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Um pouco atrasado, mas não desactualizado. É surpreendente este discurso, proferido por um convidado do Sr. Presidente da República.
10 de Junho de 2012
Dia de Portugal
Belém/Lisboa
Alguns instantâneos
(7)
Discurso do
Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de
Camões e das Comunidades Portuguesas, Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa
Lisboa, 10
de junho de 2012
As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a
pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar
a realidade.
As minhas primeiras palavras são, por inteiro, para os
portugueses que vivem situações de dificuldade e de pobreza, de desemprego, que
vivem hoje pior do que viviam ontem.
É neles que penso neste 10 de Junho.
A regra de ouro de qualquer contrato social é a defesa
dos mais desprotegidos. Penso nos outros, logo existo (José Gomes Ferreira). É
o compromisso com os outros, com o bem de todos, que nos torna humanos.
Portugal conseguiu sair de um longo ciclo de pobreza,
marcado pelo atraso e pela sobrevivência. Quando pensávamos que este passado
não voltaria mais, eis que a pobreza regressa, agora, sem as redes das
sociedades tradicionais.
Começa a haver demasiados “portugais” dentro de
Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade fragmentada
é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização.
Façamos um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo está a mudar à nossa volta. E nós também.
Afinal, a História ainda não tinha acabado. Precisamos
de ideias novas que nos deem um horizonte de futuro. Precisamos de
alternativas. Há sempre alternativas.
A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da
liberdade. E nestes estranhos dias, duros e difíceis, podemos prescindir de
tudo, mas não podemos prescindir nem da Liberdade nem do Futuro.
O futuro, Minhas Senhoras e Meus Senhores, está no
reforço da sociedade e na valorização do conhecimento, está numa sociedade que
se organiza com base no conhecimento.
Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas
esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social
(Miguel Torga).
Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin D.
Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A
democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades;
emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim
dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos.
Numa situação de guerra, Roosevelt sabia que os
sacrifícios têm de basear-se numa forte consciência do social, do interesse
coletivo, uma consciência que fomos perdendo na vertigem do económico; pior
ainda, que fomos perdendo para interesses e grupos, sem controlo, que
concentram a riqueza no mundo e tomam decisões à margem de qualquer princípio
ético ou democrático. É uma “realidade inaceitável”.
Em mar de águas revoltas, é preciso manter o rumo, ter
a sabedoria de separar o acessório do fundamental. A Europa não é uma opção, é
a nossa condição. Uma Europa com uma nova divisa: liberdade, diversidade,
solidariedade.
A Europa é o nosso futuro, mas não nos iludamos. Ou nos
salvamos a nós, ou ninguém nos salva (Manuel Laranjeira). Falemos, pois, de
Portugal e dos portugueses.
Pelo Tejo fomos para o mundo… mas quantas vezes
estivemos ausentes dentro de nós? Preferimos a Índia remota, incerta, além dos
mares, ao bocado de terra em que nascemos (Teixeira de Pascoaes).
A Terra ou o Mar? Portugal ou o Mundo? A pergunta foi
feita por todos aqueles que pensaram Portugal.
No final do século XIX, um homem da Geração de 70,
Alberto Sampaio, explica que as nossas faculdades se atrofiaram para tudo que
não fosse viajar e mercadejar. Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem com
a indústria, nem com a ciência, nem com as belas-artes. As riquezas que fomos
tendo “mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma indústria que
as fixasse”, e o património da comunidade, esse, “em vez de enriquecer,
empobrecia”.
Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas
questões fundamentais: o trabalho e o ensino. Nos momentos de crise é tarde:
fundas economias na administração aumentariam os desempregados, e para a
reorganização do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate à
porta do pobre. Então a emigração é o único expediente: silenciosa e
resignadamente cada um vai partindo, sem talvez uma palavra de amargura.
Este texto foi escrito há 120 anos. O meu discurso
poderia acabar aqui. Em silêncio.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É esta fragilidade endémica que devemos superar. O
heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples
– oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal,
assente no trabalho e no ensino.
Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado
ao longo da história.
Porque Portugal tem um problema de organização dentro
de si:
- Num sistema político cada vez mais bloqueado;
- Numa sociedade com instituições enfraquecidas, sem independência, tomadas por uma burocracia e por uma promiscuidade que são fonte de corrupção e desperdício;
- Numa economia frágil e sem uma verdadeira cultura empresarial.
Estão a surgir, é certo, sinais de uma capacidade de
adaptação e de resposta, de baixo para cima. Precisamos de transformar estes
movimentos numa ação sobre o país, numa ação de reinvenção e de reforço da
sociedade.
Chegou o tempo de dar um rumo novo à nossa história.
Portugal tem de se organizar dentro de si, não para se
fechar, mas para se abrir, para alcançar uma presença forte fora de si.
Não conseguiremos ser alguém na Europa e no mundo, se
formos ninguém em nós.
Não é por sermos um país pequeno que devem ser
pequenas as nossas ambições. O tamanho não conta; o que conta, e muito, é o
conhecimento e a ciência.
Senhor Presidente de República,
O convite de V. Ex.ª, que muito agradeço, é um gesto
de reconhecimento das universidades e do seu papel no futuro de Portugal.
Em Lisboa, na célebre Conferência do Casino (1871),
Antero disse o essencial: A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu
sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos,
que nos degradámos, que nos anulámos.
Antero tinha razão e o século XX ainda mais razão lhe
veio dar. O drama de Portugal, do nosso atraso e da nossa dependência, tem sido
sempre o afastamento de sociedades que evoluíram graças ao conhecimento e à
ciência.
Nas últimas décadas, realizámos um esforço notável no
campo da educação (da escola pública), das universidades e da ciência.
Pela primeira vez na nossa história, começamos a ter a
base necessária para um novo modelo de desenvolvimento, para um novo modelo de
organização da sociedade.
É uma base necessária, mas não é ainda uma base
suficiente.
Existe conhecimento. Existe ciência. Existe
tecnologia. Mas não estamos a conseguir aproveitar este potencial para
reorganizar a nossa estrutura social e produtiva, para transformar as nossas
instituições e empresas, para integrar uma geração qualificada que, assim, se
vê empurrada para a precariedade e para o desemprego.
É este o nosso problema: a ligação entre a
universidade e a sociedade. É esta a questão central do país: uma organização
da sociedade com base na valorização do conhecimento.
Insisto. Apesar de todos os contratempos, Portugal tem
hoje uma capacidade instalada, nas universidades e na ciência, que nos permite
sair de uma posição menor, periférica, e superar o fosso tecnológico que se
cavou entre nós e a Europa.
Não temos tempo para hesitações. As universidades
vivem de liberdade, precisam de ser livres para estarem à altura do que a
sociedade lhes pede.
É por aqui que passa o nosso futuro, pela forma como conseguirmos
ligar as universidades e a sociedade, pela forma como conseguirmos que o
conhecimento esteja ao serviço da transformação das nossas instituições e das
nossas empresas.
É por aqui que passa o nosso futuro, um outro futuro
para Portugal.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Também Lisboa se está a transformar graças à criação,
à energia da cultura e da ciência, graças aos estudantes que aqui chegam de
todas as partes do mundo.
Lisboa é dos poetas. Em abril, a poesia esteve na rua
e fez-nos emergir da noite e do silêncio. A poesia volta sempre à rua, através
desta língua que é a nossa mátria, desta língua que nos permite estar connosco
e com os outros, nas comunidades que nos multiplicaram pelo mundo e nos países
que são parte de nós.
25 anos depois, não esqueço José Afonso: Enquanto há
força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos alguém, cantai
também.
Cantemos todos. Por um país solidário. Por um país que
assegura o direito às coisas básicas e simples. Por um país que se transforma a
partir do conhecimento.
Não podemos ser ingénuos. Mas denunciar as
ingenuidades não significa pôr de lado as ilusões, não significa renunciar à
busca de um país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo (Sophia).
Foi esta busca que me trouxe ao Dia de Portugal, de
Camões e das Comunidades Portuguesas.
Ver no Youtube filme, em:
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