O Dr. Marques Mendes (MM), no seu comentário semanal na TVI 24, de 27/8/12, veio afirmar, “en passant”, que Portugal possui mais militares por mil habitantes do que a Espanha e a Alemanha (e mais policias do que a França e a Alemanha).
Esta mirabolante informação parece ter sido recolhida de um estudo de uma obscura “fundação” que assumiu o nome de “Oliveira Martins”, e citada num editorial do Diário de Noticias.
Presumo que MM o terá feito para respaldar os seus colegas no Governo nas já anunciadas facadas para as FAs que, seguramente, vão transpirar da avaliação da “Troika” - não sei até, porque é que eles não se instalam de vez em S. Bento!
De facto, quando se quer justificar seja o que for, não faltam argumentos, nem dados estatísticos desenterrados onde calhar.
A argumentação é tola e pobres, mas venenosas, são outras atoardas do mesmo jaez que por aí se ouvem, a mais comum das quais é a de que a “tropa” tem pessoal a mais (então generais nem se fala!) – coisa que oiço há mais de 30 anos (ao mesmo tempo que era confrontado com queixas de que “o pessoal não me chega”)!...
Ora dizer isto sem dizer mais nada, quer dizer tudo e não quer dizer nada, pois pelo meio seria pertinente referir que existe pessoal a mais ou a menos, em relação a quê; perceber as distorções e o porquê das mesmas; dividir a análise por Ramos, postos e especialidades; correlacionar o que existe com as missões atribuídas, o sistema de forças e o dispositivo (aprovados pelos políticos); analisar as medidas já tomadas ou a implementar para atenuar as eventuais distorções, etc.
Não fazer isto e andar a dizer que há gente a mais ou a menos, é atirar cuspo para o ar e fazer demagogia. Acresce que as condições mínimas para se harmonizarem quadros orgânicos e fluxos de carreira nunca foram criados, pela simples razão de nunca ter havido, nos últimos 38 anos, qualquer factor estável de planeamento.
Quer isto significar que nunca se cumpriu com os diplomas enformadores que foram sendo publicados; não parou de haver alterações, cortes a esmo, reorganizações, missões ao estrangeiro, que vão e voltam, etc. tudo agravado por ministros da defesa que se sucederam em catadupa, perfeitamente impreparados para o lugar e acolitados por um Conselho de Chefes que, por norma, fizeram gala em não tomar posição pública, sobre seja o que for, e tiveram extrema dificuldade em se entender (e, por isso, também em andar à frente dos acontecimentos), o que se estendeu desde a cor dos atacadores das botas à compra de submarinos.
Porém, estamos em crer, que a razão principal do estado a que as FAs chegaram, resulta dos preconceitos anti-militares da esmagadora maioria da classe política e na sua convicção de que a tropa não faz falta para nada.
E enquanto isto for assim não há nada a fazer a não ser que ser queira utilizar o cano da G-3 para uma função que não é suposto ter.
Outra atoarda que fere a cavidade auricular é a de que se gasta 80 ou 90% (ou o que for), em pessoal. Este argumento é imbecil de todo, já que facilmente se percebe que até se podia gastar 100% em pessoal…[1] Basta que o Governo apenas contemple o orçamento com as verbas necessárias para tal, que é o que tem sido a tendência verificada.
Mais uma vez, enviar estas “mensagens” para o éter, nada explica e esconde desígnios menos honestos!
Outra cretinice esférica (mas insidiosa),que corre na “Net” e em conversas de café é o suposto rácio entre efectivos e oficiais generais (e agora, também, os superiores) – chega-se a publicar os números existentes, mesmo que aproximados, e dizer que está tudo invertido, defendendo uma pirâmide do tipo “um tenente general, dois majores generais, quatro coronéis seis tenentes-coronéis”, e por aí abaixo (quanto aos sargentos a coisa ainda é mais nebulosa). Neste âmbito entra-se mesmo no campo da burrice pura.
Para além de não lhes ocorrer questionar se há generais a mais ou soldados a menos; qual o equilíbrio dos quadros orgânicos relativamente ao fluxo de promoções – sem o que não se consegue dar uma carreira e experiência a ninguém; o facto de não se dever tratar mal pessoas que entraram para uma instituição onde está previsto ficar 20/30 ou mais anos, que “monopoliza” os seus servidores – eles não podem mudar de “empresa”, nem emigrar – e depois quando “estão a mais”, cuspi-los fora (fuzilá-los seria um método expedito para resolver o problema); etc., ainda devem viver no tempo dos Romanos…
No Exército Romano as coisas eram simples (apesar de complexas para a época): um Decurião mandava em 10 legionários; um Centurião comandava 10 Decúrias; 10 Centúrias formavam uma Coorte e várias Coortes constituíam uma Legião. Á frente da legião estava um general.
As diferentes “armas” reuniam a Infantaria (ligeira e pesada), Cavalaria, Artilharia (engenhos piro-balísticos) e, até, Engenharia (pontes, estradas e fortificações). E havia ainda a Intendência, que já era complicada. O Estado-Maior só foi inventado por Napoleão…
Convenhamos que as coisas, hoje em dia, são bem mais complicadas e estão longe de serem feitas na base “10”!
O aumento da tecnologia, da sofisticação, a complexidade das tácticas e da logística, etc., mudou profundamente a composição das unidades, a diferenciação dos postos e especialidades, o treino, “and so on”.
Uma tripulação de um P-3, por ex., é de 11 elementos; não há lá um major, um capitão, dois subalternos, quatro sargentos e três cabos! Na manutenção de qualquer aeronave não existem soldados, a maioria são sargentos e entre estes a distribuição obedece a equilíbrios vários; num navio da Armada aplica-se a mesma lógica.
Até no Exército esta é a realidade que se tem imposto, pois o grau de avanço tecnológico, a letalidade das armas, a diversidade de equipamentos, torna cada militar num especialista. Mas as coisas no Exército nunca se podem comparar aos outros Ramos, pois necessitam de um maior número de efectivos, dado que as unidades de combate básicas continuam a ser a companhia, o batalhão e a brigada e este tipo de unidades precisam de se poder apoiar mutuamente e têm que ocupar o terreno e, ao mesmo tempo, manobrar. Ainda não se consegue fazer isto com meia dúzia de indivíduos…
Além disso as necessidades de treino e logísticas e de apoio dispararam, exigindo muito mais pessoal na retaguarda e no apoio ao teatro de operações. Mas o que é que o agora “analista político” saberá disto?
E que dizer de um órgão de Estado-Maior? Também se vai usar a “lógica” de ter um coronel, dois Tenentes-coronéis, três Majores e quatro capitães? Toda a gente sabe que as coisas não se passam assim. E, por outro lado, é preciso ter a noção que por via das organizações internacionais de defesa em que participamos e da Cooperação Técnico-Militar, o número de oficiais e sargentos (até de generais), necessários para ocuparem funções, disparou.
Também se torna necessário explicar a MM e, infelizmente, não só a ele, que em termos militares prefere a eficácia e não a eficiência, mas isso terei que deixar para outras núpcias.
Uma última coisa: para se ter algo a funcionar, para garantir uma capacidade, é necessário ter um número de pessoas a ela alocadas, sob pena dessa capacidade não existir. E isto é tanto válido para Portugal que tem 10.5 milhões de habitantes, como para os EUA que têm 300. Dá para entender?
Por isso caro Dr. MM quando falar em números ou em estatísticas convém ter alguma noção do que fala e de como interpretar as figuras. Já agora, tem alguma explicação para o facto de os Ramos estarem escalavrados de pessoal e o MDN inchar de civis?
E já se perguntou porque é que os sucessivos governos têm porfiado em substituir os militares em todas as funções que estes desempenhavam (e bem) fora das fileiras (Serviços de Informação, Protecção Civil, algumas EPs, Cruz Vermelha, etc. – e tudo leva a crer que querem reduzir mais – por pessoal com cartão partidário? Funções estas que também serviam como almofada reguladora de distorções na área de pessoal, e “saídas” por cima, além de fornecerem ao Estado bons profissionais a custo zero? (Por não ser necessário contratar mais ninguém).
Os senhores da política só têm tratado de negócios e assuntos partidários e agora queixam-se de quê?
Não acha que o que Portugal tem a mais são políticos (três governos – Continente e ilhas – 333 deputados, 308 camaras, 4259 freguesias, cerca de 1800 vereadores, uma corte assinalável de assessores em Belém, etc. – quer que continue?), por mil habitantes? Relativamente à Alemanha, por ex., tinham que reduzir o Parlamento para metade!
E para além de políticos o que parece haver a mais, no país são comentadores…
Lamentavelmente os militares não têm tido o querer e o saber para se defenderem, mas como diz o povo “não há bem que não se acabe nem mal que sempre dure”.
Não sei se o Dr. Aguiar Branco já trocou o jogo da “canasta” típico das “tias” da Foz do Douro, pela mais proletária “sueca” que há muito se jogava no município de Oeiras, onde um colega seu também se terá iniciado nos tristemente célebres três “R” (reduzir, reduzir e reduzir).
Será que é entre um “ás de copas” e um “corto” que se delineiam os cortes na tropa?
Já me esquecia, também creio que há polícias a mais: já reparou quantos é necessário arregimentar só para guardar as costas a todos os políticos que a tal têm direito?
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
Sem comentários:
Enviar um comentário