Público. 27.09.2012, Por Lusa
O psiquiatra Afonso Albuquerque lamentou hoje que muitos ex-combatentes em África, com stress de guerra, acabem por morrer antes de serem qualificados como deficientes das Forças Armadas, apesar de alguns estarem mais de dez anos à espera desta classificação.
Afonso de Albuquerque, que participou na redacção da legislação (49/99) que instituiu o regime de apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra, falava à agência Lusa à margem do seminário internacional para uma “Reflexão sobre uma década de funcionamento da Rede Nacional de Apoio (RNA)” aos deficientes das Forças Armadas.
Este especialista sublinhou o avanço que a legislação trouxe a Portugal, pois na altura a doença (stress de guerra) não era sequer reconhecida e não permitia ao portador a classificação de deficiente das Forças Armadas, bem como o respectivo subsídio.
Hoje, apesar de reconhecer a evolução, com “os protocolos devidamente elaborados, os técnicos a saber o que fazer e os doentes a aparecerem”, o psiquiatra lamenta que os doentes acabem por “encalhar” no sistema.
“Quando mandamos os processos para a concessão das regalias que [os doentes] têm direito como deficientes das Forças Armadas - que não são assim considerados enquanto a sua deficiência não for aceite pelo Ministério da Defesa - isso é demorado”.
Afonso Albuquerque revelou que tem casos de doentes que “duram dez, doze, 13 anos e ainda estão à espera”.
“É preciso um esforço conjunto do Ministério da Defesa e das associações dos ex-combatentes, no sentido de apressar tudo isso, facilitar o acesso a algo que têm direito reconhecido por lei mas que ainda não é dado a muitos deles”, disse.
E deixou o alerta: “Estes deficientes têm uma longevidade menor e, por isso, vão morrendo. Qualquer dia não temos nenhum, ou temos muito poucos, e podem morrer sem que tenham recebido o que têm direito por lei”.
Presente neste encontro promovido pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), o director-geral de pessoal e recrutamento militar do Ministério da Defesa, Alberto Coelho, garantiu que estes prazos vão seguramente ser encurtados.
Segundo Alberto Coelho, esta classificação de stress de guerra é ainda “uma novidade em Portugal”.
“Nem a própria saúde tem ainda instrumentos para este desenvolvimento, pois esta é uma actividade que, ao contrário dos outros processos, que também demoram muito tempo, tem de ter uma envolvência, não só da Defesa, mas também da Saúde”, alegou.
O director-geral da Saúde, Francisco George, sublinhou à agência Lusa que “o sistema de saúde, em particular o serviço público, não pode ignorar a importância que representa a síndrome pós-traumática, no conjunto dos problemas de saúde mental e das doenças crónicas”.
Para Francisco George, que participou na cerimónia de abertura do seminário, estes doentes “são cidadãos que têm direitos a todos os serviços e que, no contexto da rede nacional de apoio, dispõem de vias verdes para terem acesso fácil aos tratamentos no âmbito da psiquiatria e da psicologia”.
“Temos de ter em conta, com carácter de urgência, a importância de dar respostas a este problema que não podem ser ignorados. São cidadãos que ficaram traumatizados ao serviço de um país e que de forma alguma podemos deixar de colocar numa prioridade absoluta estas questões”, disse.
O psicanalista Carlos Amaral Dias reconheceu à Lusa que as feridas dos ex-combatentes são difíceis de sarar, até porque “o tempo passa, do ponto de vista cronológico, mas o tempo psicológico, do inconsciente, mantém-se imutável”.
“Assim como fixamos outro tipo de memórias significativas na nossa vida, também fixamos, de forma indelével, as mais traumáticas para nós. Isso passa-se em relação à guerra e a todas as experiências violentas”, concluiu.