segunda-feira, 16 de julho de 2012

M504 - Carlos Nabeiro, ex-1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842, Vila Gamito, Moçambique, 1967/70

Carlos Nabeiro
1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842
Vila Gamito - Moçambique - 1967/70 



Carlos Alberto Pitéu Nabeiro, que foi 1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842, Vila Gamito, Moçambique, 1967/70, é um grande Camarada, Amigo e apreciador da especialidade de Operações Especiais/RANGERS, onde conta com alguns bons Amigos, enviou-nos uma mensagem e algumas das fotos do seu álbum de memórias, que passamos a publicar: 
  
1. Nasci a 21 de Junho de 1945. 

Não tenho formação Universitária, limitei-me a concluir o 2º Ciclo dos liceus e mais uns tempos de Escola Industrial. 
Começo por descrever o meu rocambolesco percurso militar de três anos (Tavira CISMI - 10 de Julho de 1967 -, a RI 15 - Tomar -, 14 de Julho de 1970):
 

Assentei praça no CISMI como instruendo miliciano Atirador, no fim do primeiro ciclo, enquanto camaradas do meu pelotão seguiam para o Curso de Oficiais Milicianos (C.O.M.), eu fui para a rua. Nunca me entendi com o alferes e rebelei-me uma ou duas vezes. 

Depois de ter sido "corrido" de Tavira, fui para a Escola Militar de Electromecânica em Paço D'Arcos. 

Segui, para formar batalhão, para o RI 15 e promoveram-me a 1ºCabo. 

Embarquei no Vera-Cruz, no dia 24 de Abril de 1968, integrado na CCAÇ 2357, componente do BCAÇ.2842, unidade esta a que o pertenceu também o nosso Camarada RANGER Froufe Andrade (CCAÇ 2358). 

Lá fomos até Moçambique para o TO de Tete. 

Dos vinte e quatro meses que ali permaneci, vinte e um foram passados no mato, num local com o nome pomposo de Vila Gamito (duas fotos). 

Zona operacional com muitos fornilhos, que feriam e matavam muito pessoal, e destruíam material e mantimentos, e com algumas (poucas) flagelações e emboscadas. 

Sempre fui um indivíduo disciplinado e metódico, nunca confundi disciplina e competência com prepotência, achincalhamento e castração psicológica. 

Para me tornarem duro e agressivo não foi necessariamente forçoso que tivesse que ser maltratado e vexado. Gosto de saber a razão das coisas. Dir-me-ão, a tropa é assim mesmo, não é um colégio, para mais na altura estávamos em guerra. 

Comecei a baldar-me sempre que possível e fui eliminado do curso. 

Já em Moçambique, na terra da verdade, provei como no meu caso tinha razão. Fiz de tudo, mas, atenção, nunca fui voluntário para nada. À luz do RDM cumpria com o que me era ordenado. Cumpria, mas se me "cheirava a esturro”, disciplinadamente dizia que não estava de acordo. 

Estive mais que uma vez em risco de apanhar uma "porrada", por assumir responsabilidades de defender o pessoal que saía comigo para o mato, e que, devido ao seu estado de saúde, não ofereciam garantias de adequada operacionalidade. 

Verdade é que nunca levei nenhuma e acabei por ser louvado! 


Certo dia mandaram-me fazer uma segurança avançada ao “estacionamento”, seguido de montagem de uma emboscada nocturna, numa noite com um luar resplandecente. 

Estávamos com as forças nas lonas e sujeitos a ficar com feridos e mortos, pois andávamos a chegar de manhã ao quartel, descansar umas horas e, á noite, saíamos outra vez, se fosse necessário, como foi muitas vezes o meu caso. 

Às duas horas da madrugada a minha secção inteira estava cheia de frio, com os homens enrolados nos cobertores e deitados numa valeta a roncarem que nem uns desalmados, isto em pleno mato. Podíamos ser detectados a dez quilómetros de distância. 

Devia ralhar com aqueles desgraçados ou ameaçar com participações? 

Para não sermos apanhados à mão acordei-os e fomos caminhando, com as devidas precauções, para o estacionamento. Gritei a senha e meti o pessoal na cama. 

Em seguida fui falar com o meu comandante de pelotão e na manhã seguinte apresentei-me ao nosso Capitão. Eu bem lhes tinha dito que aquela saída ia dar barraca. 

Esta história e outras têm mais contornos, mas seria muito fastidioso estar com tantos detalhes. 

Fui Vague-Mestre durante as suas férias do nosso (Fur Mil Sá Pinto), cavei valas, abri espaldões e abrigos, escoltei, embosquei e piquei itinerários no lugar do Sargento-Quarteleiro que não percebia patavina do que era picar. 

Casado e com uma filha pequena - o Pereira -, teria uns trinta e cinco anos. 

Vinha pedir-me: “Oh Nabeiro vai lá tu por mim, eu não percebo nada daquilo, tu sabes, acabaste curso há pouco tempo, tu sabes disto!” 

Eu respondia: “Mas eu não pertenço à vossa classe, sou soldado, foi você Pereira que foi escalado.” 

“Eh pá, eu sei, mas é a minha filhinha e a minha mulher, é por elas.” 

2. Sobre a actual situação dos Combatentes da Guerra do Ultramar: 

14 de Julho de 2012. A França comemorou mais um dia da sua nacionalidade, com pompa e circunstância, respeito e estima pelos seus militares, os caídos e os sobreviventes de todos os tempos. 

Sem vergonha nem arrependimentos, a França Belicista, Colonialista, Imperialista, etc, etc, está-se borrifando para todos estes "simpáticos" epítetos, presa a sua identidade. 

Portugal, como é que em Portugal se procede no dia da sua nacionalidade? 

O povo envergonha-se de si. Não honra a sua História. Escamoteia a verdade! 

Esquece os que caíram em seu nome e despreza os sobreviventes. 

Paradoxalmente muitos desses sobreviventes, sofrem de síndroma do Calimero, dando uma no cravo e outra na ferradura. 

Muitos dizem que foram obrigados a ir para a guerra. Que passaram as passinhas do Algarve, que não tinham nada a ver com “aquilo”, que foi uma guerra injusta (será que há guerras justas?). 

No reverso da medalha querem ser respeitados. 

Mas como!? Se eles próprios ajudaram a criar a má imagem com que são olhados e o mito de serem uns coitadinhos… desgraçadinhos! 

Alguns, dizem até que estão arrependidos do mal que fizeram!? 

Afinal que mal fizeram e a quem? 

Eu não tenho pesos desse quilate na minha consciência! 

Não devo desculpas a ninguém, pelo contrário, devem-me a mim explicações os vendilhões do Templo, os que tramaram a pulhice do olhar negativo sobre os Combatentes e as piranhas da ganância internacional. 

Esses sim, devem-me a mim e aos que assumem ter combatido com lealdade e ter cumprido as obrigações, que lhe eram impostas, em nome da Nação, pelo poder político de Salazar e Caetano. 

Provavelmente algumas figuras"iluminadas" dirão que este meu "discurso" é fruto de uma mente ignorante e reaccionária, a raiar a senilidade dum velho de sessenta e sete anos. 

Que o seja, mas então convido-os a ver o que se passa num país – França -, que homenageia e honra os seus militares, mortos e vivos, que pelo link 


Aspecto do terreno e da flora em Vila Gamito
Aspecto do quartel de Vila Gamito
Material de guerra, quase todo de origem URSS e China, capturado ao inimigo
 Um dos primeiros Alouettes III a surgir na guerra
 Unimog destruído por uma mina anti-carro
 Outro Unimog vítima da mesma traiçoeira arma 


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