Continuação das menagens: M559 - Porque não morri?! O último grande combate. Capítulo 1. Um conto de Victor Cerqueira + M561 - Porque não morri?! O último grande combate. 2º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira + M562 - Porque não morri?! O último grande combate. 3º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira + M564 - Porque não morri?! O último grande combate. 4º Capítulo. Um conto de Victor Cerqueira
NOTA: Os autores deste excelente e histórico conto "Porque não morri?! O último grande combate", Victor Cerqueira, oferecem a quem o quiser ler, gratuitamente com uma úncia e facultativa condição, que a seguir reproduzimos.
A narração divide-se em 6 capítulos, que vamos publicar durante esta e a próxima semana, e nesta mensagem apresentamos o 2º Capítulo.
Diz o autor - Vitor Cerqueira:
"... tenho uma proposta a fazer-lhe: se considera que valeu a pena ler e que pode interessar a outros divulgue o conto pela mesma via que o recebeu, ou outra, se não gostou, deite fora.
Participe na experiência da possibilidade dos autores se”livrarem” das editoras.
Pague pela leitura deste conto entre ZERO e cinco páginas caso tenha, ou não, gostado. E possa!
Transfira para a conta da Caixa Geral de Depósitos 0120 009848600 Ou NIB – 003501200000984860084.
Aos autores apresentamos aqui o nosso abraço.
O ÚLTIMO GRANDE COMBATE
TCHAZICA | MOÇAMBIQUE
1974
VICTOR CERQUEIRA
5º CAPÍTULO
Lopes da Gama
Toda a
vida tinha lutado, era do contra, sempre do contra, manifestava sempre a sua
opinião e, quase sempre, da maneira mais imprópria e inconveniente, porque
dizia o que tinha a dizer muitas vezes de uma forma dura e quase sempre aos
“berros” com alguma mistura de raiva e revolta.
Mas era
assim, de uma franqueza brutal, dizia o que pensava sem subterfúgios e acabava muitas
vezes por magoar as pessoas e quase sempre quem menos queria magoar, deixando-o
de rastos.
Como lhe
dizia na sua adolescência o seu melhor amigo, o Sodas:
- Tu não
percebes que na maioria dos casos nem sequer percebem o que tu queres dizer, as
análises e os raciocínios das pessoas ficam muito pela superfície, não vale a
pena irritares-te…
O Sodas
foi o amigo que conseguiu fazer o Lopes aliar a sua curiosidade, a sua
necessidade de leitura, quase compulsiva, com o estudo formal, curricular.
Estudo formal esse que o “irritava”, detestava os horários, as normas, o ter
que agradar, ter de ir às aulas aquela hora naquele dia e com cumprimento total
de uma certa rotina. Foi por isso mais “fácil” para ele o estudo Universitário,
que ele geria, do que os estudos secundários, em que era… gerido. De qualquer
forma o facto de
o Sodas o “obrigar” a uma certa disciplina fez “disparar” algumas notas do
Lopes para surpresa… dele próprio.
Esta sua
maneira de ser, associada à sua coerência, parecia que “assustava” as pessoas,
retraías e, por isso, embora ganhasse alguma respeitabilidade esta era
associada à fama de “intratável”, com as inerentes consequências.
Quase se
poderia dizer que o Lopes tinha sido “um menino de rua” os seus Pais viviam
muito do trabalho e para o trabalho, ele costumava dizer que estavam
entretidos… a ganhar dinheiro, não lhe dando muito apoio afectivo e social.
Como os
Pais trabalhavam na indústria hoteleira vivia muito sozinho desenvolvendo por
isso uma grande autonomia, era ele que se alimentava aquecendo a sua comida
desde muito miúdo.
Além
disso tinha muito tempo para estar na rua, onde “criava” brincadeiras e
aventuras, tanto nas barreiras, com alguns amigos vizinhos da rua e do prédio
onde vivia, como também na sua imaginação inventava histórias de amor e viagens
como se de realidades se tratassem. Nos dias de festas e feriados, quando os
Pais dos outros estavam em casa os Pais dele estavam a trabalhar e o Lopes não
deixava de sentir isso.
O
espírito aventureiro era praticado com os seus amigos e vizinhos de infância
nas brincadeiras que tinham nas chamadas barreiras, em Lourenço Marques mas
também nos Escuteiros, que foi uma experiência não muito agradável e mais tarde
já com dezoito anos no primeiro curso de pára-quedismo civil realizado pela
Mocidade Portuguesa em Lourenço Marques. Também estava a tirar o Brevet de
piloto e, já no pré-voo, desistiu por insistência da sua companheira. Mal ele
sabia como todas estas experiências de vida viriam a ser tão úteis na guerra.
Mas o
menino Lopes só queria que gostassem dele, ao fim e ao cabo só queria ser
amado.
Como diz
o poeta: “As coisas vulgares da vida não deixam saudades, só as lembranças que doem
ou nos fazem sorrir.”… (Fernando Maurício)
O Lopes
tinha muito mais lembranças que lhe doíam profundamente do que das outras.
Sobretudo
da sua infância, e por isso aprendeu a não esperar nada. Nem dos outros nem da vida,
ia vivendo…
O que se
calhar lhe valeu era a seu gosto pela leitura, que lhe enchiam as noites e os
dias em que estava sozinho é que ao fim e ao cabo quem lê está sempre
acompanhado…
O que o
tirou das ruas, de alguma maneira o disciplinou e educou foi o desporto.
O
desporto em Moçambique era algo bastante cultivado pela sociedade. Assim, os
Pais tinham-no posto a aprender a nadar para aí com três anos, na Associação
dos Velhos Colonos com o Senhor Matos, onde andou algum tempo e uns anos
depois, já noutro clube, o Desportivo de Lourenço Marques, acabou por se
dedicar a sério à competição com alguns bons resultados.
Foi com o
acompanhamento do seu treinador Eurico Jorge, seu “Pai”, seu “irmão”, seu Amigo
seu mentor e dos seus colegas e Pais destes, onde estava incluído o Sodas que,
finalmente, o Lopes “assentou” e teve suporte social e emocional para o seu
desenvolvimento pessoal, social, cultural e evidentemente físico e emocional.
Não
abandonado nunca a sua veia de “malandreco”…
Pelo
facto de ter feito parte da selecção Nacional isso permitiu-lhe conhecer a
Europa e o Brasil (de Norte a Sul) o que lhe deu uma real perspectiva do que
era o regime autocrático em que se vivia na Metrópole e em África, o que acabou
por lhe dar uma aprendizagem muito esclarecedora e prática daquilo que desejava
para o seu futuro e para Moçambique.
Muito
cedo constituiu família, para aí com dezanove anos. Esta sua companheira já
vinha de um casamento falhado e com uma filha. Sabia que a prazo poderia não
resultar, mas não podia “usar e deitar fora”, não era a sua maneira de ser.
Tentava
tudo para criar o ambiente familiar que idealizava e nunca tinha tido,
sobretudo porque tinha uma enorme adoração pela miúda que considerava como
filha.
Mais uma
vez tinha começado tudo… demasiado cedo!
Quando
foi chamado para a “tropa” poderia ter pedido adiamento por estar no Instituto
Industrial, mas não quis. Tinha já responsabilidades familiares, tinha de
cumprir o serviço militar, não tinha tempo para perder tempo… O mesmo aconteceu
quando acabou o CSM (Curso de Sargentos Milicianos) foi convidado para fazer o
COM (Curso de Oficiais Milicianos) recusou na hora. Ele não dava nenhuma importância
a cargos e honrarias e não lhe fazia sentido que numa guerra ter o 7º ano fosse
sinónimo de bom combatente e de bom oficial. Para ele era ridículo este
conceito, como a realidade das tropas pacassas no mato lhe provavam isso mesmo
até à saciedade, sobretudo com os oficiais do quadro permanente mas também com
os milicianos.
Felizmente
foi para uma tropa que provava isso mesmo, durante algum tempo o valor de
comando foi avaliado e conquistado em acção, mais nada.
Fruto da
sua capacidade física tinha feito a preparação militar com alguma facilidade
mas com total empenhamento, e desde que tinha ido para o CIGE que usava barba
que era rala, enfim, mais uma colecção de pelos do que barba propriamente dita.
Não
queria morrer na “praia”, isso não! Aliás, este aspecto, o de morrer no fim da
comissão era um “fantasma” que perseguia todos os militares, e, nas
circunstâncias presentes, ainda muito mais… era insuportável!
As suas
preocupações estavam no auge. Tudo lhe vinha há mente. O passado, o presente e,
sobretudo, o futuro! E por isso não podia deixar de pensar no reabastecimento
do grupo. Normalmente ou ia a Mandia, a Tete ou ao Guro.
Mandia
era uma pequena povoação a cerca de 100 km dali, onde estava uma companhia de pacassas
e onde ele já se tinha chateado com o primeiro-sargento vagomestre e com o
Capitão que não queriam perceber que o Lopes abastecia-se com o que queria e
não com o que eles queriam ou lhes interessava… Depois de esclarecidas as
coisas e estabelecidas as regras de jogo as relações normalizaram.
Aquela
povoação tinha sido um centro de investigação e desenvolvimento de gado,
nomeadamente de “caraculo”, uma raça de ovelhas que se adaptava bem aos climas
quentes.
Era
impressionante a qualidade das instalações agrícolas, embora simples, tinham um
sistema em que o gado ao sair para pastar e depois ao recolher não podia deixar
de passar por zonas de desinfestação e desinfecção dos animais.
A quando
da sua primeira ida para a zona, no GEP 005, ainda tinha tido a noção da
quantidade e qualidade do gado ali existente. Agora, com a guerra, estava tudo
parado e as populações mais pobres, e senão estavam mais ainda era porque a
“tropa” ia comprando o gado para seu sustento. Só que sem a orientação anterior
este caminhava para o fim.
Era assim
que o Lopes da Gama sonhava com o “seu” Moçambique, uma terra com o
desenvolvimento assente em si próprio – na sua realidade, na sua investigação,
no seu conhecimento.
Numa
espécie de política da negritude (valorizar aquilo que é Africano, como por
exemplo as casas, em detrimento do Europeu) iniciada por Sengor no Senegal.
E isso
acreditava ele, era perfeitamente possível. Acreditava que com um governo
razoavelmente competente em meia dúzia de anos Moçambique seria verdadeiramente
independente política/económica e financeiramente. O que significava para o
Lopes também a auto sustentação alimentar.
Ao
contrário daquilo que sucedia na Metrópole, em Moçambique não passava pela
cabeça de ninguém tirar um curso de agronomia, agricultura ou veterinária e
depois ficar em Lourenço Marques ou noutra grande cidade. Quem tirava cursos
especializados, era para ir (e queria ir) para o mato… onde havia muito
trabalho a fazer!
A guerra
tinha acabado com muitos sonhos deste Moçambique. E agora, mais do que nunca, tinha
a intuição que se calhar não teria lugar naquela sua terra…
Mas ele
para abastecer preferia ir ao Guro, embora bem mais longe. Significava para aí
cerca de 400 km de picada, mas era a sua gente os seus camaradas do CIGE, que o
recebiam de braços abertos com tudo do bom e do melhor que conseguissem
arranjar.
Quando
tinha transporte dos Fusos, ir a Tete subindo o grande Zambeze.
Estes
pensamentos vinham-lhe à cabeça, de uma forma compulsiva, estes e outros. Até
parecia que estava a “pôr as contas em dia”.
A vida,
tal qual um filme, ia-lhe surgindo, mas não de uma forma cronológica mas sim de
forma anárquica. Agora uma coisa, depois outra, numa mistura de histórias que
ocasionava ao mesmo tempo uma mistura de sentimentos e emoções difíceis de
controlar.
Mais uma
vez sentia uma profunda solidão, sem minguem com quem partilhar as suas
preocupações e as suas ideias como foi quase sempre ao longo da sua vida,
sentia-se tremendamente só.
Só!
Estava
com um terrível problema nas mãos, criado por ele e que ele tinha de resolver e
ia resolver, pensou, quando se levantou do embondeiro de repente.
Em frente
dele uma criança, também de cócoras, olhava muito séria para ele, e se assustou
com o gesto repentino dele, há quanto tempo estaria ela ali? Perguntou-se.
Se fosse
um turra tinha-lhe metido a kalash pelo cu acima.
Que
importava isso, merda!
Regressou
ao destacamento. Era hora de contactar com Massangano – com tanta preocupação tinha-o
abandonado um pouco, ao fim e ao cabo era lá a “sede” e ele estava ali
“emprestado” até ao nascimento do filho do Furriel Mico. A propósito, já teria
nascido?
Teria
corrido bem? Seria menino ou menina? Se bem se lembrava ele queria uma menina.
Leão 3,
Leão zero escuto!
Leão
zero, Leão 3 escuto!
- Como
correm as coisas por aí?
- Por
aqui tudo bem, também nervosos mas tudo bem, quando é que pensa fazer o
reabastecimento?
- Não é
para já enquanto não chegar o Leão dois não é possível, atenção à caça, não
quero caça grossa neste momento é muito perigoso, vamos estar atentos à
segurança, segurança mais segurança, entendido leão três?
-
Entendido Leão zero.
- Então
terminado até amanhã.
-
Terminado.
As suas
conversas eram rápidas e incisivas, o alferes Lopes não era de estar muito
tempo no rádio e naquele momento muito menos.
Sem comentários:
Enviar um comentário