DEBATES SOBRE AS ÚLTIMAS
CAMPANHAS ULTRAMARINAS
20/6/12
“O desenrascanço”
português não é mais do que a arte da improvisação elevada a ciência”.
Sob a forma de
colóquios, seminários, painéis, etc., têm-se multiplicado, nos últimos 15-20 anos,
as sessões públicas onde se procura debater as derradeiras campanhas
ultramarinas (1954-1974), em que todo o povo português participou, com especial
empenho das FAs.
É sobretudo sobre
a acção destas que têm versado a maioria das iniciativas realizadas, cabendo à
Instituição Militar ou a órgãos relacionados com a Defesa e Segurança, a parte
de leão na sua organização e execução.
O objectivo tem
sido, em termos gerais, o de deixar testemunhos que permitam a futura
elaboração da História daqueles conflitos e a passagem de testemunho às novas
gerações. É um objectivo louvável, a todos os títulos.
Estas iniciativas
surgiram tardiamente. Digamos que, com 20 anos de atraso.
As razões são
sobretudo políticas e ideológicas.
De uma situação anterior
a 1974, em que era muito difícil, fora dos órgãos competentes do Estado,
discutir a situação vivida pela Nação, passou-se para outra, dois anos depois,
em que se impôs uma ditadura de pensamento que abominava tudo o que tinha
ocorrido no passado recente e, até, muitas das coisas do passado remoto.
Os combatentes
foram, então, relegados para a prateleira da ignomínia e do esquecimento e a
resposta à guerra que nos impuseram, foi carimbada como injusta e iníqua. E
tiveram a infâmia de escrever isto mesmo, nos livros de História!
A lavagem ao
cérebro, o condicionamento psicológico e a cobardia moral foi de tal ordem, que
só há poucos anos se começaram a levantar as barreira à auto – censura e a
haver direito ao contraditório.
O caminho que já
se fez ainda está muito aquém, porém, daquele que falta fazer.
O que se passou a
fazer nos últimos 15/20 anos, não obedeceu a nenhum plano – salvo raras
excepções de que se realça o trabalho da Comissão para o Estudo das Campanhas
de África – surgiu de iniciativas singulares que ficam ao arbítrio das
personalidades que lideram, no momento, diferentes órgãos/instituições. [1]
Daí que, até hoje,
os resultados sejam apenas parcelares, repetitivos, aleatórios e
descoordenados. Não estou a dizer que sejam medíocres, sem valor ou mal-intencionados;
tudo o que foi feito é importante e tem merecimento. Estou apenas a tentar
chamar a atenção para a falta de eficiência, dispersão de esforços e falta de
sistematização, que coarta a existência de obras de referência e a elaboração
de sínteses de conhecimento que permitam o estabelecimento de doutrina e
consolidem ensinamentos.
Vamos tentar
ilustrar o ponto com o ocorrido no último seminário ocorrido no Instituto de
Estudos Superiores Militares (IESM), em 20 de Junho, sobre a “Força Aérea em
África, 1959-1975”. Este seminário foi antecedido por um outro, em Abril,
referente à acção das FAs, em termos gerais, no citado conflito, a que se
seguirão mais duas sessões dedicadas, respectivamente, à Marinha e à FA.
Aquele seminário durou um dia e tratou de
operações aéreas, construção de aeródromos, acção dos paraquedistas, transporte
aéreo, etc., e algumas conclusões. Ora um dia não dá para tratar sequer, um dos
sub - temas, quanto mais a actuação de toda a FA num período de 16 anos!
As conclusões
serão assim, e inevitavelmente, parcelares e pontuais e, se colocarmos a
questão do que se vai fazer com elas creio que ninguém, em boa verdade, saberá
responder.
Havendo algum
dinheiro e vontade, ficarão registadas em publicação própria e arquivadas à
espera que outras se lhes juntem, fruto de iniciativas futuras. Do mesmo modo
que as de agora se vão justapor às anteriores, sem nunca se confrontarem…
Depois nota-se uma
coisa assaz interessante: para além de haver uns “habitués”que circulam por
estas iniciativas, a assistência tende a dividir-se pelos eventos que menos
lhes deveriam interessar. Explicitando, cerca de 95% dos ouvintes do seminário
em apreço, eram da FA, ou seja é uma assistência que, à partida, está por
dentro (ou devia estar), dos assuntos que vão ouvir. Supostamente teriam pouco
a aprender.
Quem poderia ter
algo a aprender seriam os militares da Armada e do Exército e, naturalmente, os
civis (nomeadamente os ligados à Defesa), mas estes primaram pela ausência.
Isto tem sido
recorrente.
Ora o
desconhecimento que os Ramos têm da acção, uns dos outros é de grande
infelicidade pois está na origem de muitos problemas chamados “corporativos”,
desentendimentos e preconceitos. Ninguém, aliás, pode amar o que desconhece…
Do mesmo modo,
quando a maioria dos oradores são conotados com uma determinada visão da
guerra, logo tal afasta os que não se revêm nessa visão e vice-versa.
Ou seja existem,
neste âmbito como noutros, um conjunto de “trincheiras” que devem ser
desmontadas.
Noutra
perspectiva, ao lado de temas que têm sido muito debatidos – caso das
operações, por ex. – outros existem que quase nunca foram aflorados, como é o
caso do serviço de informações, a assistência sanitária e o serviço postal
militar.
E estamos apenas
a falar do âmbito militar, já que tudo aquilo que envolveu e condicionou as
operações militares, raramente tem sido objecto de estudo e debate mesmo no
campo das universidades e instituições civis).
Ora tendo a
ofensiva contra a Nação Portuguesa sido global e global a sua resposta, os
demais âmbitos têm que ser todos estudados e integrados, sob pena de jamais
percebermos o que verdadeiramente se passou e de se poder ter uma visão de
conjunto do maior conflito que afectou Portugal em todo o século XX.
E estes âmbitos
são, basicamente, o Político/Estratégico; o Diplomático; o
Económico/Financeiro; Social e Psicológico, além do óbvio âmbito militar.
Entre todos
adquire especial importância o “psicológico” – que foi o que deitou tudo a
perder – dado que percorre transversalmente todos os outros, sendo que, no caso
em apreço, assume extraordinária relevância a questão da “Justiça da Guerra” e
do Direito na, e em fazer a guerra.
Esta questão
representa o Alfa e o Ómega de tudo e sem as contas estarem feitas neste
particular, nada estará devidamente aferido e concluído.
Desta questão,
todavia, não há quem não fuja dela como o diabo da Cruz.
E não há
“desenrascanço” que nos salve.
João J. Brandão
Ferreira
TCor.Pil.Av. (Ref.)
[1]
Estranhamente (ou talvez não), nunca se constituiu nenhuma comissão para
analisar e documentar o conflito que levou à perda do Estado da Índia, apesar de
este ser anterior às campanhas de África…
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