terça-feira, 3 de abril de 2012

M426 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar: Guidaje? Nunca mais!... (7)



Esta é a 7ª mensagem, continuação das mensagens M417, 418, M422, M423, M424 e M425, onde se iniciou a publicação de algumas das memórias de guerra de Amílcar Mendes, Recordamos que estas mensagens também podem ser vistas no blogue: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/


38ª Companhia de Comandos 

Uma lenda da Guerra do Ultramar 

Guiné – 1972/74 


Guidaje? Nunca mais!... 

Guiné > Guidage > CCAÇ 4150 (1973/74) > Guidaje, Guileje e Gadamael: todos estes aquartelamentos começavam por G, de guerra: foram um talismã para o PAIGC, e um inferno para as NT... 

Última parte do diário de Amílcar Mendes, onde se relata a escolta que dois Grupos de Combate da 38ª CCmds fez a uma coluna auto que se dirigiu a Guidaje, vinda de Farim, com regresso a Farim, entre os dias 9 e 13 de Maio de 1973. 

13 de Maio de 1973 

Amanhece em Guidage. Logo ao alvorecer sofremos mais um ataque(o 8º).Recebemos ordem de saída para a mata. Vamos montar uma emboscada nos trilhos, já dentro do território do Senegal. Parece uma auto-estrada este trilho tal é o movimento de população. Revistamos ao acaso. Numa mulher encontramos documentação militar que apreendemos. Depois de cerca de três horas de controlo, retiramo-nos para o quartel. 

A coluna vai hoje regressar a Binta-Farim. Ao meio do dia mais um ataque ao destacamento. A meio da tarde começa-se a organizar a coluna para o regresso mas durante os preparativos sofremos mais dois ataques e é a confusão, com as viaturas paradas no meio do destacamento e a morteirada a cair. 

Assisti durante os ataques a um espectáculo insólito: enquanto durava o fogo, um oficial, nesta caso o Comandante, caminhava sereno pelo meio da confusão dando ordens e tentando manter a calma, alheio aos ataques e aos gritos. Esse senhor era o Coronel Correia de Campos, que comandava o COP3 ao qual a minha companhia ficou dependente enquanto esteve em Guidaje. 

O Comandante achou perigoso a coluna seguir nesse dia pois fazia-se noite e com certeza o IN iria estar emboscado à nossa espera. Durante a noite sofremos mais ataques. Creio que no total e no curto tempo que aqui estivemos, sofremos pelo menos 15 ataques ao destacamento. 

Logo ao alvorecer a coluna põe-se a caminho. Fazemos a picada de volta e à medida que avançamos, voltamos a passar pelos cenários de morte. Os corpos estão a caminho de esqueletos, devorados pelos urubus. O cheiro é insuportável, por vezes dá náuseas. Acho que pelo resto da minha vida nunca mais vou esquecer este local maldito! 

Ao fim da manhã já estamos a chegar a Binta quando surge mais um acidente: um militar da tropa da Província pisa uma mina, dá por ela e fica com o pé lá em cima... É uma mina de descompressão e poucas hipóteses tem de lá sair com vida. 

Põe-se areia a volta. Cobre-se o corpo de roupa mas ele salta rápido. Não morre mas fica sem o pé. Durante a minha viajem de regresso na Berliet que seguia à minha frente, ia o Filipe com a perna já em adiantado estado de gangrena. Irá sobreviver. Somos amigos, ele vive no Porto e ainda hoje recordamos esse tempo, o que nos dá vontade de chorar! 

Chegamos a Binta e o Filipe é logo evacuado! A coluna não pára. Seguimos para Farim e daí logo em direcção a Mansoa

É a alegria geral! Que saudades da rapaziada! Chegamos a casa!... 

FORAM OS PIORES DIAS DA MINHA VIDA! Pensava eu. A malta faz perguntas mas a nós não nos apetecia responder, só para não voltarmos a pensar naquele inferno. Ao diabo com Guidaje! (Como eu estava enganado, mas ainda não o sabia!). 

Comentário: Ainda hoje sonho com Guidaje! Algumas coisas do que aconteceram foram tão reais que iriam ficar gravadas na minha memória até chegar ao STRESS! 

Sentir na carne não é o mesmo que me sentar a escrever sobre um acontecimento. Isso é ficção e, pelo que vou lendo, há muitos ficcionistas que se arvoram em paladinos da verdade. Paz à sua alma!... 

(continua) 

Um grande abraço para todos os ex-Combatentes. 

Amílcar Mendes 
1º Cabo Comando da 38ª CCmds 

Texto: © Amílcar Mendes (2006). Direitos reservados. 
Foto: © Albano M. Costa (2005). Direitos reservados. 
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1ª mensagem em 16 de Março de 2012 

2ª Mensagem em 18 de Março de 2012 > 

3ª Mensagem em 25 de Março de 2012 > 

4ª Mensagem em 27 de Março de 2012 > 

5ª Mensagem em 30 de Março de 2012 > 

6ª Mensagem em 31 de Março de 2012 > 


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