Esta é a 10ª mensagem, continuação das mensagens M417, 418, M422, M423, M424, M425, M426, M427 e M429, onde se iniciou a publicação de algumas das memórias de guerra de Amílcar Mendes, Recordamos que estas mensagens também podem ser vistas no blogue: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Uma lenda da Guerra do Ultramar
Guiné – 1972/74
Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A espingrada semiautomática russa Simonov, capturada ao guerrilheiro abatido.
Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Em primeiro plano, o comando Mendes, com o seu RPG2
Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A penosa recuperação no tarrafo do Rio Caboiana.
Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Já a caminho da LDM que há-de levar os 2 Gr Comb até ao Cacheu.
Memórias de uma passagem de ano e Natal (com prenda?)
31 de Dezembro de 1972 - Acção Jovenca
- Missão: Aniquilar, capturar e desarticular as organizações IN na região da Caboiana;
- Força executante: 2 Gr Comba da 38ª CCmds;
- Planos elaborados para a acção: Saída de Teixeira Pinto em coluna auto até ao Cacheu;
- Deslocação em LDM até a região de S. Domingos até a altura da recuperação em LDM;
- Apoio aéreo: COMdcon(DO27 armada) em alerta, no solo de Teixeira Pinto;
- Duração: 24 horas;
- Resultados obtidos: Pelo IN, 1 morto (confirmado);
- Feita a captura do seguinte material: 1 Esp Aut Simonov.
Desenrolar da acção:
31 de Dezembro de 1972
O meu grupo (2º) e o 4º vamos para a Caboiana-Churo.
Seguimos em LDM até ao Rio Caboiana, e aí chegados passamos para os botes dos Fuzas Africanos que nos vão levar até ao tarrafo onde iremos desembarcar.
O desembarque e a passagem do tarrafo são feitos à força de braços e com muito custo mas lá chegamos ao trilho e pelas 10h00 lá vamos a caminhar.
Sigo em 5º lugar logo atrás do Cmdt da Companhia. A minha arma era um RPG2. O trilho por onde seguimos revela vestígios de ser usado com regularidade.
O 1º homem da frente segue com cautela observando cada vestígio para não sermos apanhados em falta, pois segundo o nosso credo... em combate a morte sanciona cada falta!
Já seguíamos há horas no trilho quando ouvimos, no silêncio, barulho de alguém a assobiar uma melodia qualquer. Nem tivemos tempo de parar quando nos apareceu pela frente um guerrilheiro, armado e só. Ainda tentou disparar mas o nosso primeiro homem disparou uma rajada à queima- roupa, atingindo-o. O homem ainda deu uns passos em frente vindo a cair à minha frente.
Reparei que, embora o sangue saísse em golfadas pela boca, ainda estava vivo. Em agonia. Para bem dele e para lhe acabar o sofrimento foi aí que lidei mais de perto com a morte. Para alguns isso será assassínio, para mim foi misericórdia. Um tiro de misericórdia.
Apesar do tempo que já levo de combate, ainda não aprendi na tratar a morte por tu. Ainda tenho algumas reticências em tirar o último sopro a alguém.
Nós, os que passamos pelos palcos de Guerra e que fomos a mão executora em muitas operações, apenas demos seguimento ao que era superiormente planeado.
Fui voluntário para os Comandos, sabia o que me aguardava, sabia que a palavra MORTE iria entrar na minha vida até ser banal pronunciá-la. Que fique claro que até hoje nunca me arrependi de nada do que fiz enquanto militar. Sempre respeitei os mais fracos e os indefesos, nunca pratiquei actos gratuitos só para acrescentar mais uma marca na coronha da minha arma. Fui misericordioso tanto como o IN o era. Para se obter resultados era preciso matar para não ser morto e nisso tornei-me mestre, mas sempre olhei nos olhos aqueles que, como meus inimigos, exalavam o último sopro.
Prosseguindo no meu diário: Com a morte do guerrilheiro IN capturamos uma arma russa, uma Simonov, novinha.
Seguimos pelo trilho e, com a nossa aproximação a um aldeamento, ouviram-se uma série de rajadas. O elemento surpresa fora quebrado e prosseguir era puro suicídio.
Tínhamos de certeza emboscada montada algures no caminho. O capitão decidiu sair do trilho e entramos a corta mato. O objectivo da missão estava perdido quando se quebrou o elemento surpresa e por isso foi decidido terminar e rumar ao local de recuperação.
A morte do elemento IN teve uma virtude, o de me fazer ir passar a passagem do ano no quartel de Teixeira Pinto.
No local de recuperação tivemos de atravessar um tarrafo, aí com 50 m de comprimento, feito a força de braços pois o terreno era pântano e cheguei a estar atascado até a cintura agarrado a raízes.
Lá chegamos aos botes dos Fuzas Africanos que nos levaram até ao Cacheu , daí seguimos em coluna auto até Teixeira Pinto onde nos aguardava a entrada do ano de 73.
(continua)
Um grande abraço para todos os ex-Combatentes.
Amílcar Mendes
1º Cabo Comando da 38ª CCmds
Texto e Fotos: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.
Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
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Do mesmo autor veja também as mensagens:
1ª mensagem em 16 de Março de 2012
2ª Mensagem em 18 de Março de 2012 >
3ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
4ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
27 de Março de 2012 > M423 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte) (4)
5ª Mensagem em 30 de Março de 2012 >
6ª Mensagem em 31 de Março de 2012 >
7ª Mensagem em 3 de Abril de 2012 >
8ª Mensagem em 5 de Abril de 2012 >
9ª Mensagem em 8 de Abril de 2012 >
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