uma bala passava a certos metros de altura não era preciso atirar, tinha que se avançar, etc. Andei a dar instrução mais de 1 ano, mas ia na mesma para operações.»¹
Em Out72 é colocado no BCmds: «Durante a acção Rosário-I, sendo o seu grupo violentamente atacado à entrada de um acampamento, manteve-se a peito descoberto debaixo de intenso fogo, fazendo serenamente tiro certeiro, forçando dois adversários a fugirem, abandonando as armas, depois do que, reagrupando os seus homens, carregou sobre o objectivo com irresistível agressividade, abatendo, ele próprio, mais dois elementos inimigos».
– «O comandante-chefe era o general Spínola, de quem eu tinha tudo o que queria: eu dizia que havia qualquer coisa em qualquer lado e ele dizia para eu ir e fazer o que entendesse melhor. Durante esse época, quem fez muitas operações comigo foi o [capitão pára-quedista] António [Joaquim] Ramos, que era um grande guerreiro – fizemos mais de 200 operações juntos [...]. Os outros bons guerreiros que conheci foram: no Exército, o [chefe da Repartição de Reordenamento e Auto-Defesa das Populações Jul70-Jun72, major de cavalaria] Carlos [Manuel de] Azeredo [Pinto de Melo e Leme] e o [comandante-geral das Milícias (desde Abr71), major de infantaria] Carlos [Alberto Idães Soares] Fabião; na Marinha, o [1Tn FZE Alberto] Rebordão de Brito [falecido em Nov94 (aos 52 anos) no Hospital da Marinha com a patente de capitão de mar-e-guerra], o [já referido] Alpoim Calvão, o [FZE Jorge] Braga [pós-28Set74 exilado em Madrid] e o [STn FZE José Carlos Freire Falcão] Lucas; e na Força Aérea, o [major piloto-aviador Jaime Tomás] Zuquete [da Fonseca]4, o [comandante da Esq121-BA12 tenente-coronel piloto-aviador José Fernando de Almeida] Brito que era piloto [e foi abatido junto à fronteira sul da Guiné em 28Mar73, por um míssil “Strella” lançado pelo PAIGC], e o [major piloto-aviador Fernando João de Jesus] Vasquez que hoje é general.»
Em Nov72 durante uma operação, é atingido com 1 tiro nas costas: «na acção Rosário-II, apesar de ter sofrido um ferimento ligeiro, recusou-se a ser evacuado e contribuiu decididamente, com a sua indómita coragem, para a debandada do inimigo e para a captura de volumoso material de guerra».
Nos dias 18-20Mai73, participa na Operação Ametista Real:
– «Foi um grande operação com as 3 companhias de Comandos Africanos, que eram comandadas pelo [comandante do BCmdsAfric major de cavalaria “comando” João de] Almeida Bruno, e o meu grupo. O plano era eu ficar no centro, as companhias irem-se espalhando e de cada vez que uma estivesse a apanhar pancada, o meu grupo ia reforçá-la. Dei com 1 depósito de material que devia ter 150 toneladas de equipamento (o Almeida Bruno [em 02Mar95] avaliou-o em 96): entrámos lá, matámos os inimigos que lá estavam e pedimos helicópteros para irem buscar o material, mas eles não podiam pousar e nós incendiámos tudo. Depois disto, todo o caminho até Guidaje tínhamos 1 emboscada à frente e, quando estava acabava, outro grupo atacava-nos por trás: nestes combates fizemos 170 [!?] mortos, confirmados por 1 major do exército senegalês que os contou no terreno.»
– «A operação de que mais gostei foi em Cumbamorie, 40 [i.e, 6] km dentro do Senegal, em 1973. Nesse dia levei 6 homens. Entrámos, eles [as 2 CCmdsAfric] fizeram 1 U e eu entrei pelo meio, onde estava o paiol. Quando cheguei ao paiol estavam lá 15 homens de vigia, abafámos os gajos e... acabou. A 3aCCmds encontrou lá 1 major pára-quedista, que era engenheiro e que estava a fazer o alcatroamento da estrada [paralela à fronteira do Casamance], que saía de Ziguinchor para Tanafe. Os comandos africanos mataram o gajo. Mal o mataram, os outros que lá estavam a trabalhar comunicaram ao batalhão de pára-quedistas e eles avançaram. Mas naquela altura os comandos já tinham retirado. Como eu estava dentro do paiol, eu é que paguei. Nessa operação fizemos 160 [!?] mortos e apanhámos 96 toneladas de material. Éramos 6 homens, estivemos lá desde as 9 da manhã até às 6 e ½ da tarde. Estávamos dentro do paiol, tínhamos todo o tipo de material e eu, mal soube que eles estavam a avançar, montei todas as metralhadoras pesadas que lá havia, deixámo-los avançar até 40 metros e depois abrimos fogo de metralhadora ligeira. Conforme os gajos se iam afastando, íamos pegando nas armas pesadas e, quando estávamos do lado de lá da estrada, abrimos fogo. Depois recebemos ordens de que os helicópteros não iam lá buscar o material. Os homens do PAIGC começaram a perseguir-nos. Mandei os 2 gajos à frente a carregar os feridos e eu e mais outro vínhamos atrás. Foi um tiroteio que nunca mais acabava. Pelo caminho fizemos 71 [!?] mortos. O Almeida Bruno, o [2Cmdt do BCmdsAfric e comandante do agrupamento Centauro, capitão de infantaria “comando” Raul Miguel Socorro] Folques e outros podem confirmar isto. Quando o PAIGC concentrava uma força numa zona e a tropa ocidental não podia controlar, nós íamos lá e arrasávamos o PAIGC. Esta zona era completamente controlada pelo PAIGC. Nem a tropa do Senegal nem ninguém ia lá. A tropa ocidental entrou em contacto connosco e nós fomos lá arrasar o PAIGC.»¹
– «A estrada de Guidaje, com 16km, estava fechada: diziam que eram precisas 8 companhias para lá chegar. As milícias levavam 3 máquinas de engenharia, abriam 1 estrada para se ir; e para se voltar tinham de abrir outra, porque a 1a já estava toda minada; no dia seguinte a mesma coisa, 2 estradas. Foram lá 3 destacamentos e o meu grupo, tivemos combates do diabo e apanhámos 2 comandantes da zona inimigos: durante a noite consegui infiltrar-me e instalar-me no abrigo deles; estava armado até aos dentes, tinha 20 homens com 10 metralhadoras pesadas, 10 bazookas e nenhuma arma ligeira. O golpe final foi quando mandei as milícias avançar para atacarem ao amanhecer: quando eles ouviram as viaturas, correram para os abrigos mas eu já lá estava à espera; eles estavam a 20mts quando mandei abrir fogo, as milícias sentiram e cercaram o inimigo, e empurrámo-lo para uma clareira; fizemos muitos mortos e eles acabaram por abandonar o local para sempre.»
Em 09Jun73, é de novo louvado pelo CCFAG general Spínola e condecorado com mais 1 Cruz de Guerra de 3ª Classe: «À frente dos seus homens, que galvanizou com o exemplo da sua coragem excepcional, tomou de assalto vários depósitos de material de guerra que o inimigo defendia vivamente, forçando-o a retirar com pesadas baixas. Encarregado, posteriormente, de destruir o enorme volume de material apreendido, desempenhou-se da incumbência com admirável perícia e completa eficácia, apesar de todas as destruições terem sido executadas debaixo de fogo inimigo. Finalmente, ofereceu-se para comandar o escalão da retaguarda das nossas forças, conseguindo deter o inimigo com extrema agressividade e hábil manobra, prestando desta forma relevante contributo para o extraordinário êxito da operação».
Em 22Ago73 recebe outro louvor do MDN e, por proposta do ex-CCFAG general Spínola, é agraciado com a 3a Cruz de Guerra de 1ª Classe.
– «Uma vez, no Embré [Emberenque], tentaram fazer-me uma emboscada. Nesse dia éramos 12 [i.e, 20]. Tinha ido para lá um batalhão de comandos que não conseguiu entrar e voltou para trás. O [novo governador e comandante-chefe] general [José Manuel de] Bethencourt [Conceição] Rodrigues chamou-me e disse-me para eu lá ir. Perguntou-me quando é que eu ia, mas eu disse que isso não dizia. Apareci lá um dia às 4 da tarde, fomos de helicóptero e vimos 1 grupo do PAIGC a desembarcar material da piroga. Fomos fazer essa operação, apanhámos o material, o helicóptero foi pôr o material a Bissau e voltou.»¹
No início de 1974, com o seu grupo de 20 homens faz mais uma operação no sudoeste: às 05:30 seguem pelo rio Cacine em ‘zebros’ dos fuzileiros do DFE22 e ½ hora depois desembarcam num pequeno afluente entre Aiamaia-Porto e Emberenque: durante o trajecto a pé pela lama das margens, são logo recebidos por uma rajada do PAIGC:
– «Pensei “isto vai ser bom, hoje!” e a minha rapaziada começou logo a gritar, a fazer soar apitos e a cantar algumas coisas que nem eu percebia porque eram dialectos que eu não falava».
Depois dão uma volta, chegam à base inimiga e apanham material, mas nada podem trazer: os pilotos dos Alouette-III têm «receio de pousar» e os aviões não sobrevoam a área «por medo dos mísseis» terra-ar. O grupo do alferes Marcelino larga fogo aos depósitos de armamento inimigo e segue para outra base do PAIGC, onde captura morteiros e armas pesadas, recolhidas por um helicóptero; depois capturam uma rampa de foguetões que é levada para Cacine por outro helicóptero; e o restante material ligeiro, em grande quantidade, é todo incinerado. Na região, o PAIGC é apoiado por cerca de 2 mil balantas, os combates duram todo o dia e o grupo de ‘comandos’ reabastece-se com o material capturado, sempre a correr atrás do inimigo, sem parar, debaixo de fogo desde as 6 da manhã até à 1 hora da madrugada seguinte, quando se dirigem ao aquartelamento de Emberenque e a caminho do qual um grupo IN, junto a uma antiga estrada, cavou uma vala:
– «Eu ia à frente, veio de lá 1 rajada que até me encandeou, atirei-me para o chão e joguei 2 granadas ofensivas para dentro da vala; eles calaram-se logo, todos mortos. Continuámos a avançar e de manhã havia 1 clareira com capim; eles estavam na orla da mata à nossa espera, detectámo-los, mandei 2 equipas de 5 cercarem-nos por trás e nós atravessámos à frente deles. Quando o inimigo viu o capim a mexer começou a fazer fogo e atrás de nós o capim, seco e com 3 a 4 metros de altura, começou a arder com chamas enormes. As 2 equipas abriram fogo em cima deles, na altura em que eles arrancaram para vir ao nosso encontro. Atacados por trás, passaram-nos à frente e fugiram: mais de 30 foram mortos por nós ou pelo fogo; não apanhámos nenhum, nem armas que eram só ferros retorcidos. [...] Acabámos por chegar à vista do quartel: eles tinham sentido tiros, nós éramos todos pretos e as 2 companhias que lá estavam começaram a fazer fogo em cima de nós, com morteiros e armas pesadas e tudo o que tinham. Tínhamos comunicado com o quartel a dizer que íamos chegar, que estávamos à distância tal, mas eles devem ter-se esquecido de avisar o sentinela; o tipo viu uns pretos aproximaram-se, abriu fogo e toda a gente foi atrás dele. As bazucadas cortavam as palmeiras, mas nós estávamos a 30mts do quartel e eles estavam a fazer fogo para 200mts. Durante 2 horas e ½ gastaram munições; então passou 1 avioneta e nós comunicámos para ela lhes dizer que estavam a fazer tiro para o meu grupo. [...] Depois viemos para o rio e a minha equipa que vinha atrás, com binóculos de longo alcance viu um grupo de observadores do PAIGC a fugir; fez fogo, matou 1 e feriu outro, foi lá e trouxe o ferido. Nós tínhamos comunicado aos fuzileiros que estávamos a chegar; eles vieram-nos buscar para nos levar para Cacine e aí é que as coisas correram mal. Eu ia à frente – era sempre o nº 1 do meu grupo –, apareci numa clareira já com lodo até aos joelhos e 1 fuzileiro da metralhadora-pesada MG desata a fazer fogo: ao atirar-me para o chão apanhei 1 tiro, a bala ficou encravada no osso (e com o tempo e os movimentos acabou por se soltar, tiraram-ma em 1983); 1 soldado meu apanhou 1 rajada pelo joelho que lhe cortou 1 perna (que ficou lá no lodo). Tudo isto por estupidez do tenente que vinha a comandá-los: atirei-me ao tenente e fartei-me de lhe bater, queria matá-lo à pancada.»
– «No dia seguinte [ao citado assalto helitransportado] fomos de bote com o destacamento 22 dos fuzileiros [DFE22] e desembarcámos em Embré às 6 da manhã. Desde as 6 da manhã até à 1 e ½ da manhã eles [PAIGC] fizeram fogo. O capitão pára-quedista Valente dos Santos esteve comigo nesse dia. Apanhámos 4 morteiros 120, 3 rampas de foguetão 128, 9 morteiros 82 e descobrimos 1 paiol com não sei quantas toneladas de armamento, que depois incendiámos. Depois éramos para desembarcar em Gadamael-Porto, para apanharmos a antiga estrada para Embré. Assim aconteceu. Fizemos essa missão das 6 da manhã à 1 da manhã.»¹
– «Quando se deu o 25 de Abril, a situação na Guiné estava controlada por nós: eu dava a volta toda à Guiné; só faltava destruir a base do PAIGC de Kadiaf [Candjafra], porque a de Foulamorie já o tinha sido. E no dia 25 de Abril de 1974 eu estava nessa base, que se situava em território da Guiné-Conackry: fui lá [em 20Abr74] com um furriel meu chamado Silva Imbefá, armados em enfermeiros do PAIGC – fiz assim muitos reconhecimentos, depois voltava, pegava nos meus homens e ia fazer um assalto o mais rapidamente possível. Estivemos lá 6 dias a curar doentes e feridos, para saber quantos homens havia, os locais de armamento, tudo isso. Quando fugimos da base e chegámos a Quêpe [Quebo], o major segundo-comandante da unidade local perguntou-me de onde tinha vindo: eu disse que tinha vindo do mato e ele perguntou-me se eu não sabia que a guerra tinha acabado; eu disse que a guerra não tinha acabado, que ainda poucos dias antes tinha estado debaixo de fogo; mas ele disse que a guerra tinha acabado. Eu não acreditei, mas ao almoço o rádio dizia que havia um cessar-fogo, suspensão da guerra para conversações e pensei que era quando aquilo estava quase ganho que iam suspender a guerra. Eu pensei atacar Kadiaf [Candjafra] no dia seguinte, porque tinha desaparecido da base e eles iam começar a desconfiar rapidamente. E ataquei. [...] Quando regressámos [28Abr74] a Pula [i.e, Bula], 1 soldado meu [João Mango da 2ª/BCmds, natural de Pecixe/Cacheu] saltou do carro e deixou cair 1 granada [i.e, 2] de rocket: ele ficou sem os 2 pés [e depois morreu]; eu fiquei com mais de 100 estilhaços no corpo; todos os meus homens ficaram feridos; e muitos dos do batalhão [de intervenção BCav8320, estacionado em Bula], que tinham ido ver-nos chegar – eles vinham sempre para ouvir contar as histórias e ver o material que tínhamos apanhado. No conjunto houve mais de 100 feridos [na CCS e 2a/BCav8320]; fui evacuado para o hospital de lá [HM241-Bissau] e depois para o continente [HMP-Estrela], no dia 2 de Maio.»
– «No dia 25 de Abril estava no mato, na fronteira com a Guiné-Conackry. Tinha ido patrulhar a única base que o PAIGC ainda lá tinha. Fui eu e o meu furriel, disfarçados de enfermeiros, e estivemos lá 3 dias. O acampamento deles era a 11km da [fronteira sul com a Guiné] Conackry. Havia lá centenas de pessoas mutiladas. Quando voltei, ia apanhar o meu grupo que estava em Aldeia Formosa, encontrei o segundo-comandante do batalhão [BCac4513], que era um major de artilharia [i.e, de infantaria Duarte Dias Marques], que me perguntou de onde é que eu vinha. Eu respondi que vinha do mato. “Então você anda no mato? Não sabe que a guerra já acabou?”, disse-me ele. Eu mandei-o à fava. Mas ao ½ dia, quando estava na messe a comer, ouvi na rádio que o Spínola tinha feito um golpe em Portugal e que a guerra estava suspensa. Quando chegámos [i.e, regressámos] a Bissau, eu tinha sido destacado para Bula. Desci do carro, houve 1 soldado meu chamado Mário Dantas [i.e, João Mango] que, quando saltou do carro, deixou cair 2 granadas [de rocket]. As granadas explodiram por baixo dele, ficou sem os 2 pés e eu fiquei com 117 estilhaços no corpo. Fui evacuado para Portugal, para o Hospital Militar. Como eu era alferes do Quadro Permanente fiquei cá. [...] Eu vim para cá deitado numa maca, deixei tudo na Guiné. Depois a minha mãe ficou com medo e o PAIGC queimou tudo.»¹
– «Dos que foram graduados em generais depois do 25 de Abril, o Fabião era o único que merecia: foi um homem muito corajoso no mato, que nunca virou as costas ao inimigo e limpou a zona sul toda em 4 anos. Já o [capitão de artilharia] Otelo [Nuno Romão Saraiva de Carvalho], nunca participou numa operação. [...] Havia 60 mil tropas brancos e 40 mil africanos, o que não chegava para a guerra, mas com outros tantos já se teria um exército como devia ser; só a tropa guineense chegava para controlar a Guiné. Podia ter-se negociado com o PAIGC para formar um exército no qual eles se integrassem: porque nós éramos um exército formado e com largos anos de guerra, e eles eram guerrilheiros sem formação militar e sem quadros – portanto, eles deviam integrar-se nesse exército e não nós no deles. Se depois do 25 de Abril, com uma Guiné em autodeterminação, me tivessem dito para organizar um exército na Guiné que não deixasse entrar o PAIGC, era simples: a autodeterminação eliminava uma grande dificuldade de Portugal, que era não poder invadir o Senegal e a Guiné-Conackry; e a Guiné-Bissau podia fazer isso. A guerra acabava logo, porque o Senegal e a Guiné-Conackry deixavam de apoiar o PAIGC. A minha ideia é que haveria um período de autodeterminação de 15 anos, durante o qual se formariam quadros civis e militares em Portugal, dentro de uma federação de países. Depois seria a independência plena, dentro de uma comunidade como a que a Inglaterra tem com as suas ex-colónias: mantinha-se essa união em que as pessoas pudessem ir livremente de um país para o outro, mas onde em todos se vivesse bem. Depois de eu cá estar havia cerca de 2 meses, começaram a desarmar a tropa africana lá. [...] Hoje acho que me mandaram logo embora da Guiné a seguir ao 25 de Abril, porque não havia tropa nenhuma da Guiné, fosse de que arma fosse, ou da milícia, que não me obedecesse. Depois estive no palácio de Belém como adjunto do chefe da casa militar do presidente da República (foi o Almeida Bruno que me levou para lá). Em finais de 1974 fui para o RCmds [i.e, BCmds11] e o Jaime Neves pôs-me a dar uma instrução que não existia, a de guerrilha urbana e guerra convencional de cidades; 2 meses depois, alguns tipos foram queixar-se que eu puxava muito por eles e deixei de dar instrução. Passei a não fazer nada e os dias a jogar às cartas. [...] Tenho os cursos de comandos, de operações especiais, de fuzileiro especial, de mergulhador e de pára-quedista; e de sapador de minas e armadilhas, de enfermeiro e de cozinheiro, estes faziam parte do curso de comandos. Ganhei duas [1] cruzes de guerra na ilha do Como, duas [1] em Farim, uma em Quenchum [!?], uma em Conackry (foi o Spínola que ma deu) e outra na operação de Cumbamorie.»5
1975 – Maio.18 (domingo)
No quartel do RALIS em Sacavém, prosseguem as sevícias sobre os «perigosos fascistas ontem presos».
– «Apareceu depois das 24:00 um indivíduo alto, forte e de cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo-comandante do RALIS – mas que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por Ribeiro –, me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o ELP. Mais tarde apareceu um aspirante e um furriel chamado Duarte, e [depois] o capitão Manuel Augusto Seixas Quinhones de Magalhães6, que tornaram a fazer a mesma pergunta. Uma vez que jamais tinha ligação com o ELP ou qualquer organização outra, respondi-lhes negativamente. Entrou então o capitão Quinhones de Magalhães, disse-me que me ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos “turras” quando não queriam falar, e puxou do seu cinturão no que foi secundado pelo furriel Duarte. Saiu o capitão Quinhones e regressou acompanhado de outro indivíduo baixo e forte (que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por Jorge), e mais outro furriel, aos quais o capitão Quinhones ordenou que me fossem batendo à bruta até que eu confessasse. Apareceu então o [comandante do RALIS] tenente-coronel Leal de Almeida que [apesar de muito bem conhecer da Guiné o deponente] me disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados, e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso. Ordenou o capitão Quinhones que me encostassem à parede e despisse a camisa, o que tive de fazer. Após isto, fui agredido sete vezes com uma cadeira de ferro nas costas, o que me provocou vários ferimentos. Não resistindo caí, mas o capitão Quinhones disse que me pusesse de joelhos e um outro indivíduo que entrou intitulando-se oficial de marinha, agrediu-me mais duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão Quinhones e o furriel Duarte, um de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo e eu, que já sentia dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão. O capitão Quinhones ria-se e dizia que o tenente-coronel Leal de Almeida queria que eu falasse nem que eu ficasse todo partido e que ele ia mesmo fazer-me falar. Passados uns momentos, quando me encontrava novamente sentado e como fizesse intenção de reagir às agressões, algemaram-me e perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro. Como eu dissesse que conhecia alguns deles [da Guiné] e outros não, foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram: um Coelho da Silva, um dr. Maurício, que não conhecia; e o João Vaz Alvarenga, Augusto Fernandes (Baticã) e o Artur, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné. Então o capitão Quinhones ordenou ao tal [militante do MRPP] Jorge que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto desmaiei, pois não aguentei. Quando recuperei tornaram, o capitão Quinhones e o furriel Duarte, a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo eu nessa altura que devia estar con fractura da coluna e costelas e tinha vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e desmaiei. Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar além de fortes dores por todo o corpo. Por voltas das 6 horas do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros [5] indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o Fernando Figueiredo Rosa também [do extinto BCmdsAfric] da Guiné, ao qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia ser mulher do Coelho da Silva, à qual o furriel [Duarte] apalpou as nádegas e os seios e outras partes do corpo, frente ao marido. Fui algemado logo a seguir à entrada da senhora e conduzido à prisão [do quartel], onde um furriel encheu com água, até ao nível dos tornozelos, a cela. Por volta das 23:00 fui retirado da prisão e vi o tenente fuzileiro Côrte-Real e o ex-tenente fuzileiro [sub-tenente FZE José Carlos Freire] Falcão Lucas7 cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também tinham dado um “bom tratamento” mas não tanto como o meu. Fui metido a seguir numa Chaimite e levado para Caxias onde cheguei já pelas 01:00 ou 02:00 do dia 19Mai75. Chegado a Caxias o capitão-tenente [FZE João Eduardo da Costa] Xavier8, e o qual conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e obscenos e mandou-me levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido clinicamente. Só no dia 21Mai75 e depois de muito insistir com pedidos ao oficial-de-serviço, aspirante de Marinha Fernandes, fui levado à enfermaria [da Prisão-Hospital São João de Deus] de Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aquelas de que me queixava. Permaneci 150 dias [os primeiros 90 incomunicável] em Caxias e só quando fui libertado [em 15Out75] e colocado com residência fixa, consegui ser tratado convenientemente e soube ter tido fractura de duas costelas e da coluna.»9
– «Apareceu [depois das 00:00 de 18Mai75 na sala do edifício do comando do RALIS] um aspirante e dois sargentos [furriéis] que me perguntaram que ligação tinha eu com o ELP: eu disse que tinha sido a primeira vez que ouvira falar nisso e que não sabia o que era, e eles explicaram-me; depois apareceram mais dois, e um deles, de barba postiça, identificou-me como segundo-comandante do ELP. Mandaram-me despir a camisa e encostar à parede. Um deu-me uma bofetada, eu dei-lhe um murro e o tipo caíu: entraram soldados, agarraram-me, puseram-me três algemas nos braços e nos pulsos, encostaram-me à parede e começaram-me a bater com cadeiras de ferro; partiram treze e partiram-me a bacia e quatro costelas, e aleijaram-me seriamente a coluna: às vezes não posso respirar nem urinar. A seguir mandaram-me para Caxias, onde estive sete [i.e, cinco] meses. Primeiro durante três meses incomunicável. Uma vez, já estava com os outros presos, fiz qualquer coisa que eles não queriam e puseram-me num buraco muito pequeno e sem luz durante dois dias.»10
No início da madrugada de 19Mai75, após ter sido preso e espancado no RALIS durante 6 horas, é levado para Caxias onde fica encarcerado em regime incomunicável durante 90 dias, seguidos de 60 dias em regime normal.
– «Quando [em 15Out75] me libertaram de Caxias, na mesma noite foram a minha casa – vim a saber depois que para me raptar e mandar para a Guiné –, mas enquanto eles perguntavam por mim, desci por 1 corda do 2o andar até ao chão. Apanhei 1 táxi para Benfica, encontrei lá 1 conhecido que me levou a Coimbra e me deu dinheiro para ir de camioneta até Chaves. Cheguei lá sem dinheiro nenhum, vi 1 guarda fiscal e dirigi-me a ele, disse que tinha fugido de Caxias e que queria ir para Espanha; ele perguntou-me se eu tinha dinheiro, eu respondi que não e ele deu-me 2 mil pesetas e indicou-me como evitar os outros colegas dele. Do outro lado apanhei a camioneta para Madrid, onde não conhecia ninguém; dormi 3 dias no metropolitano e ao 3o dia houve 1 espanhol que me perguntou se queria trabalho; fui distribuir Coca-Cola num camião, ele pagou-me 30 mil pesetas e fui para França, onde tinha 1 tio. Tratei-me lá um pouco e voltei para Madrid, porque na terra onde o meu tio estava não havia trabalho; em Madrid arranjei outra vez trabalho, encontrei 1 conhecido que conhecia 1 médico que tinha fugido da Rússia, que foi quem me tratou. [...] Voltei a Portugal depois do 25 de Novembro de 1975 e apresentei-me no Regimento de Comandos. Em 1980 fizeram-me assinar um documento a dizer que queria sair da tropa; houve algumas dificuldades com a percentagem de incapacidade que me queriam dar (eu sou alferes graduado em capitão e nessa altura era preciso ter 60% de incapacidade para se manter o posto de reforma), mas deram-me 64% e vim embora da tropa. A diferença de salários é muito importante quando se tem 14 filhos».
Em 10Dez80, por despacho do CEME e decisão do Conselho da Revolução, é confirmado o processo pendente, desde 1973, da sua promoção por distinção a alferes do SGE, com antiguidade reportada a 01Ago73. E em 18Dez80, por 2 despachos do CEME e decisão do mesmo CR, é promovido por diuturnidade e para todos os efeitos legais, a tenente do SGE com antiguidade reportada a 02Ago74, e a capitão do SGE com antiguidade reportada a 02Ago77.
Homologado o parecer da Junta Hospitalar de Inspecção que o considerou diminuído físico, fica qualificado como deficiente das Forças Armadas, ao abrigo do DL.43/76 e na situação de reforma extraordinária.
– «Os ferimentos das torturas do RALIS doem-me menos em África. Nessas idas a África, já voltei à Guiné 2 vezes clandestinamente, a 1a foi em 1976 e estive lá 45 dias. A 2a foi em 1985 e estive lá 21 dias: o PAIGC soube que eu estava na Gâmbia e mandou lá a polícia secreta; no dia em que começaram à minha procura na Gâmbia, já eu estava dentro da Guiné a passear e a matar saudades. Não vi a família, fugia dos desconhecidos para não correr o risco de ser denunciado; até pedi boleia a um carro do PAIGC e eles deram-me. [...] Em 1993 fui para Angola dar instrução à tropa do MPLA. Durante 6 meses formei 2 companhias, 1 em cada 3 meses: dei-lhes instrução e depois levei-os para o mato, para fazerem a IAO em combate; eu, é claro, ia sempre à frente, em nº 1. O chefe do estado-maior general das forças armadas de Angola foi lá visitar-me 3 vezes; e o chefe do estado-maior do exército, 2. Uma vez infiltrámo-nos dentro de uma vila, onde havia 1500 tipos da UNITA, sem eles darem por nada e abrimos fogo ao amanhecer: apanhámos um general da UNITA. As minhas companhias, como eles viram que eram boas, puseram-nas na guarda presidencial. E estava lá há 6 meses quando o “Expresso” publicou uma notícia a dizer que o Marcelino da Mata, que estava a dar instrução em Angola, era o que tinha combatido contra o PAIGC. O chefe dos serviços secretos militares veio falar comigo, disse que todos gostavam muito do meu trabalho, mas que não podiam continuar a ter-me lá. No fim, quando me mandaram embora – pagaram-me tudo –, levaram-me de carro ao aeroporto, se calhar também para terem a certeza que eu embarcava. O “Expresso” deu-me cabo da vida.»
Em 1995, Marcelino da Mata é tenente-coronel graduado do Exército português, na situação de reforma extraordinária; nesse ano, sua mãe ainda vive e reside na Guiné-Bissau.