sábado, 4 de agosto de 2012

M526 - Noções sobre Minas e Armadilhas - Parte 1, por Carlos Nabeiro


Noções sobre Minas e Armadilhas - Parte 1

por Carlos Nabeiro 

1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842 

Vila Gamito - Moçambique - 1967/70 

Da autoria do nosso Amigo Carlos Nabeiro, aqui apresentado na mensagem M504, 1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842, Vila Gamito, Moçambique, 1967/70, recorrendo às suas memórias do tempo da Guerra do Ultramar, enviou-nos mais uma mensagem e alguns esboços sobre uma matéria daquele tempo, que, infelizmente, é ainda hoje uma triste e dramática realidade - as minas -, que passamos a publicar: 

Não sou um perito nesta matéria, mas vou tentar estabelecer alguns termos de comparação, entre a forma, tipo e efeitos destes "sujos" artefactos explosivos, sem recorrer a muitos pormenores, visto que a minha especialidade não foi minas e armadilhas, ou sapador. 

Assim, vou apenas escrever sobre o que vi e aprendi na "minha" zona operacional (ZO) sobre este grande flagelo. 

Os dois tipos de minas eram destinados a tornar inoperacionais viaturas (anti-carro ou A/C), ou a estropiar seres humanos (anti-pessoal ou A/P). 

Esta praga, era também designada, erradamente, por “Fornilhos”, cuja classe incluía outro tipo de armadilhas explosivas. 

Este tipo era montado nas estradas e picadas, em buracos efectuados no subsolo, onde eram colocados engenhos explosivos e todas a classes de munições, geralmente já obsoletos, que serviam, uns como explosivos, outros como estilhaços. 

Com estas últimas, fomos muitas vezes castigados, a montagem era fácil pois bastava um detonador, que podia ser uma granada de mão defensiva, que era despoletada através do arranque da golpilha de segurança, dando-se a detonação, ou por petardos de TNT com detonador, previamente preparados para rebentar ao serem pressionados. 

A nossa companhia nunca "levantou" nem "accionou" nenhuma, das minas clássicas que nos mostraram no tempo dos nossos cursos militares de então e eram fabricadas na indústria de material de guerra. 

Já quanto aos Fornilhos, todos eles como é óbvio de fabrico artesanal, tão letais como um engenho vindo da fábrica, eram de muito difícil detecção, mesmo recorrendo à preciosa ajuda de um detector de metais. 

Os Fornilhos, são classificados, a par com as minas, eram entre todas as classes de armas e engenhos bélicos, o mais "sujo" de todos. 

Escondidos traiçoeiramente no subsolo, como foi já dito, ao contrário da minas anti-carro, que geralmente tinham a regulação dos seus detonadores para actuarem com algumas centenas de quilos, um Fornilho causava muitos danos, quase sempre irreparáveis. 

Para detonarem eram autónomos, ao contrário do que vem nos manuais, não eram accionados por alguém escondido á distância, que ao ver passar uma coluna os fazia explodir, no momento que mais lhe aprouvesse de modo a causarem maiores danos, quer materiais, quer pessoais. 

Estes tanto destruíam uma viatura de grande porte – por exemplo uma Berliet -, como pulverizavam um ou mais homens que estivessem nas proximidades. 

Os detonadores destes explosivos/artefactos, eram de dois tipos: eléctricos ou de compressão, com uma sensibilidade enorme. 

Eram vulgares os Fornilhos por activação eléctrica, cujo rudimentar mas engenhoso "interruptor", actuava com uma pressão que rondasse os vinte quilos, e por vezes menos, fazendo deflagrar sete a dez quilos de petardos de TNT, contidos num cunhete (caixa de munições de armas ligeira), idêntico aos das actuais armas. 

Geralmente, para agravar o perigo das suas eventuais desmontagens, eram colocadas por baixo destas "caixas" de madeira, uma granada sem cavilha de segurança, em que o peso da dita caixa sustinha a respectiva alavanca de segurança. 

No caso de ser detectado o Fornilho e se fosse feito o seu levantamento, sem se ter detectado a granada, esta deflagrava e por "simpatia" rebentava todo o restante material ali depositado. 

O funcionamento do Fornilho com detonador eléctrico, como se pode ver no croqui - letra a) -, por baixo da roda da viatura, é o "interruptor", repetido mais em baixo. 



a) Interruptor.
b) Cunhete com o detonador e a pilha seca de 4,5 volts.
c) Granada armadilha. 


Vê-se duas ripas de madeira, ou tábuas, de 5 a 10 cm de largura no máximo, com o comprimento de 30 cm (a largura de um pneu). 

As ditas ripas ou tábuas, até podiam ser as da tampa do Cunhete (não desperdiçando assim nada), eram envolvidas na zona do meio, por dois pedaços de chapa de ferro (que podiam ser as das rações de combate que a nossa malta negligentemente durante as suas idas para o mato, muitas vezes não as enterrava). 

Com um prego, ou uma ponta perfurante, eram abertos dois furos em cada pedaço de lata, sem soldaduras de qualquer tipo, onde eram ali ligados (atados) os dois condutores eléctricos, como se pode ver no rascunho. 


Um vai ao detonador, que está introduzido no orifício de um dos petardos dentro do cunhete e o outro condutor é ligado á outra tábua com corrente eléctrica de uma pilha de 4,5 volts (uma derivação eléctrica ou Interruptor). 

Nas extremidades das duas tábuas, com um canivete ou faca de mato eram abertos: na tábua que ficava voltada da para cima, um buraco, como disse em cada extremidade, com o diâmetro suficiente para passar apertado um pau da espessura de um lápis. 

Na tábua inferior, eram abertos somente encaixes. 

Mais pormenores se podiam descrever, mas basta olhar o anexo com figuras de componentes do Fornilho, o modelo da pilha seca eléctrica e do encaixe das tábuas do cunhete, onde não há um prego, só cola. 

A caixa, sendo de madeira, não é assinalada por qualquer detector, pese embora haver componentes metálicos, mas sendo estes são de massa reduzida podem escapar ao detector de metais. 

A granada contra-armadilha também pode escapar à detecção, porque se for uma granada ofensiva é de plástico. 

Na próxima mensagem continuo este relato, descrevendo outro tipo de Fornilho, que é actuado por detonador de pressão.

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