Esta é a 7ª mensagem, continuação das mensagens M417, 418, M422, M423, M424 e M425, onde se iniciou a publicação de algumas das memórias de guerra de Amílcar Mendes, Recordamos que estas mensagens também podem ser vistas no blogue: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Uma lenda da Guerra do Ultramar
Guiné – 1972/74
Guidaje? Nunca mais!...
Guiné > Guidage > CCAÇ 4150 (1973/74) > Guidaje, Guileje e Gadamael: todos estes aquartelamentos começavam por G, de guerra: foram um talismã para o PAIGC, e um inferno para as NT...
Última parte do diário de Amílcar Mendes, onde se relata a escolta que dois Grupos de Combate da 38ª CCmds fez a uma coluna auto que se dirigiu a Guidaje, vinda de Farim, com regresso a Farim, entre os dias 9 e 13 de Maio de 1973.
13 de Maio de 1973
Amanhece em Guidage. Logo ao alvorecer sofremos mais um ataque(o 8º).Recebemos ordem de saída para a mata. Vamos montar uma emboscada nos trilhos, já dentro do território do Senegal. Parece uma auto-estrada este trilho tal é o movimento de população. Revistamos ao acaso. Numa mulher encontramos documentação militar que apreendemos. Depois de cerca de três horas de controlo, retiramo-nos para o quartel.
A coluna vai hoje regressar a Binta-Farim. Ao meio do dia mais um ataque ao destacamento. A meio da tarde começa-se a organizar a coluna para o regresso mas durante os preparativos sofremos mais dois ataques e é a confusão, com as viaturas paradas no meio do destacamento e a morteirada a cair.
Assisti durante os ataques a um espectáculo insólito: enquanto durava o fogo, um oficial, nesta caso o Comandante, caminhava sereno pelo meio da confusão dando ordens e tentando manter a calma, alheio aos ataques e aos gritos. Esse senhor era o Coronel Correia de Campos, que comandava o COP3 ao qual a minha companhia ficou dependente enquanto esteve em Guidaje.
O Comandante achou perigoso a coluna seguir nesse dia pois fazia-se noite e com certeza o IN iria estar emboscado à nossa espera. Durante a noite sofremos mais ataques. Creio que no total e no curto tempo que aqui estivemos, sofremos pelo menos 15 ataques ao destacamento.
Logo ao alvorecer a coluna põe-se a caminho. Fazemos a picada de volta e à medida que avançamos, voltamos a passar pelos cenários de morte. Os corpos estão a caminho de esqueletos, devorados pelos urubus. O cheiro é insuportável, por vezes dá náuseas. Acho que pelo resto da minha vida nunca mais vou esquecer este local maldito!
Ao fim da manhã já estamos a chegar a Binta quando surge mais um acidente: um militar da tropa da Província pisa uma mina, dá por ela e fica com o pé lá em cima... É uma mina de descompressão e poucas hipóteses tem de lá sair com vida.
Põe-se areia a volta. Cobre-se o corpo de roupa mas ele salta rápido. Não morre mas fica sem o pé. Durante a minha viajem de regresso na Berliet que seguia à minha frente, ia o Filipe com a perna já em adiantado estado de gangrena. Irá sobreviver. Somos amigos, ele vive no Porto e ainda hoje recordamos esse tempo, o que nos dá vontade de chorar!
Chegamos a Binta e o Filipe é logo evacuado! A coluna não pára. Seguimos para Farim e daí logo em direcção a Mansoa.
É a alegria geral! Que saudades da rapaziada! Chegamos a casa!...
FORAM OS PIORES DIAS DA MINHA VIDA! Pensava eu. A malta faz perguntas mas a nós não nos apetecia responder, só para não voltarmos a pensar naquele inferno. Ao diabo com Guidaje! (Como eu estava enganado, mas ainda não o sabia!).
Comentário: Ainda hoje sonho com Guidaje! Algumas coisas do que aconteceram foram tão reais que iriam ficar gravadas na minha memória até chegar ao STRESS!
Sentir na carne não é o mesmo que me sentar a escrever sobre um acontecimento. Isso é ficção e, pelo que vou lendo, há muitos ficcionistas que se arvoram em paladinos da verdade. Paz à sua alma!...
(continua)
Um grande abraço para todos os ex-Combatentes.
Amílcar Mendes
1º Cabo Comando da 38ª CCmds
Texto: © Amílcar Mendes (2006). Direitos reservados.
Foto: © Albano M. Costa (2005). Direitos reservados.
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