Esta é a 11ª mensagem, a continuação das mensagens M417, 418, M422, M423, M424, M425, M426, M427, M429 e M432, onde se iniciou a publicação de algumas das memórias de guerra de Amílcar Mendes, Recordamos que estas mensagens também podem ser vistas no blogue: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Uma lenda da Guerra do Ultramar
Guiné – 1972/74
A minha Homenagem aos Mortos da 38ª: Aos famosos e aos anónimos
Meus caros camaradas, mortos em combate, da 38ª Companhia de COMANDOS (13):
Esta carta já não vai para o SPM [Serviço Postal Militar]. Não valeria a pena enviá-la para lá, pois os comunicados de guerra deram a brutal notícia: vocês morreram em combate!
Guiné > Gampará > 38ª Companhia de Comandos (1972/74 > Os Furriéis milicianos Miguel Vareta e Artur Fabião (algumas semanas antes de este morrer em combate em Caboiana – Churo).
Foto: © Miguel Vareta (2007). Direitos reservados.
Recordo aqui, comovidamente, as horas que passamos juntos na Guiné, recordo todas as palavras que trocamos numa reconstrução dolorosa, olho as fotos que tiramos lado a lado. Tudo isto me é penoso nos dias de hoje, pois fiquei com amigos a menos na Terra. E o que é pior: amigos valorosos, amigos que não temiam o perigo, amigos que estavam na primeira linha, ali exactamente onde a guerra era mais dura, mais cruel, mais mal remunerada.
Vejo diante dos meus olhos turvados de saudade o vosso perfil com o rosto cheio de esperanças nos projectos a realizar na volta à terra natal. Vocês eram soldados que não temiam o perigo, que eram amados pelos vossos camaradas, superiores ou subalternos.Vocês tinham um fogo interior que arrastava montanhas; eram mais fortes que muitos fortes em peso de carne e ossatura.
Bebemos copos, fomos às bajudas, apanhamos bebedeiras, tiramos fotos que hoje olho com lágrimas nos olhos, até que recebi a estúpida e brutal notícia: senti então um grande vazio diante de mim; o meu mundo sentimental ficou mais reduzido, ficou mais pequeno e, imperceptivelmente, comecei a rezar por esses amigos que derramaram o seu sangue generoso por uma terra onde combatiam por um ideal comum.
Esta carta, como disse, não vai para o SPM; escrevo-a e publico-a para que outros saibam que na Guiné se morria assim, numa luta impiedosa a que nós nunca voltámos a cara. Vocês foram um exemplo e são um exemplo.
Tenho os olhos embaciados. Tenho o coração amarfanhado. Tenho todo o meu íntimo em revolta. O dia de hoje veio triste. Há horas que me procuro, que faço por encontrar-me para poder responder ao vosso último adeus.
Que posso dizer-vos, a vocês, que repousam ao lado direito de Deus? Nada, mas mesmo nada. E, no entanto, estou amargurado. Apenas posso pedir-lhes que velem por nós, queridos amigos, Amanhã será um novo dia. Mas o meu mundo sentimental ficou mais reduzido. Em qualquer lado onde esteja, eu pensarei em vós, eu rezarei por vós.
Acreditem-me: na vossa morte eu senti a morte de amigos, de um exemplo de HOMENS. E até que nos possamos abraçar de novo, à mão direita de Deus, eu vos digo, com o coração esmagado pelo sofrimento: Esperem por mim!
(continua)
Um grande abraço para todos os ex-Combatentes.
Amílcar Mendes
1º Cabo Comando da 38ª CCmds
Texto: © Amílcar Mendes (2006). Direitos reservados.
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Do mesmo autor veja também as mensagens:
1ª mensagem em 16 de Março de 2012 >
2ª Mensagem em 18 de Março de 2012 >
3ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
4ª Mensagem em 25 de Março de 2012 >
27 de Março de 2012 > M423 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar: De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte) (4)
5ª Mensagem em 30 de Março de 2012 >
M424 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar: Uma noite nas valas de Guidaje (5)
6ª Mensagem em 31 de Março de 2012 >
7ª Mensagem em 3 de Abril de 2012 >
8ª Mensagem em 5 de Abril de 2012 >
M427 – 38ª Companhia de Comandos – Uma lenda da Guerra do Ultramar: Soldado Comando Raimundo, natural da Azambuja, morto em Guidaje: Presente! (8)
9ª Mensagem em 8 de Abril de 2012 >
10ª Mensagem em 12 de Abril de 2012 >
1 comentário:
Abraço de saudade aos que foram e aos que ficaram e nunca mais vi. Aos que partiram direi apenas esperem por mim. Aos que ficaram digo ainda nos encontraremos antes de partirmos.
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