O “GOLPE DE MÃO” QUE PODERIA TER ACABADO COM A GUERRA NA GUINÉ
22/11/20
“Porque não foi também condecorado o capitão-
de - fragata Guilherme de Alpoim Calvão? A razão é
simples, o capitão – de – fragata Alpoim Calvão, de-
signado para assumir o comando do desembarque,
foi abatido em Conakry, na noite se 22 para 23 de
Novembro, logo no início dos combates, quando se
dirigia o assalto à sede do PAIGC. Lembramos, aliás,
que o comando supremo da operação, instalado nos
navios que ficaram ao largo de Conakry, possível –
mente o comodoro Costa e Silva à cabeça, deu ime –
diatamente ordem através de walkie-talkies para
que o corpo do capitão Calvão fosse, a todo o custo,
retirado para os navios. O registo desta conversação
radiofónica, gravada pelos serviços do PAIGC, foi a-
presentado e reconhecido como prova à comissão
de Rádio Portugal Livre informou também. Estes
são os factos. Eles são elementos irrefutáveis para a
história da vergonhosa invasão da República da
Guiné”.
Rádio Portugal Livre, emissão de 23 de Janeiro de 1971.1
Voz camarada e amiga lembrou-me que hoje perfaziam 50 anos que as Forças
Armadas Portuguesas (FA) efectuaram um “raid” sobre Conakri, capital da República da Guiné
Por este comunicado eivado de mentiras, se pode ver como era objectiva e “patriótica” a actuação da
dita “Oposição Democrática” e “Comunista”, durante as últimas campanhas de soberania travadas entre
1961 e 74, em África...
Em 10 de Dezembro de 1970, a Comissão de Reorganização da Frente Patriótica de Libertação Nacional
(também conhecida por “Bando de Argel”), a que aquela rádio pertencia, tinha feito um comunicado
soez, intitulado “Provas Irrefutáveis da agressão do colonialismo português à República Democrática da
Guiné.
– com aquele termo apenso, presumo para se diferenciar da Guiné Portuguesa mais tarde
Guiné – Bissau. Como o tempo voa!
Eram cerca da 01:40 da madrugada de um domingo (22/11/70), quando as primeiras tropas
do Exército e da Marinha (cerca de 300 homens) (a Força Aérea estava de alerta para
apoiar/retaliar, se necessário e atacar 19 objectivos no dia seguinte), a maioria constituída por
militares do recrutamento da então Província, desembarcaram na capital da ex- colónia
francesa, cujo território e governo eram a principal base de apoio do PAIGC – Partido para a
Independência da Guiné e Cabo Verde – organização política que combatia a presença política
de Portugal em África e pretendia negar a condição de portugueses, aos habitantes dos dois
territórios.
Esta operação militar, que foi a mais audaciosa em todo o conflito que enfrentámos em três
teatros de operações distintos e, eventualmente, desde que Afonso Henriques individualizou o
Condado, tinha um objectivo principal e vários secundários.
O objectivo primeiro era o de eliminar o Presidente Sekou Touré, o sanguinário ditador
comunista que dominava com mão de ferro, a população do território, e substituí-lo e aos seus
sequazes no Poder, por elementos da oposição, a FNLG, conhecida por “FRONT”. Para tal
treinámos e equipámos cerca de 200 elementos dessa organização na ilha de Soga, no
Arquipélago dos Bijagós, transportando-os para Conakri na data da operação, a fim de
cumprirem as suas tarefas.
Para o bom sucesso do golpe entendeu-se necessário destruir os aviões Mig 17, da Força
Aérea da Guiné - Conakry, que se pensava estarem estacionadas no aeroporto da cidade e a
ocupação da estação rádio local (bem como a destruição da central eléctrica, o que sucedeu).
Atacaram-se também com sucesso duas ou três unidades do Exército e da “Gendarmerie”.
Atacou-se ainda o Quartel- General do PAIGC que foi destruído, e mortos alguns elementos.
Amílcar Cabral, que também era visado, estava ausente da cidade, informação que se
desconhecia.
Cumulativamente pretendia-se destruir as sete lanchas rápidas da classe “Komar”,
fornecidas pela URSS, e que constituíam uma forte ameaça para as nossas forças e, ainda,
libertar os 26 militares portugueses que estavam prisioneiros do PAIGC, entre os quais se
encontrava o sargento António Lobato, que espiava tal pena (apesar de ter tentado fugir duas
vezes) há sete anos e meio. E que ainda não fora libertado – apesar de para tal ter sido
“subornado”- por se ter mantido fiel ao Juramento de Bandeira, que todos os militares
portugueses naturalmente faziam.
O principal objectivo da operação, que foi preparada no maior sigilo, durante meses, falhou,
pois o grupo de combate do 2o tenente Benjamim Abreu, destruiu a residência de Sekou Touré
e tudo o que mexia, mas este não se encontrava lá, adiando-se assim a justiça divina.
O mesmo já não aconteceu a umas poucas centenas de elementos da sua Guarda pessoal
que foram despachados directamente para o inferno.
O que correu pior foi a deserção de um pelotão de comandos africanos por acção, do
tenente Januário (que tinha um irmão no PAIGC e não concordara com a acção; um assunto
ainda não completamente esclarecido). Este grupo ficou em Conakri e acabou fuzilado
sumariamente.
O comandante do Grupo de combate, em que estava incluído o tenente Januário, capitão
paraquedista Lopes Morais, prosseguiu com os efectivos que lhe restavam, para o aeroporto
só para constatar que os “MIGs” não estavam lá, tendo sido removidos uns dias antes para
uma base a norte; seguiu para o local da recolha e reembarcou.
O terceiro objectivo que não foi alcançado e tal também comprometeu a jornada, foi a
tomada da rádio. O comandante do pelotão para lá destacado, tenente Jamanca, homem que
já tinha mostrado o seu valor em combate, não conseguiu por razões várias cumprir a missão
que lhe tinha sido confiada e a rádio continuou a emitir.
O destacamento encarregue de destruir as lanchas rápidas, comandado pelo 2o tenente
Rebordão de Brito, cumpriu o seu objectivo: todas as lanchas foram destruídas com uma
quantidade generosa de granadas e cerca de 15 a 20 elementos das guarnições presentes
foram abatidos.
Finalmente a prisão onde se encontravam os prisioneiros portugueses foi assaltada e
tomada, libertos todos os militares que lá estavam e postos rapidamente a salvo.
Com o nascer do sol a força portuguesa, que era transportada em duas lanchas de
desembarque grande (LDG) e quatro lanchas de fiscalização grande (LFG), levantou ferro, rumo
a Bissau. A celeridade com que o fez teve a ver, principalmente, com a possível ameaça aérea
que os MIG podiam representar.
Os elementos do “FRONT” ficaram em terra, mas não conseguiram os apoios com que
contavam e acabaram presos e mortos.
Se tal não tivesse acontecido a guerra na Guiné tinha grandes hipóteses de acelerar a
vitória portuguesa, pois tal iria limitar grandemente a capacidade do PAIGC em prosseguir a
luta, até porque o Senegal de Senghor nunca foi verdadeiramente inimigo dos portugueses.
Tinha era que ceder nas aparências e fazer em parte o jogo da OUA e da gritaria do bloco afro-
asiático (comunista) da ONU, contra Portugal.
A não concretização do principal objectivo fez o Governo de Lisboa sofrer vários ataques
políticos e diplomáticos, nada a que já não estivesse habituado, mas fez a URSS ganhar uma
base naval em Conakry, o que seguramente não foi do agrado da NATO.
A principal razão da falta de êxito nalguns dos objectivos prende-se com deficiências nos
serviços de informações, um calcanhar de Aquiles recorrente na nossa organização militar. De
facto os meios e organização/articulação, dos meios militares e da PIDE/DGS, eram muito
limitados.
Calcula-se que tenham sido causados cerca de 500 mortos nas forças de Sekou Touré,
havendo a lamentar dois mortos, dois feridos graves e dois ligeiros, nas forças nacionais, além
da perda dos homens que acompanharam o tenente Januário, um revês duro de digerir.
Mas só pela libertação dos 28 compatriotas prisioneiros, a “Mar Verde” (assim se chamou a
operação), preparada e comandada pelo então Capitão Tenente Alpoim Calvão – um militar
português da fibra de um Duarte Pacheco Pereira – já valeu a pena e se justificou. Sobretudo
pela recuperação do Sargento Piloto Lobato, um verdadeiro herói nacional, ainda hoje não
devidamente reconhecido como tal. O que é lamentável.
Algumas mentes envilecidas, defendem que a operação deve ser considerada, á luz do
Direito Internacional, como ilegal. Estão enganados (porque lhes interessa...): a operação foi
clandestina mas não ilegal, pois representa um acto de legítima defesa, perante um governo
que apoiava deliberadamente, quem nos atacava as tropas; violava a fronteira e maltratava as
populações que viviam debaixo da bandeira portuguesa, há já vários séculos.
Caramba, como gostaria de ter participado nesta operação!
Glória aos militares portugueses que, em todos os tempos souberam cumprir a sua missão
de combatentes de armas na mão!
Abaixo os poltrões.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
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