Adicionar legenda |
MANUEL ALEGRE
“COMBATENTE”, POR QUEM?
03MAI2010
Decorreu
nos pretéritos dias 3 e 4 de Maio, na Gulbenkian, um colóquio sobre a
envolvente externa que condicionou o eclodir das operações de guerrilha no
Ultramar português e o ataque a Goa, Damão e Diu e que acompanhou o desenrolar
do conflito nos anos 50, 60 e 70 do século XX.
No
primeiro dia constava na lista de oradores o cidadão Manuel Alegre (MA), a que
o panfleto que enunciava o programa tinha filantropicamente antecedido de um “Dr.”,
título a que, em abono da verdade, o nosso poeta nunca reivindicou. A sua “oração”
não tinha título, era anunciada apenas como “um depoimento”. Achei curioso e
fui assistir.
O
orador que acompanhava MA na erudição da sessão era o Embaixador Nunes Barata
que me merece um comentário. O Sr. Embaixador juntou um conjunto de factos
irrefutáveis, fez uma análise bem estruturada mas tirou, creio, um conjunto de
ilações erradas. É humano olhar para factos e intenções, cruzá-los e chegar-se
a conclusões diferentes. Por isso o contraditório e o estudo imparcial das
questões, é tão importante. Quando a premência das decisões e a incerteza do
amanhã, se abatem sobre as personalidades com as responsabilidades do momento,
a análise é uma; quanto esta análise pode ser feita décadas depois, com tudo
serenado e os arquivos disponíveis, a tarefa torna-se mais fácil.
Ora
o que o Sr. Embaixador defendeu, parece-me, foi que a conjuntura internacional
era de tal modo adversa a Portugal e os “ventos da História” tão irreversíveis
que só restava ao governo português ceder, adaptar-se e ir na onda. Isto é,
fazer uma política que fosse ao encontro dos interesses alheios e não dos
nossos. É natural que se este sentimento prevalecer, a maioria dos diplomatas
vá para o desemprego...
Mas o mais perturbador é que todo o discurso
do Sr. Embaixador apontava, algo descaradamente, para a “compreensão” da acção
dos nossos inimigos e “amigos”/aliados, como se eles dispusessem do monopólio
da verdade e do acerto e ao governo português de então – que se limitou a
defender a sua terra e as suas gentes - tenha destinado o amplexo
do erro! E gostaria que o Sr. Embaixador explicasse qual foi a época da nossa
História em que tivemos uma conjuntura internacional favorável e que não nos
custasse um extenso lençol de trabalhos, crises e perdas. E porque apelidou a
posição dos governos portugueses de então, de irrealismo e de meterem o país
num beco sem saída. Creio que não será difícil ao Sr. Embaixador perceber que
se nos quiséssemos sentar à mesa com Nehru ou com os dirigentes dos movimentos
que nos atacavam, tendo as grandes potências por detrás, e transferíssemos
calmamente a soberania para eles, isso nos evitaria, a nós, um ror de chatices
e a eles o incómodo de montar operações políticas, diplomáticas e militares,
sempre desagradáveis. Mas a que título e à pala de que princípios é que o
faríamos? Se os seus “colegas”, que actuaram no tempo da Restauração, pensassem
assim talvez não estivéssemos na Fundação do Arménio que gostou da nossa
hospitalidade, mas sim no Parque do Retiro, em Madrid, a beber umas “cañas”. E
fico por aqui.
Agora
vamos ao grande defensor da “Ética Republicana”.
MA
aproveitou a ocasião para fazer uma breve explicação/branqueamento do seu
percurso como militar e defensor dos movimentos nacionalistas (ao serviço da
Guerra Fria). E não se coibiu, no fim, de elogiar o comportamento das FAs
portuguesas durante o conflito e afirmar que não foram batidas no terreno.
Mais, que os territórios se desenvolveram apesar da guerra. Registamos a
evolução, que é de monta!
Explicou
que não desertou, pois foi preso pela Polícia Militar (por actividades
subversivas e de conluio com o inimigo) e passado à disponibilidade, altura em
que lhe foi instaurado um processo pela PIDE, ainda em Luanda. Teve oportunidade
de fugir e chegar a Argel. Daí para a frente o seu percurso é conhecido.
No
período de debate coloquei-lhe a seguinte questão: “como sabe as FAs têm várias
forças suas a actuar em diferentes teatros de operações no estrangeiro. A última
unidade a partir foi uma Companhia de Comandos, para Cabul. Vamos supor que eu,
cidadão português, me metia num avião e ia para o Cairo, para Trípoli, ou
Casablanca que é aqui mais perto, ou talvez Argel. Reunia-me lá com mais uns
amigos que não concordassem com esta política, fundava uma rádio e passava a
emitir textos de apoio aos talibãs, incitando os militares portugueses à
deserção, passando informações ao inimigo, etc. A pergunta é esta: como é que o
senhor reagiria a isto, o que é que me chamaria? E acrescentei (pois já
adivinhava a resposta): “ e não me venha dizer que antigamente era uma ditadura
e agora estamos em democracia; porque, mesmo que fosse assim, tal facto é
marginal à questão”.
Calejado
por uma tarimba dia léctica de muitas décadas, o vate não se perturbou e
respondeu, incidindo a justificação justamente na dualidade ditadura vs. Democracia;
liberdade vs. censura. Acrescentou que defendia a ida das tropas portuguesas
para o Afeganistão, pois tudo fora discutido democraticamente e a pedido da NATO,
de que fazíamos parte e que se teria invocado o artigo 5º (o ataque a um é um
ataque a todos). E, ufano, declarou algures que se fosse hoje faria tudo na
mesma. Deixando a questão da NATO e a razão do envolvimento português que está
longe de ser pelas razões que invocou, e registando a coerência no erro, vamos
concentrar-nos na inacreditável argumentação que só pode ter origem numa grande
confusão de conceitos, e má consciência. Ou ausência dela.
Devemos
ver, em primeiro lugar, que o crime de traição é considerado em relação à
Pátria, não em relação a governos ou regimes. Não há traidores “democráticos”
ou traidores a ditaduras, ou outra coisa qualquer. A traição é sempre relativa
a uma causa, um juramento, uma crença. O cidadão MA quando foi para Argel não
se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do Estado, mas a
ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas. A não
ser que considerassem essas tropas como fiéis apaniguados do regime, coisa que
até hoje sempre desmentiu.
Quando
a Legião Portuguesa comandada pelo Marquês de Alorna (um maçónico afrancesado)
foi enviada para França combater no Exército de Napoleão, nunca veio
incorporada nas invasões francesas justamente para não ter de atacar o seu
próprio país. Até os imperialistas napoleónicos perceberam isto!
E conhecerá MA algum governo de um
país em guerra, que permita ou não se oponha a quem queira contestar a
legitimidade do conflito em que estejam envolvidos – ou apoie o lado contrário?
(lembra-se que na IIGM, os americanos até construíram campos de internamento
para os suspeitos?).
Para encurtar razões, que legitimidade tem o
senhor para invocar a democracia e a liberdade, para justificar a sua acção em
Argel, quando na altura era membro do PCP – uma das mais fiéis correias de
transmissão do Kremlin – e que, como se sabe, foi sempre um modelo de
transparência, liberdade e democracia?
Traição não tem, assim, que ver com
ataques a pessoas, instituições ou sistemas políticos, a não ser que os fins
justifiquem os meios. Traição tem mais a ver com carácter, hombridade e ser-se
inteiro. O “citoyen”MA continua a querer justificar os maus conceitos que lhe
povoam a cabeça, deve ser por isso que adjectiva constantemente a ética de
“republicana”. A ética é a ciência do Bem, vale por si só, não precisa de
adjectivos. Muito menos de adjectivos políticos…
Por isso, poupe-nos e não fale mais
em Pátria. A palavra soa mal na sua boca.
João
José Brandão Ferreira
TCor/Pilav (Ref)
Sem comentários:
Enviar um comentário