domingo, 9 de dezembro de 2012

M564 - Porque não morri?! O último grande combate. 4º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira



NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos. 

A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo. 

Diz o autor - Vitor Cerqueira:

"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora. 

Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras. 

Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa! 

Transfira para a conta da Caixa Geral de Depósitos 0120 009848600 Ou NIB – 003501200000984860084.

Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço. 



PORQUE NÃO MORRI?! 


O ÚLTIMO GRANDE COMBATE 


TCHAZICA | MOÇAMBIQUE 


1974 

VICTOR CERQUEIRA 


4º CAPÍTULO
O encontro com o Comandante;
Camarada Machesse


Passaram-se dois dias sem grandes novidades. Tudo tinha voltado à rotina do destacamento. 


Dia 13, uma manhã normal como as anteriores, por volta das onze horas um grande “burburinho”, vindo do aldeamento. 

O Lopes olhou com atenção, pegou na arma e todos os seus soldados fizeram o mesmo. 

Vinha um grande grupo de guerrilheiros a aproximarem-se do destacamento, com eles além do seu já conhecido Joaquim, vinha também o Régulo. 

Caminhavam com rapidez e chegaram à sua frente. 

Agora era a sério! 

Tinha à sua frente um verdadeiro chefe, para aí uns trinta anos, queixo levantado, bem fardado, com pistola à cintura, uma Tocarev, olhava com firmeza e alguma arrogância, olhos nos olhos. O Lopes retribuiu o olhar com firmeza e com uma postura idêntica, apertou-lhe a mão, perguntou-lhe o nome. 

- Comandante Jonhy Memba, respondeu ele, depois de uma pequeníssima hesitação que não passou despercebida ao Lopes. 

- Vou tratar de alguns assuntos, disse o Lopes, fique aqui. Foi seco e directo. 

Não lhe tinha agradado o Jonhy, demasiada arrogância para o seu gosto, mas podia ser uma manifestação de timidez ou de algum receio. Não acreditava no nome. Chamou alguns homens e deu-lhes instruções de segurança. Criou um perímetro de segurança e colocou uma equipa fora do destacamento numa posição estratégica e com muito boa visão sobre o mesmo. 

E regressou à companhia do Comandante e do seu grupo. 

Aquele momento era para aquele oficial GEP, um momento histórico. Foi buscar a máquina fotográfica. Por ironia do destino era uma máquina de fabrico Russo, apanhada numa base da Frelimo. Chamou os guerrilheiros colocou o Comandante no meio e vai de tirar fotografias. 

Deliraram! 

Esta acção fez quebrar a tensão que havia no ar. Tiraram-se fotografias em todas as posições possíveis e imagináveis. Os soldados adoravam tirar fotografias. O Alferes, como não podia deixar de ser, também tirou fotografias, entre elas algumas com o Comandante da Frelimo em diversas poses, entre as quais até a apertar mãos, como se de um encontro entre estadistas se tratasse. 

Gastaram-se dois rolos de trinta e seis fotografias. 

Muito bem gastas, considerava o Alferes, pois assim tinha o encontro bem documentado em termos fotográficos e isso poderia ser-lhe útil no futuro. 

Conversaram. 

- Então diga lá senhor Comandante Jonhy Memba há quanto tempo está neste sector? 

- Há bastante tempo, para aí três anos mais ou menos e o senhor? 

- Eu estou aqui há pouco tempo, cerca de um mês e meio na zona e aqui no Tchazica há duas ou três semanas, mas já aqui tinha estado pois fui eu que comecei o aldeamento do Massangano. 

Este destacamento e este aldeamento do Tchazica foram posteriores. 

- Eu sei já cá estava… 

- O que pensa dos desenvolvimentos políticos em Portugal? Finalmente derrubaram a ditadura Salazar/Marcelo Caetano, e agora? Perguntou o Jonhy. 

- Não sei muito bem o que vai suceder. Confesso que o desenvolvimento que as coisas estão a ter não me agrada, estão a ir depressa demais, quinhentos anos de história não se eliminam assim, de um dia para o outro. Por outro lado não vos reconheço, à Frelimo, como únicos representantes do Povo de Moçambique. Mas vamos ver o que acontece. 

O que me parece é que não faz sentido morrermos agora e andarmos aos tiros como se nada tivesse passado! 

- Não acha? 

- Quanto aos tiros, concordo, quanto ao resto não! Nós somos os únicos representantes do povo Moçambicano e aquilo que disse é perigosamente reaccionário! 

O Lopes sorriu, aparecia finalmente a linguagem “revolucionária”. Com alguma ironia disfarçada disse: 

- Estou a pensar em mandar as populações dos aldeamentos para as suas antigas terras, neste momento se calhar já não se justificam os aldeamentos… 

O camarada quase saltou da cadeira. 

- Não faça isso, não faça isso! 

- Não!? Então vocês chamaram sempre a estes aldeamentos, campos de concentração, e agora diz-me que não? Não estou a perceber! 

Atrapalhadíssimo… 

- Bem, teremos de falar mais disso no próximo encontro. Vou contactar com os meus superiores. 

O Lopes ria perdidamente por dentro. Mais uma vez aquilo que era um campo de concentração sem vedações, em dada altura passaria por artes revolucionárias, de um dia para o outro, a ser uma importante “aldeia comunal”, fantástico! 

- Tudo bem, também não há pressa. Quando é que nos voltamos a encontrar? 

- Eu comunicarei consigo a comunicar a data, pode ser? 

- Claro que pode, terei muito prazer em estar consigo e poderemos nessa altura falar do futuro, 

OK? 

- OK, combinado. 

Um forte aperto de mão selou a conversa, ele e os seus homens retiraram-se do destacamento. 

O alferes foi para o rádio. 

- Águia Leão zero escuto! 

- Leão zero vou chamar Águia escuto! 

- OK. 

- Águia chama leão zero, leão zero águia escuto! 

- Águia, leão zero a responder. 

- Como estás? Tens passado bem? E o ambiente com os teus homens, tens as coisas controladas? 

Estou deveras preocupado, aliás estamos todos, o CIGE vive em angústia permanente. Vê lá se precisas de alguma coisa, se precisares seja do que for diz que eu tento arranjar. 

- Águia, tudo bem por aqui, os homens embora preocupados estão comigo, nunca estivemos tão fortes e unidos como agora. Estamos angustiados mas ao mesmo tempo serenos. 

Temos recebido manifestações de apoio de todo o lado, mas o seu é para mim muito importante, em último caso se houver azar quem se lixa é o águia. 

- Pois é, mas não te preocupes com isso, conta-me o que se passou com o Comandante, sei que apareceu. 

O Alferes Lopes da Gama lá relatou com todos os pormenores o seu encontro. 

Também o Comandante não acreditou no nome e ficou surpreendido com a questão dos aldeamentos. 

- Não percebi aquela dos aldeamentos, não ultrapasses os teus poderes, se não zangamo-nos, percebeste? Escuto! 

- Percebido Águia, preciso de combinar uma coisa consigo. 

- O que é? 

- No próximo encontro com o comandante quero que o grupo que está no AB7 esteja de prevenção zero horas, mais, que mobilize os pilotos dos FIATs e das libelinhas para estarem também de prevenção. Poderá ser? Quanto ao nosso grupo, não tenho dúvidas, mas sem os outros não dá nada. 

- Vou tratar disso, fica descansado e depois comunico, mas parece que não está muito confiante, o que se passa? 

- Nada, é um sentimento e ao mesmo tempo uma questão de estratégia e segurança. Eles são muitos, bem mais do que nós. 

Sinto que o próximo encontro vai ser crucial. 

- Entendo e concordo. Se não tens mais nada, boa sorte, muita atenção nada de baldas e terminado. 

- Terminado! 

- Leão zero, leão zero fala onça zero, escuto. 

Onça zero era o comandante do 009 que estava na base aérea de Tete (AB7). 

- Olá onça zero ouviste a minha comunicação com o Águia? 

- Claro que ouvi Leão zero, não fazemos mais nada ultimamente do que seguir as tuas comunicações, nunca foste tão ouvido na tua vida. Mas fica descansado que além de nós, também todo o pessoal da base está a seguir essa tua aventura e está tudo preparado para o que der e vier. Também tens aqui camaradas que estão preocupados e solidários contigo. Força maluco! 

- Maluco és tu meu camarada, um abraço, até breve termino. 

O dia estava a chegar ao fim e o Lopes estava cansadíssimo, os cigarros que fumava seguidos começavam a fazer o seu efeito, mas tinha dúvidas se iria ou não dormir, e como precisava de uma boa noite de sono… 

Lamentou naquela altura não ter um soporífero qualquer. 

Precisava mesmo de dormir! 

Foi para a cama e deu por si sem conseguir dormir, o que lhe valia eram os cigarros que fumados uns atrás dos outros iam ajudando a passar a noite. 

O seu pensamento vagueava, recusou-se a pensar no que se tinha passado durante o dia, embora esses pensamentos lhe viessem constantemente à cabeça. Queria dormir sobre os acontecimentos. Umas horas depois lá adormeceu, e, fantasticamente, num sono sereno e retemperador. 

Levantou-se um pouco mais tarde do que o costume. O Marco já tinha tudo pronto para o matabicho. 

O pão estava quentinho, o padeiro continuava a fazer um óptimo pão e o pessoal adorava aquele pão quentinho ao mata-bicho que exalava um cheiro que contaminava todo o destacamento e arredores que barravam com manteiga e… vai disto. Os seus homens comiam logo de manhã um pão enorme, do tipo que na cidade chamavam de mil e duzentos, acompanhado de um bruto copo de café com leite. Aliás para eles não fazia sentido café sem pão. 

O militar sorriu ao lembrar-se de uma cena, já lá iam alguns meses quando depois de almoçar com um grupo de 8 ou 10 soldados no melhor restaurante de Vila Pery - ele fazia questão disso, sempre que se deslocava com os seus homens para abastecimento não havia rações para ninguém, ia tudo comer por conta dele, ao melhor restaurante da localidade – quando chegou o café, nas suas pequenas chávenas, um dos soldados a dar-se um ar de muito importante, diz a um perplexo empregado de mesa branco: 

- Então pá, trazes o café e não trazes os pão, como é pá? 

Deu direito a uma grande gargalhada. 

O destacamento estava calmo as coisas funcionavam dentro da rotina habitual. 

O Lopes pegou na G3, chamou o Marcos saltou para o “pincher” e arrancou. Não conseguia estar quieto, a angústia quase o abafava. Deu uma volta ao aldeamento. 

Queria sentir a população. Parecia calma e olhavam-no com uma certa curiosidade acompanhada de sorrisos. 

Viu o Régulo e parou. 

- Como vão as coisas? 

- Vai bem sim senhor, o gente está muito contente. 

- Vamos ver como vão as coisas correr no futuro. 

- Vai correr tudo na paz, os pessoas já está muito cansado com estas coisas dos guerra. 

Já chega! Nós querer voltar para nossas terra e para nossas machamba. Não é todo, mas muita gente não gosta de ficar aqui, quer ir para a machamba. 

- Aqui há muito “milando” por causa dos vinhos e talqualmente por causa dos mulheres, és muita pessoa, eu já estar chateado com isso! 

A questão do álcool, sobretudo na época das maçanitas, era uma questão preocupante. 

Já uma vez na sua primeira passagem pelo Tchazica o Lopes tinha andado sentado no pincher, dentro do aldeamento, aos tiros a tudo o que era alambique porque os maiores de 12 anos, mulher ou homem, estavam todos, mas todos bêbados dias após dia. 

- Não sei como é que vai andar tudo isto, mas a Frelimo não quer! 

- Eu sabe disso, mas nós vai na mesma, se o meu chefe deixar. 

- Para já não posso deixar nada, tem que ter alguma paciência agora, está bem? 

- Está bem si senhora, meu chefe é que sabe, muito obrigado. 

Foi nítido para ele que a resposta foi uma resposta de resignação, mas quanto tempo duraria esta resignação? Perguntava-se o Lopes. O gajo apesar de jogar nos dois tabuleiros estava a querer rabear. 

Ele sabia, pela prática, que os aldeamentos eram contra natura para aquela gente, tinha que reconhecer que as suas ideias de “aldeias comunais” falharam, embora houvesse aldeamentos com algum sucesso. O Massangano, por exemplo, o aldeamento funcionava, depois de um período de chatices entre a população, foi aos poucos funcionando, outros, nomeadamente aqueles que se foram organizando juntos das sedes dos postos administrativos, também iam funcionando, e, sobretudo, as populações tinham tido de facto vantagens. Mais assistência médica e medicamentosa, mais apoio nas crises, as escolas funcionavam… 

Enfim, sem se atrever a dizer que era um sucesso retumbante, as populações tinham tido vantagens, isto na sua perspectiva. Seria a mesma delas, da população? Tinha algumas dúvidas agora… 

As suas dúvidas não tinham a ver com a sua convicção de que era necessário, para haver um desenvolvimento económico e social da sua terra a sério, um reordenamento do território, em que as populações tivessem benefícios, concretos da civilização actual. Em África, naquela África que ele conhecia tão bem, as populações estavam organizadas por famílias dispersas, afastadas quilómetros umas das outras. Junto das suas machambas. Era impossível dar condições de vida aquelas comunidades, levar água, luz, escola, etc. Etc. Etc., mas por outro lado, era assim que eles gostavam de viver e não em aldeamentos maiores, era contra natura viver em aglomerado. Gostavam de viver em pequenas comunidades, que iam crescendo com as mulheres que iam comprando, com os filhos que tinham, mais tarde com os netos e por aí fora. 

Era assim que eles gostavam de viver e viviam, no mato evidentemente, construindo as suas comunidades harmoniosamente e explorando as suas machambas. Nas cidades era completamente diferente. 

A angústia e o medo que sentia faziam com que o Alferes se metesse “para dentro”, ainda mais do que já era habitual. 

Junto a um grande embondeiro, de cócoras, completamente absorvido, a sua vida ia decorrendo aos seus olhos.


(Fim do 4º Capítulo. Continua brevemente) 

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