terça-feira, 22 de maio de 2012

M459 - Reencontro de velhos RANGERS do 1º Curso de 1973, por José Saúde



Reencontro de dois “velhos” rangers, 1º curso 73

Recordando a “largada”

 

Foi o dissipar de fontes, físicas e ortodoxas, que nos conduziram a desbravar um mundo que nos proporcionou fomentar uma amizade construída nos Rangers, em Lamego, e que se prolongou por terras da Guiné e… na vida, claro. É certo que o tempo se encarregou de caminharmos em azimutes diferentes. Foram 38 anos de silêncio. Ele, o Rui Fernandes Álvares, bem a norte, em Carvalhelhos, concelho de Boticas, e eu, José Saúde, a sul, em Beja. Todavia, ficaram imagens, e espaços, inesquecíveis que ousámos, agora, desencantar.

 

Encontrámo-nos num almoço, em Pombal no pretérito dia 12 de Maio, organizado pela 2ª Companhia que esteve em Cabuca, Guiné – 1973/74 -, sendo certo que convite se estendeu ao pessoal do BART 6523, cujo comando se localizava em Nova Lamego.

 

É óbvio que o nosso reencontro teve como aperitivo a nossa passagem por Lamego. Dissecámos os pormenores da especialidade, das diversas operações feitas, a bala real, a serra das Meadas, a dureza deparada quer a nível físico quer mental, a imprevisão do momento, o bom dia a Lamego às 7 da manhã, em tronco nu, ou de camisola ranger, com a neve a cair, enfim, um rol de condições geridas que fizeram de todos nós uns verdadeiros RANGERS.

 

Janeiro de 1973 ficou bem gravado nas nossas memórias. Chegámos a Penude no dia 4, creio. E foi justamente neste deambular de recordações que trouxemos à tona recordações que o tempo jamais esquecerá. 
 
A “largada” foi uma temática vivamente recordada. Tínhamos escassas 24 horas de Lamego. Ao longo desse dia deparámo-nos com diversas tropelias. O silêncio da noite bem como a baixa temperatura apresentava-se, por isso, convidativo para um pernoitar deveras ansiado. Enrolados nos lençóis e com uma manta para melhor agasalhar os nossos corpos, os candidatos a rangers construíam então castelos de areia nas… nuvens. Imaginavam dificuldades, por certo. Perto da meia noite soou o toque a rebate. As luzes exteriores do aquartelamento estavam apagadas. O pessoal, em passo de corrida, seguiu uma via de sentido único: o refeitório. Começou a acção psicológica e toca a malhar na mente da jovem rapaziada.

 

Já “marados”, meio zonzos, e com a cabeça completamente às voltas, os instruendos, ao ouvirem os seus nomes, seguiam, isoladamente, o comando das vozes dos superiores hierárquicos a caminho de um exterior onde os desafios ditavam fins imprevisíveis. Veio o descartar de eventuais bens pessoais, seguiu-se mais uma palestra, depois o vendar de olhos, o atar de mãos atrás das costas e, finalmente, o caminhar para uma viatura que nos conduziu para um lugar ermo, bem longe do quartel, deixando-nos entregues à sorte, ficando o aviso que a finalidade passava, forçosamente, por chegarmos a Penude, a corta-mato, sempre a pé, sem sermos detectados e apresentarmo-nos depois ao oficial de dia. 
 

Recordámos, eu e o Rui, que ficámos, na altura, a cerca de 40 kms de Lamego, lá para as bandas de Moimenta da Beira, se a memória não nos falhou. 

Reavivámos as lembranças de uma noite onde cruzámos vales e montes, ouvimos o uivar dos lobos, um frio que não dava tréguas, a neve e o gelo a obrigarem os nossos corpos a um pedido de ajuda a alguém desconhecido, não obstante a hora adiantada de uma madrugada sem sono.

 

Deparámo-nos de imediato com gentes bondosas que literalmente nos abriram as suas portas e nos abrigaram da tempestuosidade de uma noite inesquecível. Sobre as mesas pairavam broas, vinho, presunto, aguardente, fruta e café, entre outros petiscos que aconchegaram os nossos ventres vazios. Gentes conhecedoras do sistema e que nunca recusavam uma pronta ajuda a um futuro ranger desenquadrado com o meio que então o rodeava. De Lamego guardo, melhor, guardamos recordações onde a disponibilidade dos residentes muito nos ajudou.

 

No património herdado em Lamego, e que nos tornou verdadeiros rangers, resta enaltecer a disponibilidade das gentes anfitriãs ao longo do curso, ficando porém a certeza que a “largada” foi a primeira prova real da sua feliz amabilidade. 

 

RANGER, SEMPRE!

Um abraço, camaradas
José Saúde

Foto e texto: © José Saúde (2012). Direitos reservados.
Mini-guião: © Colecção privada de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados.

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