Continuação das menagens: M559 - Porque não morri?! O último grande combate. Capítulo 1. Um conto de Victor Cerqueira e M561 - Porque não morri?! O último grande combate. 2º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira
NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos.
A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo.
Diz o autor - Vitor Cerqueira:
"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora.
Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras.
Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa!
Transfira para a conta da Caixa Geral de Depósitos 0120 009848600 Ou NIB – 003501200000984860084.
Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço.
O ÚLTIMO GRANDE COMBATE
TCHAZICA | MOÇAMBIQUE
1974
VICTOR CERQUEIRA
3º CAPÍTULO
O segundo encontro
- Leão
zero, Águia!
- Águia,
Leão zero escuto.
- Leão
zero parece que mais uma vez ultrapassaste os limites. Este é um problema novo
que não tínhamos equacionado nesta fase. É uma total surpresa para mim, e para
todos aqui no CIGE, vou contactar o Comando Geral.
-
Entretanto segue a tua ideia mas atenção! Cuidado com a segurança, nada de
homens armados da Frelimo dentro do destacamento, percebido?
-
Afirmativo Águia, obrigado pela confiança.
- Qual é
o passo seguinte Leão zero?
-
Convidei o grupo que apareceu para almoçar depois de amanhã, a intenção é subir
na hierarquia vou tentar que ele consiga um encontro com o comandante dele.
Estou a trabalhar por… se quiser, estímulos e palpites!
- Tu és
completamente doido, tens a noção do risco que estás a correr e a fazer correr
os teus homens?
-
Afirmativo Águia, mas os encontros serão aqui no destacamento, sempre no meu
campo. Não tenciono, pelo menos nesta primeira fase, ter algum encontro numa
base deles, por exemplo, ou mesmo em campo neutro. Como sabe não brinco em
serviço…
- Pois
não, mas sinceramente não estou a gostar nada dessa situação, espero bem que
isso não dê um grande buraco! A partir de amanhã sempre às 10 horas falas
comigo, OK? Terminado!
- OK
Águia, mais uma vez obrigado, até amanhã, terminado!
O Alferes
deu um grande suspiro de alívio, uma etapa difícil tinha sido superada, com
bastante facilidade diga-se de passagem. O Comandante mais uma vez o tinha
surpreendido agindo de uma forma com o qual não contava.
O
processo estava em curso para o bem ou para o mal…
Começaram
a “chover” chamadas.
As
chamadas começaram pelos camaradas dos outros Grupos; que estavam no mato, os
radiotelegrafistas não resistiam a mandar uma “boca” sempre de apoio e de
força, antes de passar o
rádio aos
seus superiores, quando não eram estes que estavam a operar o rádio.
Sem
dúvida, o 006 não estava sozinho!
Os GEPs
em força estavam com ele. Havia uma grande preocupação com o futuro.
Estavam
todos, mas todos, meio perdidos com a evolução política.
O clima
presente era mais do que nunca de perfeita união fraterna, numa simbiose total
de todos
os GEPs.
Mas… e o
futuro?
Aí a
angústia aumentava e as mãos apertavam a espingarda…
O alferes
estava meio zonzo com tanta emoção e tanta preocupação. Foi para a sua tenda e
deitou-se. Sabia que não ia dormir. Pegou nos cigarros.
Bolas! Já
não fumava há algum tempo!
Tal como
tinha dito ao Águia não sabia muito bem o que estava a fazer e porque estava a
fazer, estava a agir primeiro por impulso e depois por instinto, mas porquê e
sobretudo para quê? É que não sabia de todo!
O que não
fazia sentido! Estava a arriscar a sua vida e a dos seus homens de uma forma
que até aí nunca tinha sucedido. E sabia de uma coisa, se até há bem pouco
tempo atrás morrer, ficar ferido, fazia parte das regras AGORA NÃO QUERIA
MORRER! Agora não! Na praia não!
Até aqui
sabia o que estava a fazer na guerra, sabia porque estava nos GEPs, ao
contrário de outros a sua opção tinha sido consciente e não a renegava.
Estava
nos GEPs para combater a Frelimo e para preparar a independência de Moçambique!
Com quem
e para quem?
Com todos
e para todos é claro. Negros, mulatos, indianos, chineses, brancos, enfim, para
todos aqueles que faziam daquele território uma terra multicultural, em vários
aspectos, inclusive a religiosa e que sentiam como sua aquela terra. Mas com a
devolução da dignidade e do poder à maioria evidentemente. Havia muitíssimas
injustiças a corrigir. Muitas mesmo! Disso não tinha qualquer dúvida. Mas
sempre tinha sentido e reflectido que não seria com a Frelimo que este desiderato
seria possível.
E não
seria possível desde logo por razões ideológicas, a Frelimo era um partido
Marxista Leninista e por isso tinha como objectivo o estabelecimento de um
regime comunista em Moçambique.
Ora,
apesar de quando mais jovem o Lopes ser Maoista por acreditar que o sistema Chinês
seria bom para o seu País, o facto de ter viajado pela Europa e ter assistido
em directo a invasão da Checoslováquia pela televisão, (estava em Estrasburgo),
fê-lo pensar e observar com mais atenção as sociedades europeias, e assim
perceber que não era por ali, não era pelo sistema comunista que Moçambique
poderia vir a ter um futuro promissor e justo como aquele povo merecia e
desejava.
Rejeitava
então a Frelimo?
Só se
fosse parvo! A Frelimo era a força política Moçambicana mais organizada, com
apoios internos e externos poderosos. Mas daí a ser a única com quem dialogar e
a quem se entregaria todo o poder, nem pensar! Pelas várias razões apresentadas
e mais algumas.
Tudo isto
ia pensando o Lopes da Gama, na cama, girando de um lado para o outro como se tivesse
bichos-carpinteiros, enquanto tentava adormecer.
Depois de
uma noite muito mal dormida o Lopes tomou o mata-bicho, que se resumia a um copázio
de leite, pegou na G3, sentou-se ao volante do “pincher” e foi conduzindo
devagar até ao aldeamento.
Ainda era
muito cedo, começavam as crianças e as mulheres a sair das suas palhotas.
O
aldeamento estava calmo, as fogueiras exteriores fumegavam criando uma espécie
de neblina que misturada com evaporação do cacimbo nocturno se espalhava pelas
diversas ruas deixando um cheiro a madeira queimada que curiosamente era um
cheiro agradável. Parecia que nada tinha acontecido na véspera.
Quantos
guerrilheiros da Frelimo estariam a dormir, ou teriam dormido, naquele
aldeamento?…
Era uma
guerra esquisita esta.
O Lopes
foi até junto ao rio, não estava sozinho, o Marco Chagas acompanhava-o, ao seu
lado, com a arma e algumas granadas, em silêncio. Era um espectáculo de pessoa
o Marco Chagas.
Leal,
discreto e eficiente! O facto do Marco querer estudar foi a principal razão
para o escolher como seu “braço direito”, com ele participaria em menos
operações, logo, teria mais tempo para estudar e teria o seu apoio como uma
espécie de explicador, até porque ele próprio queria continuar a preparar-se
para os exames do Instituto industrial.
Tinha
acertado em cheio na escolha.
O Marco
Chagas era a demonstração da lealdade, da confiança, da descrição, com um
cuidado inexcedível no tratamento do seu equipamento que estava sempre
impecável, com a G3 a ser sempre limpa e testada sempre depois de uma saída.
Aliás a
história da G3 do Lopes da Gama já fazia parte do anedotário que se vai
construindo ao longo do tempo na tropa. Era uma velha G3, ainda de fuste preto,
deve ter sido das primeiras G3 que vieram substituir as Mauzer, já nos idos
anos sessenta.
Mas ele
só confiava naquela arma, a primeira e única que lhe entregaram no CIGE, o
armeiro no CIGE passava as “passas do Algarve” nos períodos de refrescamento
para não dar baixa da mesma ou entregá-la inadvertidamente a outro.
Até a
escondia!
E nesse
controlo da arma tinha um colaborador assíduo e atento. O bom do Marco Chagas, claro!
Ele, ao olhar para aquele soldado, que antes de tudo o resto era um amigo,
sentiu que ao longo destes cerca de trinta meses de tropa, Deus tinha estado
com ele.
O que
aconteceria daqui para a frente?
O dia
passou com a habitual rotina. Desta vez o Lopes recomendou ao cozinheiro que
fizesse um bom bife com batatas fritas para o seu almoço com os guerrilheiros,
acompanhado de arroz de ervilhas evidentemente, não queria que ficassem com
fome…
Falou com
Águia pela rádio e com uma série de companheiros que queriam falar com ele,
GEPs e não GEPs, “pacassas”, como eles alcunhavam a tropa normal, que lhe davam
incentivo e conforto moral. Bem precisava.
Continuava
muitíssimo intranquilo e estava morto que aquilo terminasse.
No dia
seguinte, veste o camuflado, o velho, o de combate, eram um dos três rituais
que o Lopes tinha, a G3 o camuflado velho todo remendado e a faca de mato que o
acompanhava sempre, fosse para onde fosse, diz ao Fernando que faça o mesmo e
espera.
Por volta
das onze horas, chegaram os guerrilheiros, vinham sorridentes e mais bem
arranjados.
O Joaquim
aproximou-se para um aperto de mão e entregou de imediato a kalash, seguido de imediato
pelos outros três.
O Lopes
olhou com um enorme sorriso para o aldeamento que aparentemente estava normal com
excepção de algumas mulheres que assistiam à cena. Era pouca gente para o
acontecimento, onde estariam os outros, os homens? Talvez nas machambas, mas se
estavam nas machambas porque estavam as mulheres no aldeamento quando eram elas
que normalmente trabalhavam?
Mandou
chamar o Régulo para almoçar com eles.
Foi um palpite
daquele momento, que tinha sido despertado pelos sorrisos das mulheres.
Era
preciso envolver a população naquele assunto e o Régulo era o ideal. Até
porque, sem dúvida nenhuma, tinha relações com a Frelimo, ou então dificilmente
estaria vivo, para além de que a história destes encontros tinha a sua mão…
O
convívio fluiu com naturalidade, os soldados conversavam animadamente com os
guerrilheiros, ou turras, como lhes chamavam na linguagem do quotidiano.
O Joaquim
também ia conversando com este e aquele, estavam sorridentes e descontraídos.
Nos seus
soldados nem todos se sentiam assim confiantes. O Alferes via umas tantas,
bastantes, caras fechadas e com pouca vontade de entrar em diálogos e muito
menos convívios, mantinham-se à margem.
A
segurança estava relaxada, mas estava lá…
Por volta
do meio-dia - o Alferes era um homem de rotinas - começou a ser servido o
almoço, todos se integraram na bicha, turras e soldados.
Que
espectáculo estranho!
Entretanto
chegava o Régulo, com a sua vestimenta oficial de gala, o que não deixava de
ser irónico, tendo em conta que aquela farda era paga pelo Governo Português
que era suposto ele servir, e, no entanto, servia (também) a Frelimo, mas para
aquela ocasião veste a “farda” oficial colonial.
Ironias
de África, que só os Africanos percebiam e que fez o Lopes lembrar uma conversa
que tinha tido com o seu Pai, já lá iam uns anos.
Nessa
conversa o militar explanava cheio de entusiasmo e de certezas que defendia com
todo o ardor um Moçambique independente, afastado de Portugal e dos Portugueses
assim e assado.
Até que o
Pai se volta para ele e lhe diz:
- Já
pensaste que um dia podes estar com uma espingarda de um lado da barricada e eu
do outro?
Foi com
se tivesse levado um murro no nariz! Fê-lo pensar e reestruturar todo o seu
pensamento político.
De facto
ele não podia rejeitar as suas origens como Português, (Pai Minhoto e Mãe
Lisboeta)
que era a
sua cultura mãe, nem Moçambique as podia esquecer, estava impregnado na sua cultura,
na cultura negra e na branca eram… 500 anos de permanência.
E ali
estava representada a misceração naquela figura do Régulo que de alguma maneira
representava os seus ancestrais e do seu povo.
O almoço
decorreu muito bem. Na mesa, para além do Lopes estavam o Régulo, o Furriel
Afonso, o
Joaquim, guerrilheiro da Frelimo e o Cabo Fernando Chagas. Os outros
guerrilheiros comiam com o resto da tropa.
Dois
soldados serviam, uma delicadeza do cozinheiro, pois não tinha sido prevista
esta situação - normalmente seria o cozinheiro a servir - que dava um certo
“requinte” ou, se quisermos, aumentava o aspecto “surrealista” daquele
acontecimento.
Assim,
nos confins do mato Moçambicano, na África profunda, cinco homens, um mulato,
três negros e um branco, de formações intelectuais, morais, éticas e religiosas
completamente diferentes, estavam à volta de uma mesa, feita de troncos de
árvores e canas, para almoçar um bom bife com batatas fritas e ovo a cavalo… e
falar.
Apesar de
brancos e negros, não era só isso que os distinguia, cada um deles era de etnia
diferente.
O branco,
de origem Portuguesa. O mulato de origem mista, branca portuguesa e negra do
norte. Um dos negros, o Joaquim, Maconde. O Régulo, Chissena.
O Marco,
Sena. Para se comunicarem tinham que utilizar um intérprete, sendo que nas
dificuldades de comunicação se utilizava o Português, como base da comunicação,
as semelhanças entre o Sena e o Chissena.
Incrível!
A única
coisa que tinham em comum, era esta coisa que parecia tão simples e era de
facto muito complicado.
Serem
Moçambicanos!
No
decorrer da conversa, para além do testemunho do cansaço e saturação da guerra
mais uma vez manifestada pelo Joaquim, falou-se de generalidades tais como: as
armas utilizadas, de um lado, as Simonove, kalashenikoves as Dactareves, etc. E
por outro, as G3. Ficando o Lopes a saber que eles tinham um autêntico terror
quando as ouviam “cantar”.
- Chi meu
Alferes, quando começa, bom, bom, bom…é tão forte, que agente ficava a tremer e
fugia…fugia…que nem sei!
Entretanto
o Lopes introduziu o que lhe interessava.
- O seu
Comandante sabe que vocês se encontraram connosco?
- Sim
sabe…
- E
concordou com isso?
- Sim,
concordou.
-Quero
encontrar-me com o Comandante da Zona, aqui no destacamento, é possível você
conseguir isso?
- É
possível sim senhora, ele também quer encontrar com meu Alferes, eu vou dizer a
ele depois
ele vem
cá. Fica bem assim?
- Fica
muito bem Joaquim, obrigado.
Grande
parte do pessoal do grupo e os outros turras estavam à volta da palhota
acompanhando a conversa, com muita atenção e curiosidade.
O Lopes
da Gama olhava em volta e sentia um clima de grande ansiedade e alguma tensão.
No meio
da tarde despediram-se com um aperto de mão forte. Todos os guerrilheiros
fizeram questão de apertarem a mão do Alferes, com manifesta satisfação e já
com alguma subjugação ao seu poder.
(Fim do 3º Capítulo. Continua brevemente)
Sem comentários:
Enviar um comentário