segunda-feira, 26 de abril de 2010

M207 - História de uma coluna a Guidage - na Guiné - RANGER Fernando Araújo


Esta acçaõ desenvolveu-se na Guiné, em Maio de 1973.
A participação do 2º pelotão, da 2ª Companhia, do Batalhão de Caçadores nª 4512 (BCAÇ 4512), numa coluna de viaturas carregadas de militares a Guidage, nos dias imediatamente antes da execução no terreno, da operação “Ametista Real”.
Esta última operação foi considerada pelos altos Comandos Militares, como muito bem concebida e melhor executada pelas tropas portuguesas, envolvendo várias Unidades das mais bem treinadas e experientes em termos de operacionalidade e combatividade militar, no ano em que a mesma foi executada.
Nome: Fernando da Costa Gomes de Araújo
Nº. Mec.º: 19740272
Especialidade: Operações Especiais/RANGER (4º Curso de 1972)Posto: Furriel Miliciano
Local na Guiné: Jumbembem
Período: 1973/1974
Unidade: 2º pelotão da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
Passo então a narrar, a participação do meu pelotão, na coluna a Guidage, dias imediatamente antes da execução no terreno, da operação “Ametista Real”, segundo a minha visão pessoal dos factos.

As datas e horas foram rebuscadas na minha agenda/diário, onde fui tomando pequenas anotações e que agora, como é evidente, me foram preciosas para a ultimação da presente descrição.
Coluna a Guidage
Intervenção do 2º Pel da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512




09-05-1973 - 15h00 -, Saíram de Jumbembem dois grupos de combate (com seis picadores na frente equipados com varas) e iniciaram a picagem para detectarem possíveis minas colocadas na picada até Lamel, com destino a Farim - sede do Batalhão de Caçadores 4512.
Fizeram o percurso sem incidentes.
Saímos depois nós, o 2º pelotão da 2ª Companhia do BCAÇ 4512.
O nosso destino final era Guidage, um destacamento situado no norte da Guiné, situado na fronteira com o Senegal.
Pernoitamos em Nema, junto a Farim, onde se encontrava a 1ª Companhia do nosso batalhão.
10-05-1973 - de manhã -, Partimos numa coluna até Binta, que era o local de encontro das tropas envolvidas na operação:
5 Grupos de combate do Batalhão de Caçadores 4512;
1 Bi-grupo da 38ª Companhia de Comandos;
1 Secção do Pelotão de Morteiros 4274.
Foram distribuídas rações de combate e munições, e definiram-se os pontos nevrálgicos da operação em curso.
Retomamos a marcha, agora apeada com destino a Guidage, cujo destacamento estava a ser flagelado, dia e noite, estando iminente a sua tomada de assalto pelos guerrilheiros do PAIGC e que necessitava, com urgência, de ser reabastecido com géneros frescos e munições, já que no dia anterior uma coluna de reabastecimento foi emboscada, tendo resultado 4 mortos, 18 feridos e 4 viaturas danificadas.
Pelo romper da manhã, os Fiat’s da nossa FA, foram bombardear as Berliet’s que foram danificadas no dia anterior e que estavam carregadas de granadas de Obus e de outras munições.
O sol escaldava e a sede apertava.
O reabastecimento de água era feito por uma viatura Berliet, que integrava a coluna. A meio do percurso na zona de Genicó, um elemento da 38ª de Comandos accionou uma mina anti-pessoal e fica sem um pé.
Após uma ou duas, sobre este incidente, ouviu-se nova explosão.
Desta vez foi atingido um homem do meu pelotão, que ficou despedaçado ao accionar uma mina anti-pessoal, e, esta por sua vez, ter accionado uma mina anti-carro que estava encostada à primeira.
Recolheram-se os restos mortais do infeliz soldado e continuamos a avançar no cumprimento do estabelecido para a realização da coluna.
Pela picada fora, rompendo a densa mata, ouviam-se os ruídos das viaturas (Berliet’s e Unimog’s) e apenas se via a nossa tropa apeada (flanqueando à direita e à esquerda).
Na frente da coluna, a abrir caminho, segui-a um bi-grupo da 38ª Companhia de Comandos.
Ao passar pela bolanha do Cufeu temíamos o pior, já que o PAIGC tinha uma base próxima.
A pouca distância da nossa coluna, a certa altura, ouviram-se disparos de armas, rajadas de metralhadoras e rebentamentos.

Eram dois grupos da CCaç 3 e da CCaç 19, que saíram de Guidage ao nosso encontro, efectuando a picagem e tinham sido, por sua vez, emboscados sofrendo 8 mortos e 9 feridos.

Passamos ao lado dos corpos de 5 africanos mortos, despidos e virados para baixo, deviam estar armadilhados com certeza.
As forças intervenientes encontraram-se finalmente e reagruparam-se, seguindo em conjunto até ao aquartelamento de Guidage.
Chegamos lá pelas 18h00, e instalamo-nos.
Fui até à enfermaria para ver se precisavam de auxílio, e vi que estava cheia de feridos.
As máquinas a petróleo funcionavam sem parar, para a esterilização de seringas, agulhas e outros utensílios médicos.
Ouviam-se gemidos de dor aqui e ali. O que eu vi à minha frente… é indescritível...
Caiu a noite e pouco tempo depois, fomos flagelados com granadas de morteiro 82 mm.
O quartel estava cheio de tropa.
Uma das granadas caiu dentro de uma das valas e matou um sargento dos fuzileiros.
Uma dessas valas foi a minha instalação, o meu quarto, durante estes 3 dias.
11-05-1973 - 09h00 -, procedemos à cerimónia fúnebre, com uma salva de tiros, em honra do militar do meu pelotão que morreu vítima das minas.
Abriu-se uma cova junto ao arame farpado, lançou-se cal e colocaram-se os seus restos mortais embrulhados num lençol.
Continuamos no destacamento de Guidage e o “filme” repetia-se, éramos flagelados com granadas de morteiro 82 mm a qualquer hora.
Depois flagelavam Bigene.
Extracto do livro “Guiné”, com as colunas a Guidage e onde se relata a operação “Ametista Real”, executada no terreno, dias depois, em 18 e 19 de Maio de 1973
12-05-1973 - 11h00 -, fiquei perplexo, quando um militar bateu com um joelho numa porta e, em resultado dom estrondo, todos os que estavam no refeitório se precipitaram para as valas, tal era o desgaste psicológico que os transtornava.
Qualquer barulho, parecia-lhes mais um ataque de morteiros e refugiavam-se nas valas desordenadamente.
Contaram-me que a cerimónia do hastear da bandeira nacional no quartel deixara de se fazer, porque o corneteiro tinha morrido num dos ataques que de vez em quando o IN desferia a partir de um morro do lado oposto ao da pista de aviação.
Metade dessa pista era território Português e a outra era do Senegal. Tinham um obus 10,5 cm que estava danificado pelos consecutivos ataques e, segundo informações que recolhi, tinha aí morrido um furriel.
13-05-1973 - por volta das 10h00 -, começamos a abandonar o destacamento de Guidage.
A partir de Binta consegui boleia numa viatura “Berliet”, onde ia o nosso Comandante.
À minha frente ia outra viatura do mesmo tipo, com corpos de militares mortos e alguns feridos ainda com soro.
Cenários de um pesadelo arrepiante que... JAMAIS ESQUECEREI!

Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

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