Esta é a 9ª mensagem, continuação das mensagens M417, 418, M422, M423, M424, M425, M426 e M427, onde se iniciou a publicação de algumas das memórias de guerra de Amílcar Mendes, que foi 1º Cabo da 38ª Companhia de Comandos. Recordamos que estas mensagens também podem ser vistas no blogue: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Uma lenda da Guerra do Ultramar
Guiné – 1972/74
Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Cufeu > Maio de 1973 > A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualidade, vê-se o cadáver de um elemento das NT, africano NT (provavelmente da CCAÇ 19), com a cabeça apoiada num tronco de árvore...O braço, assinalado com um círculo a amarelo, é o do autor do texto, à procura de documentos para identificar o cadáver.
Guidaje: a verdade sobre o Cemitério de Cufeu
Com respeito aos restos mortais das NT que ficaram no Cufeu, primeiro vou mandar mais algumas coisas de choque para despertar consciências e preparar os espíritos e depois vamos lá, ok?
A verdade sobre Guidaje teve o condão de derrubar algumas barreiras mas só algumas. Ainda há verdades que eu acho que são demasiado, digamos, reais.
Corri toda a Guiné, conheci cada mata, cada bolanha, cada etnia, aprendi a falar crioulo, ouvi muitas queixas das pops [populações] naquele tempo sobre militares portugueses, coisas que nem imaginam e que constatávamos serem verdades muitas delas (e que se eu hoje aqui as contasse seria sacrificado).
Os excessos também fizeram parte da nossa passagem por lá e e, sem ter sido santo, garanto que só no contexto do factor guerra é que os cometi.
Vamos deixar que outros camaradas continuem a falar das suas experiências, que eu noto agora serem os relatos já menos poéticos e mais reais. E aí eu irei falar-vos da parte encoberta do chamado Cemitério de Cufeu.
Não sei se repararam na foto do camarada morto no Cufeu, já publicada, vê-se uma mão a mexer no cadáver. É a minha mão à procura de documentos para identificar o corpo. Como não tinha nenhum passou a número, perceberam?
Acho que a determinada altura em Guidaje os mortos eram números, que era preciso não humanizar, para não dar rosto à tragédia já que os números eram mais fáceis de apagar. Mas as ordens vinham sempre de cima e essas eram: façam o que puderem!
Perante esse cenário e com dificuldades de evacuações de feridos, como é que se evacuavam mortos?
Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > O abutre ou jagudi (corruptela do crioulo jugude). Foto do João Santiago, filho do Paulo Santiago... Na batalha de Guidaje (Maio/Junho de 1973), quantos combatentes, de um lado e de outro, ficaram no terreno para pasto dos jagudis? Nunca o saberemos ao certo...
O destino final de muitos foi o chão da bolanha, pois foi preferível isso do que ver os corpos a servirem de repasto aos abutres. Dito assim, parece demasiado cruel, mas mais cruel era ficarem onde estavam. E reparem que esses corpos não foram deixados ali por nós, nós apenas os encontramos.
Hoje ficamos por aqui, ok? Voltaremos ao assunto mais tarde e em mais pormenor.
(continua)
Um grande abraço para todos os ex-Combatentes.
Amílcar Mendes
1º Cabo Comando da 38ª CCmds
Texto: © Amílcar Mendes (2006). Direitos reservados.
Foto 14: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Foto 14a: © João/Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
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Do mesmo autor veja também as mensagens:
1ª mensagem em 16 de Março de 2012 >
2ª Mensagem em 18 de Março de 2012 >
3ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
4ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
27 de Março de 2012 > M423 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte) (4)
5ª Mensagem em 30 de Março de 2012 >
6ª Mensagem em 31 de Março de 2012 >
7ª Mensagem em 3 de Abril de 2012 >
8ª Mensagem em 5 de Abril de 2012 >
M427 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar (7): Soldado Comando Raimundo, natural da Azambuja, morto em Guidaje: Presente! (8)
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