segunda-feira, 12 de novembro de 2012

M554 - COMANDO Amadú Bailo Djaló. Nascido em 10 de Novembro de 1940, em Bafatá, na Guiné.

HOMENAGEM A UM HERÓI DE PORTUGAL
COMANDOS Virgínio Briote e Amadú Djaló, e RANGER MR 

Amadú Bailo Djaló, foi um COMANDO de elite português, COMBATENTE POR PORTUGAL, nascido em 10 de Novembro de 1940, em Bafatá, na Guiné. 

Para os mais jovens: os COMANDOS africanos da Guiné, eram nativos locais chamados por Portugal, a prestar Serviço Militar Obrigatório no Exército Português, tal como todos os demais portugueses. A recusa ou fuga à chamada era punida com prisão, tal como todos os demais portugueses que o fizessem.

Segue-se a alocução sempre actual do Sr. Coronel Manuel Bernardo, proferida no lançamento do livro da autoria de Amadú Djaló, no passado dia 15 de Abril de 2010. 


“Guineense, Comando, Português; Comandos Africanos 1964-1974”; 1.º vol.



Cumprimentos

- Dr. Lobo do Amaral

- Cor. “Cmd” Raul Folques

- Dr. Nuno Rogeiro
- O autor Amadú Djaló
- Cmd Virgínio Briote
- Todos os presentes…

Não tenho os dotes oratórios dos camaradas e amigos que me antecederam e muito menos dos do professor e ilustre comentador da SIC, que é o Dr. Nuno Rogeiro, pelo que vou limitar-me a ler um texto que elaborei para esta ocasião.

Agradeço o amável e honroso convite que me foi formulado pelo Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, com quem já colaborara na edição de um outro livro sobre o 25 de Novembro e também incluído nesta colecção Mama Sume, da Associação de Comandos.

Para quem não me conhece e não compreende a minha presença neste acto solene de apresentação do livro do Alferes graduado Amadú Djaló, adiantarei que me envolvi com a Guiné e com os guineenses, quando fui solicitado por um grande amigo e camarada do meu Curso de Infantaria, o Coronel José Pais, pouco tempo antes de falecer, para que eu denunciasse os crimes contra a humanidade praticados na Guiné, no pós-independência, contra os seus militares, e outros, que incluía os designados “comandos africanos”.

Apesar de nunca me ter deslocado a este território, fiz questão de cumprir a promessa feita.

Assim, nesse sentido, em 2007 publiquei o livro “Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros; Guiné 1970-1980”, onde, além dos 53 “comandos africanos”, na grande maioria oficiais e sargentos, identifiquei 182 elementos, que igualmente foram fuzilados clandestinamente pelas autoridades guineenses, depois de serem detidos, sem ser oficialmente formulada qualquer acusação.

Nesta cerca de duas centenas de vítimas estão incluídos 34 militares do Exército, 14 fuzileiros especiais e 14 milícias, além de vários régulos e cipaios.

Quero lembrar aos presentes que os nomes daqueles 53 “comandos” africanos mandados fuzilar clandestinamente pelo PAIGC, se encontram desde Novembro do ano passado inscritos nas

paredes do Memorial dos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, depois de uma porfiada campanha nesse sentido feita pela Associação de Comandos.

Pena foi que nesse acto não tivessem tomado a posição de esclarecer as pessoas e nomeadamente os combatentes dessa vergonhosa afronta e dos crimes praticados e consubstanciados nesse tipo de actuação.

Questões prévias:

Antes de me debruçar sobre este livro do Amadú Djaló, permitam-me que, aproveitando estar junto de tantos militares e amigos, tente esclarecer dois assuntos, que foram referidos em livros publicados recentemente.

O primeiro tem a ver com a crítica feita pelo meu amigo Cor. Brandão Ferreira, no seu último livro (Em Nome da Pátria) em relação à maneira como deviam ter sido solucionadas as guerras subversivas que enfrentávamos em Angola, Guiné e Moçambique.

Ele não concorda com o princípio, que eu defendo, de que “a solução para este tipo de guerra deve ser política, através de negociações para a paz, e de preferência em posição de força.”

Julgo que, genericamente, o princípio deverá ser este. Recordo ter sido o utilizado pelo General De Gaulle, na Argélia… E lembrava igualmente ter ocorrido, em 1972, a última oportunidade perdida pelo anterior regime de iniciar um processo negocial na Guiné, como foi proposto a Lisboa pelo então General António de Spínola, na sequência de um encontro com o Presidente do Senegal, Leopold Senghor.

O segundo diz respeito a uma referência errada à minha actuação antes e pós 25 de Abril, em relação ao falecido Marechal Spínola, feita pelo Professor Luís Nuno Rodrigues, na biografia deste oficial, publicada recentemente e lançado na semana passada, em Lisboa.

Afirma o referido autor, com base na transcrição de um livro meu (“Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975”) em relação a um passo significativo para a reintegração de Spínola na sociedade portuguesa, o seguinte:

“(…) Os “fiéis” de sempre voltam a cerrar fileiras em torno do Velho. Em 1977, um grupo de oficiais, entre os quais Manuel Monge. Manuel Amaro Bernardo e Caçorino Dias, solicitaram ao CEME, General Rocha Vieira, que resolvesse a sua situação remuneratória (…). Meses depois, a 27-2-1978, Spínola foi finalmente reintegrado nas FA (…).”

Daquilo que conheço apenas o Manuel Monge poderá ser considerado um “fiel de sempre”, pois o Caçorino Dias apenas o terá conhecido em 1973, numa visita à Guiné, a propósito da contestação desencadeada ao Congresso de Combatentes e eu nunca o tinha visto, contactado ou trabalhado com ele até essa altura (1977). Apenas tive ocasião de lhe falar pela primeira vez, quando pedi uma entrevista, em 1993, para um trabalho universitário, depois publicado no livro “Marcello e Spínola; a Ruptura (…)”.

E dos cinco oficiais, onde eu me incluo e que tomaram essa atitude de solidariedade castrense, os dois não transcritos do meu texto – os então Major José Pais e Capitão Ribeiro da Fonseca, poder-se-iam considerar muito mais ligados ao Marechal desde os tempos da Guiné, onde prestaram serviço e comandaram companhias em operações.

Lembro ainda que imediatamente antes dessa afirmação, no livro “Memórias da Revolução (…)”, eu frisava que apenas tinha conhecido António de Spínola depois de ele regressar do exílio, pós-11 de Março de 1975.

Mas eu já estou habituado que façam más transcrições dos meus livros, como aconteceu, com o Dr. Almeida Santos, para o seu “Quase Memórias”. Mas terão sempre que me ouvir em relação aos erros cometidos…, pois estou no meu direito de tentar restabelecer a verdade dos factos.

Um grande “comando” guineense”

Entrando na análise desta obra, começaria por dizer que o seu autor foi um militar perseverante e distinto, que percorreu as funções das três classes atribuídas aos combatentes: praça (soldado e cabo), sargento e oficial, ao longo dos 11 anos que durou a guerra na Guiné.

Amadú Djaló, com o Curso de Comandos, que frequentou em 1964, seria transformado de um jovem comerciante independente, na vida civil, num grande combatente.

Para tudo na vida é preciso ter sorte e ele teve-a com os militares que foram seus instrutores e, depois, com o Alferes Maurício Saraiva, comandante do seu grupo (Os Fantasmas) e que foi considerado como um dos melhores combatentes da Guerra do Ultramar.

A este propósito lembro que os instrutores e monitores deste Curso de Comandos foram militares muito valentes, quer na Guiné, quer nos outros teatros de operações. 

Quatro deles viriam a ser galardoados com a mais alta condecoração, a Ordem Militar da Torre Espada, do Valor Lealdade e Mérito, em 1969/70: Tenente Jaime Abreu Cardoso, 2.º Sargento Ferreira Gaspar, 2.º Sargento Marcelino da Mata e Capitão Maurício Saraiva. Dos restantes, sete seriam condecorados com a Cruz de Guerra (alguns com mais que uma).

Aliás, durante a guerra da Guiné, e por feitos praticados em operações foram condecorados com a Torre Espada mais quatro oficiais dos comandos: Major Almeida Bruno, Capitão Ribeiro da Fonseca, e os guineenses Cherne Sissé e João Bacar Jaló . Pena foi que o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, o Coronel Raul Folques (aqui presente e também na capa deste livro), que já se distinguira em Angola e condecorado com uma terceira Cruz de Guerra em 1973, não tivesse merecido da hierarquia militar a ambicionada Torre Espada.

Quanto ao conteúdo da obra poder-se-á dizer que se trata de uma história triste, contada na primeira pessoa ao logo destas 300 páginas, como tristes e dramáticas serão todas as histórias de guerra.

Nela se descrevem as acções onde as nossas tropas sofrem feridos e mortes de camaradas, que com eles conviviam no dia a dia. Essas são marcas que ficarão para sempre na nossa memória.

O autor fez bem em salientar, em anexo, os nomes de todos eles.

Na fase inicial de combate, no “Grupo Fantasmas” do então Alferes Maurício Saraiva já se nota, muitas vezes, uma mistura dos guerrilheiros com as populações, por conivência ou ameaças sobre elas, o que dificulta a actuação, sem os designados danos colaterais.

No entanto, o bom senso e a experiência do Amadú foram factores importantes para o bom andamento das operações. A sua actividade nos “comandos” manteve-se após a saída deste oficial, com a sua integração no “Grupo Centuriões” do Alferes Luís Rainha.

Após a intensa actividade operacional entre 1964 e 1966, nesses grupos de “comandos”, Amadú sentiu a necessidade de descansar para “recarregar as baterias”, voltando à sua condição de condutor. Assim, durante três anos passou pela CCS/QG e por vários batalhões: o BCav 757, o BCaç 1877, o BCav 1905 e BCaç 2856, que estiveram sedeados em Bafatá.

Com a ordem de regressar aos “comandos” em 1969, com vista à formação da 1.ª CCmds Af., Amadú, tal como os seus antigos camaradas Braima Bá e Tomás Camará, regressou às lides operacionais, agora (1970) sob a liderança do Tenente João Bacar Jaló, um figura mítica e muito considerada pelas gentes da Guiné.

Mas, antes ainda teve que frequentar um curso acelerado com o então Capitão “Comando” Barbosa Henriques, um militar que, depois do 25 de Abril, prestaria serviço comigo no Tribunal Militar.

Recordo a manifestação sentida dos “comandos” guineenses  residentes na área da grande Lisboa, com os seus trajes típicos maometanos, no dia do seu funeral, há alguns anos, no cemitério do Alto de S. João. Despediram-se do seu amigo com o habitual grito “Mama Sume”

Grandes operações nos países vizinhos.

Além das mais variadas operações feitas em todo o território e nomeadamente nas matas de Morés ou da Cobaiana, saliento as duas efectuadas em território estrangeiro.

A “Mar Verde”, na Guiné-Conackry, em Novembro de 1970, em que previamente surgiram dúvidas nos elementos da 1.ª CCmds Af. sobre a sua participação naquelas condições e onde actuaram juntamente com elementos dissidentes daquele país.

Os principais objectivos acabariam por não ser conseguidos, devido a falhas dos serviços de informações em relação à localização dos aviões e do presidente Sékou Turé, mas ocorreu o notável feito da libertação de 26 portugueses, que o PAIGC mantinha em prisões na capital do país.

Nesta operação a companhia de Comandos teve uma baixa de peso, pois o Tenente Januário Lopes desertou e entregou-se com o seu grupo de 24 homens. Esta não é porém a versão de Marcelino da Mata, com acção de comando importante à frente do seu grupo, após a morte do alferes na fase inicial, e que diz terem-nos deixado para trás por falta de coragem em os ir lá buscar na retirada.

O facto é que nas declarações à comissão da ONU, dias depois, Januário afirmou ter de facto desertado e acabaria por ser fuzilado com os seus homens no mês seguinte.

Amadú aquando dos preparativos para esta operação afirma no livro:

“(…) A nós, o PAIGC não nos poupava. Que me lembre não me recordo ver alguns dos nossos matar os feridos. Nem deixávamos nenhum ferido do PAIGC na terra de ninguém. Se estivesse ferido, pedíamos a evacuação para o Hospital Militar. Certamente que alguns de nós, brancos ou negros não se comportavam assim tão dignamente, mas não eram a maioria. E se fossemos apanhados pela tropa do Sékou Turé, de certeza que não haveria nenhum sobrevivente. (…)

A segunda, a operação “Ametista Real” foi realizada em Maio de 1973, à base de Cumbamori, no Senegal, em que seria empenhado todo o Batalhão de Comandos Africano, sob o comando do então Major Almeida Bruno.

O objectivo, desta vez, foi conseguido, pois levou à destruição dos depósitos de armas e munições e numerosas baixas no PAIGC, tal como seria parado, pouco tempo depois, o cerco a Guidage, que já durava havia três semanas.

O Batalhão de Comandos também sofreu bastantes baixas e a retirada do Senegal para o território da Guiné foi deveras penosa e feita com grandes dificuldades. Seria mais uma vez a grande experiência do Amadú e o apoio eficiente dado pelos aviões da Força Aérea a resolver a situação no final da operação. O autor descreve o sucedido, nas pag. 253 e 254:

“(…) Continuámos a retirar em direcção à fronteira. Não podíamos forçar muito, porque o Jamanca (tenente e comandante da companhia) só podia andar com o apoio de alguém e o Capitão Folques, com a perna ferida também tinha muita dificuldade em andar e estávamos ainda longe de Guidage.

“Pedimos apoio á aviação, mas recusaram. Que estavam a voar muito alto e era difícil localizarem-nos. (…) Perguntei ao soldado que transportava o morteiro se tinha alguma granada de fumo. (…) O Capitão Folques transmitiu para os aviões (…).

Disparei com o morteiro para sinalizar o local a partir do qual os aviões podiam bombardear.

“Uma grande bola branca de fumo já tinham visto dos aviões, ouvimo-los dizer. A partir deste momento, o Capitão Folques disse sueste do fumo, a sul, a sudoeste e a oeste, arrasar tudo, tudo!

(…) Essa granada de fumo ajudou-nos muito. (…)

“Chegámos junto do arame farpado de Guidage entre as 18 e as 19H00, mortos de sede e fome. Em Guidage não havia nada para comer. Nem medicamentos. (…)

Como se vê, foram tempos dramáticos e de grande sofrimento os passados nessa altura… E pelas transcrições feitas julgo que ficarão de algum modo elucidados sobre o conteúdo desta obra.

Antes de terminar apenas quero fazer duas pequenas observações.

A primeira em relação ao editor, por na contra-capa não ter colocado outra fotografia do autor, em que no fundo estivessem nomes de guineenses (talvez os fuzilados e colocados recentemente no Memorial do Bom Sucesso) e não os que se encontram nessa foto.

A segunda por o autor não fazer qualquer referência à actuação do Marcelino da Mata naquelas grandes operações, atrás referidas, onde ele teve desempenho brilhante e relevante.

Lembro ainda o facto de ele ter sido o militar mais condecorado do Exército Português em toda a Guerra do Ultramar. Mas o Amadú Djaló, na pág. 243 do livro, esclarece a sua atitude em relação a este oficial:

“O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar. “

A terminar, quero elogiar o autor por esta significativa e importante obra hoje foi aqui lançada e que acabou por ser publicada mercê da sua persistência de vários anos.

De assinalar igualmente o trabalho meritório do “Comando” Virgínio Briote, que contribuiu bastante para a execução deste projecto, tal como na sua eficiente divulgação.

Elogio igualmente o editor, Dr. Lobo do Amaral, Presidente da Associação de Comandos, por numa altura de crise geral e editorial, nomeadamente em relação aos livros de ensaio ou memórias, se ter abalançado na sua publicação.

Muitas felicidades para os três, para o Coronel Raul Folques e para o Dr. Nuno Rogeiro, assim como para todos os presentes.

Muito Obrigado!
Manuel Bernardo
Lisboa, 15-4-2010 


Publicado em:  
http://ultramar.terraweb.biz/06livros_AmaduBailoDjalo.htm 

Mais pormenores em blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné:

Guiné 63/74 - P6289: (Ex)citações (69): Antes procuravam-me, depois evitavam-me e a seguir chamavam-me cão e eu tinha... que aplaudir (Amadú Djaló) 

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